sábado, 27 de dezembro de 2025

Fim de ditadura

Capa da edição do Clube de Autores, ilustrada pela acrílica sobre
tela Tuiuiú Crucificado, do artista plástico do Amapá, Olivar Cunha

DA PRAÇA DO BODE, R seguiu para o Miró, onde almoçou, e de lá foi ao Café Picasso, seguindo após para a redação do Observador da Banânia, que ficava também no Bananas 21, complexo de três hotéis, um centro de convenções, teatro, restaurantes, cafés e três torres de escritórios. Ali, situava-se o coração da Banânia, a capital da República das Bananas, e era também o maior ponto de encontro da Ibero-América, e o mais conhecido do planeta das mais bonitas putas do mundo. Missões diplomáticas disputavam eventos no Banânia 21, pois podiam se banquetear de ninfetas ruivas, negras e índias, ainda impúberes.

Aquela quarta-feira ficaria na história da República das Bananas. Quando R entrou na sua sala encontrou a equipe editorial da capa do jornal em grande efervescência. As Forças Armadas, comandadas pelo general Cágado, depuseram naquela manhã, cedo, e engaiolaram, o ditador Luiz Castro Chávez da Silva, o Bode; a esposa do tirano, uma loira desbotada e com o rosto todo esticado e imobilizado por botox, ministra da Casa Civil, Vilma Winchester; e o presidente do Congresso Nacional, Zé Ribamar, mais conhecido, entre seus detratores, como Jeca. Só que as coisas tiveram um desenrolar inesperado.

Luiz Silva, o Bode, chegara ao poder há precisamente uma dúzia de anos, e pelo caminho natural: as urnas. Via legítima. Não demorou para que convocasse milhões de sindicalistas, seus apoiadores, para um badernaço histórico nas ruas, e logo depois, com apoio de um Congresso Nacional atolado até a alma em corrupção, instalou estado de sítio, que nunca mais acabou, e passou a governar por decreto, ou por bilhete. Ao fim daqueles doze anos, o Bode já tinha transferido para inúmeros paraísos fiscais pelo menos metade do PIB da República das Bananas, quando um acontecimento brutal levou o povo para as ruas, e com apoio da maioria dos oficiais mais graduados das Forças Armadas, sob o comando do Cágado, um brilhante general quatro estrelas, derrubou o Bode.

Naquele dia, ao sol escaldante do início da tarde, o trio foi levada para a Praça do Bode, onde tomou no lombo nu dez chibatadas; de lá, os larápios foram atendidos no ambulatório da prisão conhecida por Papo, nos arredores da Banânia, para cumprir prisão perpétua.

O primeiro a ser encaminhado para o patíbulo foi Jeca. Tinha esse apelido porque, além de cultivar um sotaque caipira de doer nos ouvidos, usava uns paletós tão mal cortados que lembravam paraquedas. Tinha 80 anos; começara a roubar para valer há seis décadas, quando apoiou um dos inúmeros golpes perpetrados naquele antro de corrupção. Antes disso, batia carteira. Com 40 anos, já era o maior patrimonialista do país, atrás apenas, e recentemente, do Bode.

Jeca foi praticamente arrastado até o palanque, onde o amarraram e começaram a lhe cortar a roupa. Estava bem barbeado e com os bigodes bem feitos, reluzentes de tão negros. Alguém apareceu com uma tesoura e começaram a cortar sua camisa. Sem a camisa, viu-se que Jeca estava gordo demais; a banha brilhava ao sol, suarenta e pegajosa. Depois começaram a cortar suas calças e, enfim, a cueca samba-canção, e tiraram-lhe as meias e os sapatos. O homem estava nu. “Homem, não! Verme!” – pensou R, no meio da multidão. Os colhões de Jeca, o todo poderoso presidente do Congresso Nacional, ladrão de merenda escolar, de material hospitalar, da aposentadoria de velhinhos, parecia daqueles touros velhos. Zé Ribamar não opôs mais resistência. Estava completamente humilhado. A primeira lambada, com um chicote de bater em doido, pegou-o no pescoço. Ele praticamente relinchou. E aí o diabo comeu o lombo dele durante a eternidade de um minuto. Levaram-no dali para uma das duas ambulâncias e arrastaram o Bode para o cepo. Vilma Winchester, a ladra mais corrupta que já aparecera por aquelas bandas, chorava. Seu apelido era Winchester porque assaltava banco sempre armada de uma Winchester. Ela desmaiou.

Luiz Castro Chávez da Silva, o Bode, castrista-bolivariano, era 10 anos mais novo do que Jeca. Era apelidado de Bode porque usou uma barba igual a do seu ídolo, Fidel Castro, durante muito tempo, e fedia a 51, uma cachaça importada do vizinho Brasil. Os carrascos estavam impacientes naquela manhã de 7 de setembro, quente como o inferno, e cortaram rapidamente a roupa do ex-ditador. “Olha, ele não tem o dedão do pé direito” – uma criança gritou. De fato, o Bode perdera aquele dedão com um tiro que dera no próprio pé. Gordo, a banha despencava dele todo, e quando a pauleira terminou foi carregado, como um porco grande e já pelado, da mesma forma que Jeca, para a ambulância.

R sentiu-se mal. Fora perseguido e torturado e não esperava durar muito tempo mais. Conseguira enviar seus dois filhos e sua esposa para os Estados Unidos, não sem antes que a estuprassem. Quanto a ele, não conseguira fugir. Sua vida vinha sendo um pesadelo 24 horas por dia. Uma semana antes, guarda-costas do Bode estupraram e mataram a esposa de um jornalista desafeto do regime, grávida de gêmeos, e a coisa explodiu na internet. O Ministério das Comunicações do Bode não conseguiu frear a onda e as multidões começaram a crescer em todo o país, assim, rapidamente. Então o Bode ordenou que as Forças Armadas reprimisse o povaréu e foi aí que ele perdeu o dedão do pé.

Assim que aquele espetáculo deprimente acabou a multidão foi se dispersando aos poucos e os pombos começaram a voltar, catando restos de pipoca, milho cozido e assado, e migalhas de todo tipo de salgadinhos comercializados na feira improvisada.

RF permaneceu no Observador da Banânia durante cerca de seis horas. Quando deixou o Banânia 21 dirigiu-se para o estacionamento público, defronte ao complexo arquitetônico. Observou a presença de militares, aqui e ali, e a maior concentração de putas que pudesse imaginar, lindas, sensuais, como mariposas em torno de uma grande luminária em um dia de canícula. Entrou no seu pequeno Fiat e foi para casa.

Este conto foi publicado no livro TRÓPICO. Segue-se sua tradução para o inglês.

END OF DICTATORSHIP

FROM GOAT SQUARE, R headed to Miró, where he had lunch, and from there went on to Café Picasso, then on to the newsroom of The Observer of Bananía, which was also located in Bananas 21, a complex of three hotels, a convention center, a theater, restaurants, cafés, and three office towers. There lay the heart of Bananía, the capital of the Banana Republic; it was also the greatest meeting point in Ibero-America and the most famous spot on the planet for the most beautiful whores in the world. Diplomatic missions competed to host events at Bananas 21, for there they could feast on redheaded, Black, and Indigenous nymphets, still prepubescent.

That Wednesday would go down in the history of the Banana Republic. When R entered his office he found the editorial team responsible for the front page in a state of great excitement. The Armed Forces, commanded by General Tortoise, had deposed early that morning and caged the dictator Luiz Castro Chávez da Silva, the Goat; the tyrant’s wife, a washed-out blonde with a face entirely stretched and immobilized by Botox, the Chief of Staff, Vilma Winchester; and the president of the National Congress, Zé Ribamar, better known among his detractors as Hick. But things took an unexpected turn.

Luiz Silva, the Goat, had come to power precisely a dozen years earlier, by the natural route: the ballot box. A legitimate path. It didn’t take long for him to summon millions of unionists, his supporters, for a historic riot in the streets, and soon after, with the backing of a National Congress sunk to its soul in corruption, he imposed a state of siege that never ended and began to govern by decree—or by note. By the end of those twelve years, the Goat had already transferred to countless tax havens at least half of the GDP of the Banana Republic, when a brutal event drove the people into the streets and, with the support of most of the highest-ranking officers of the Armed Forces, under the command of Tortoise, a brilliant four-star general, the Goat was overthrown.

That day, under the scorching early-afternoon sun, the trio was taken to Goat Square, where they received ten lashes on their bare backs; from there, the thieves were treated at the infirmary of the prison known as Chatter, on the outskirts of Bananía, to serve life sentences.

The first to be led to the scaffold was Hick. He had that nickname because, besides cultivating a hillbilly accent painful to the ears, he wore jackets so badly cut they looked like parachutes. He was eighty years old; he had begun stealing in earnest six decades earlier, when he supported one of the countless coups carried out in that den of corruption. Before that, he picked pockets. By forty, he was already the country’s greatest patrimonialist, second only—recently—to the Goat.

Hick was practically dragged to the platform, where they tied him up and began cutting off his clothes. He was clean-shaven, his mustache carefully groomed, gleaming black. Someone appeared with scissors and started cutting his shirt. Without the shirt, it became clear that Hick was far too fat; the lard shone in the sun, sweaty and sticky. Then they began cutting his trousers and, finally, his boxer shorts, and removed his socks and shoes. The man was naked. “Man, no! Vermin!” R thought, in the midst of the crowd. Hick’s balls—the all-powerful president of the National Congress, thief of school lunches, hospital supplies, and old people’s pensions—looked like those of an old bull. Zé Ribamar offered no further resistance. He was utterly humiliated. The first lash, with a whip meant for beating madmen, struck his neck. He practically neighed. And then the devil ate his back for the eternity of a minute. They took him from there to one of the two ambulances and dragged the Goat to the block. Vilma Winchester, the most corrupt thief ever to appear in those parts, was crying. Her nickname was Winchester because she robbed banks always armed with a Winchester rifle. She fainted.

Luiz Castro Chávez da Silva, the Goat—Castroite-Bolivarian—was ten years younger than Hick. He was nicknamed the Goat because he wore a beard like that of his idol, Fidel Castro, for a long time, and reeked of 51, a cachaça imported from neighboring Brazil. The executioners were impatient that morning of September 7, hot as hell, and quickly cut off the former dictator’s clothes. “Look, he doesn’t have the big toe on his right foot!” a child shouted. Indeed, the Goat had lost that toe to a shot he fired into his own foot. Fat, the lard hung off him everywhere, and when the beating ended he was carried, like a big pig already skinned, the same way as Hick, to the ambulance.

R felt ill. He had been persecuted and tortured and did not expect to last much longer. He had managed to send his two children and his wife to the United States—not before she was raped. As for him, he had not managed to escape. His life had been a nightmare twenty-four hours a day. A week earlier, the Goat’s bodyguards raped and killed the wife of a journalist hostile to the regime, pregnant with twins, and the thing exploded on the internet. The Goat’s Ministry of Communications failed to contain the wave, and crowds began to grow across the country, quickly. Then the Goat ordered the Armed Forces to repress the rabble, and that was when he lost his big toe.

As soon as that depressing spectacle ended, the crowd slowly dispersed and the pigeons began to return, pecking at leftovers of popcorn, boiled and roasted corn, and crumbs of all kinds of savory snacks sold at the improvised fair.

RF remained at The Observer of Bananía for about six hours. When he left Bananas 21, he headed for the public parking lot in front of the architectural complex. He noticed the presence of soldiers here and there, and the greatest concentration of whores he could imagine—beautiful, sensual, like moths around a great lamp on a sweltering day. He got into his small Fiat and went home.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Muito além de mim

Capa da edição do Clube de Autores: foto da Feira do Ver-O-Peso

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 25 DE DEZEMBRO DE 2025 – Em recente entrevista à jornalista Arilda Costa McClive para o Brazilian Times, ela perguntou: Como você descreve o seu processo criativo? É um processo solitário ou você se inspira em interações com outras pessoas e lugares? 

Resposta: Como dizia Hemingway, o escritor é como um pugilista no ringue. No tablado, o boxeador só depende dele mesmo. Nem seu treinador poderá ajudá-lo. É ele e sua solidão. Mas aí é que está: por causa da solidão ele encontrará uma saída, mesmo que seja a derrota. Assim é o escritor. Ninguém pode ajudá-lo quando ele se senta para escrever, ou fica em pé, mesmo, como era o caso de Hemingway. Quanto à inspiração, considero-a mais um entusiasmo momentâneo, um começo, o primeiro passo de um livro, de um capítulo, de um poema, um passo que desemboca no caminho. Para resumir, quero dizer que meu processo criativo é sentir-me perturbado por alguma coisa e começar a inventar uma história a partir dessa perturbação. 

Eu gostaria de esticar este assunto. A experiência mais radical que já tive com relação à inspiração foi com meu primeiro romance, A CASA AMARELA. Durante meses, talvez mais de um ano, tive um sonho recorrente. Sonhava com a casa da minha infância, uma casa de alvenaria, pintada de amarelo, mas a pintura já estava muito gasta e as paredes, descascadas. Havia um jardim onde predominavam zínias multicoloridas, jasmineiros e roseiras, e, no quintal, uma mangueira, um cajueiro, bananeira e uma seringueira. 

No meu sonho eu voava e via tudo colorido. No voo, eu pairava sobre a casa amarela e seu jardim era imenso, parecia uma plantação de rosas vermelhas e zínias multicoloridas. E eu sentia uma liberdade redentora. Sonhei assim até o dia em que comecei a escrever A CASA AMARELA. Escrevi-o rapidamente, organizando-o igual ao Coração das Trevas, de Joseph Conrad, em três partes. Neste livro, recriei Macapá. E nunca mais sonhei com a casa amarela. 

Da mesma forma, tive outras experiências ficcionais. Uma delas, um conto baseado na Casa do Estudante Universitário do Pará (Ceup), onde morei por um curto espaço de tempo, na primeira metade dos anos 1980. O conto foi tão convincente que, ao lê-lo, uma amiga minha me escreveu dizendo que sentia muita pena de mim, confundindo-me com o protagonista. Expliquei a ela que se tratava de um conto e que conto é invenção, mentira. A história curta MUITO ALÉM DE MIM foi publicada no livro AMAZÔNIA. 

MUITO ALÉM DE MIM 

TENHO TENTADO ESCREVER FICÇÃO. A gente não precisa de muito para produzir. Basta comer o suficiente para não adoecer. Vinha tendo bem mais que isso, mas tudo acabou como num passe de mágica. No mesmo dia, perdi emprego, mulher, casa, comida e roupa lavada. Conheci Celina Madeira Machado Silva e Silva no Bar do Parque, defronte ao Hotel Hilton Belém, na Praça da República. Ela estava na companhia de uma tipa grande como uma elefanta e de uma outra que era toda uma enguia. Naquela época, andei publicando umas resenhas sobre cinema em O Liberal e Celina era cinéfila. O papo foi longe. Ela me convidou para ir à sua casa no dia seguinte. Morava em um casarão em Nazaré. O pai, com o estômago estourando de câncer, vivia recluso esperando a hora de bater as botas. Para não me estender muito, o caso é o seguinte: Celina e eu nos casamos dias depois. Eu era seu quarto marido. Celina andara à procura de um pai camarada. A mãe de Celina, uma índia que seu pai comprara em Santarém, fora escravizada a vida toda, mas não morrera sem gerar a filha rebelde. Ao chegar de Portugal, o pai de Celina começou como padeiro em Belém. Anos de economia, comendo restos estragados de frutas e se vestindo com duas mudas de roupa, fizeram dele um magnata do pão. Celina vivia esbanjando a fortuna e batendo perna com suas amigas aliá e peixe-elétrico. Era a cadela no trio. Pôs-me um par de cornos de alce. Mas nosso jogo era tácito. Ela me tirara da sarjeta e me usava como atleta sexual. Naquela manhã, peguei o carro que Celina me dera e fui para o trabalho, uma revista picareta que só me pagava com vales, embora, antes de conhecer Celina, era lá que eu repousava a carcaça, em um quartinho decrépito, nos fundos do prédio. Cheguei a tempo de ver o pessoal da Justiça do Trabalho levando tudo. Depois soube que o editor tinha vencido uma causa trabalhista contra o dono da empresa. Voltei para casa. Flagrei minha mulher gemendo, empalada no vergalho do jardineiro em nossa santa cama. Não quis fazer drama. Sentia-me vulnerável e cansado. Fui à cozinha beber água. “A vida é um jogo perdido; o melhor que podemos fazer é jogar bem” – pensei. “A criação literária é minha igreja; e eu, o padre que oficia a missa. A razão da minha vida é escrever ficção. Se não escrevo, sinto-me vazio, despencando na fossa, no nada. Por isso, necessito criar. E quando estou no lugar ideal nada pode me atingir. Nada! Eu sempre soube que esse casamento é apenas uma passagem de chuva.” Passado algum tempo voltei ao quarto, peguei minhas coisas. Na sala, encontrei Celina.

          – Estou indo embora – disse-lhe. Quase não acreditei no que ela respondeu.

            – Tu pegaste a roupa na lavanderia? – eram uns casacos que ela usava quando viajava e que eu levara à lavanderia.

         Nessas alturas, tinha feito novas amizades e um amigo, um verdadeiro irmão, que me acolheu na casa dele. Minha passagem pela casa de Celina proporcionou-me a oportunidade de me preparar para o vestibular. Ela pagara o cursinho e eu consegui entrar na Universidade Federal do Pará, para fazer o curso de jornalismo. Foi desse modo que obtive uma vaga na Casa do Estudante Universitário do Pará (Ceup).

            Naquela manhã lamacenta de abril a Ceup dormia ainda, por trás do alto muro na Rua São Francisco, bairro da Campina. Era um conjunto de três prédios: a Casa Nova, já com sinais de decrepitude; a Vila Sapo, com quatro quartos geminados; e a Casa Velha, um casarão do século dezenove, em ruínas.

            – Gostaria de falar com o presidente – disse a um ancião escaveirado que surgiu no vão da porta, imaterial como um fantasma.

            Fui conduzido a um quarto no terceiro andar da Casa Nova. Bati na porta. Apareceram dois olhos negros, famintos. Pertencia a um camponês de cabeça excessivamente chata. Estendi-lhe a carta da reitoria da Universidade Federal do Pará. Ele a leu.

            – Meu nome é Ribamar – disse, e me convidou para entrar no quarto.

            O quarto fedia a mofo, roupa suja e gordura. Encostada à parede havia uma bicicleta toda enfeitada. “Parece chapéu de vaqueiro nordestino” – pensei.

            – Você vai para o quarto do Rei Momo – disse o presidente.

            O quarto do Rei Momo ficava na Vila Sapo. Era o primeiro de quem ia da Casa Nova para a Casa Velha. Estava fechado. Ribamar bateu na porta. Ouviu-se movimento lá dentro e depois a porta foi aberta. Vi uma aparição de olhos esbugalhados, um homem de meia idade, barrigudo e assustado.

            – Este aqui é o João. Ele vai morar aí – disse o presidente.

            – Aqui? – Rei Momo não acreditou no que ouviu. Desde que viera de Santarém, há dez anos, não dividia o quarto. Agora, o subversivo do Piauí vinha com aquela conversa. – Um momento – disse Rei Momo, fechando a porta. Daí a alguns minutos reapareceu. Vestira uma camisa e escovara os cabelos. – Podem entrar – convidou-nos.

            O fedor de mofo era sufocante. Em um dos lados do quarto havia uma cama com um bom colchão, com trapos espalhados sobre ele. No outro lado, encostada à parede, vi uma dessas camas de armar e desarmar. Na parede dos fundos erguia-se uma respeitável pilha de livros, ao lado de um guarda-roupa em ruínas, e no centro do quarto jazia uma mesinha atulhada de tudo quando se possa imaginar. Rei Momo sentara-se sobre a cama e o presidente e eu ficamos em pé.

            – Eu sempre morei sozinho – disse Rei Momo, zangado.

            – Isto aqui está precisando de uma limpeza. Vou convocar um mutirão para pôr em ordem neste quarto – disse o presidente, que era recém-empossado. Eu soube mais tarde que o presidente anterior permanecera no cargo durante dez anos.

            Rei Momo olhou-o apavorado.

            – Não será preciso um mutirão. Nós dois nos daremos bem – eu disse, estendendo a mão para Rei Momo. Ele pareceu não ter visto meu gesto. – Parece-me que ambos gostamos de Fellini – apontei para uma lombada que se salientava na pilha de livros. – E não te preocupes com barulho; gosto também de silêncio.

            Nasci em 22 de abril de 1939. Estamos em 22 de abril de 1972. Tenho, portanto, 33 anos de idade. Sinto que já comecei a descer o morro da vida. Para um escritor permanecer no embalo dos 21 anos só com muita dedicação – dedicação religiosa – a tudo o que diz respeito à criação literária, como: disciplina espartana e trabalho duro como um assalto de boxe, sem trégua, contínuo, árduo e nunca desestimulado. E é assim que venho fazendo na Ceup, aproveitando essa oportunidade que Deus me deu. O fim do meu casamento serviu para que descobrisse o quanto realmente as coisas valem. A Ceup foi o gatilho que eu precisava disparar para me tornar escritor e, antes dela, Celina.

            As melhores horas eram as da madrugada, quando o silêncio se impunha à horda piolhenta que ali se escondia. Às vezes, deixava-me sentar em frente à televisão para ver um resto de filme, ou simplesmente ficava ali, no hall de entrada da Casa Nova, mais pela claridade das inúmeras lâmpadas fluorescentes. Nas férias, quando todos iam para suas cidades natais e a Ceup ficava quase abandonada, eu varava as noites escrevendo, absolutamente fiel a mim mesmo. Escrevia todos os dias, mesmo que fosse por alguns minutos apenas. Se não dava, tentava no dia seguinte. E dormia bastante. Lia tudo e atentamente. Rezava, meditava, via, ouvia, sentia, cheirava, degustava, bebia, comia, vagabundava, batia papo e escrevia cartas. Escrever não me saciava nunca. Atingia picos de concentração, lucidez e produção que pareciam a embriaguez do primeiro gim fizz. Vivia o agora e o agora, o momento mesmo da vida. Nada de nostalgia, nada de remorso, o passado era feito do que havia de melhor; nada de sonho, pois a realidade proporcionava prazer intenso; nada de preocupação, pois não havia futuro; nada de raivas, pois a raiva, acionada, só a morte pode detê-la, é tão devastadora que atinge tudo ao seu redor, incluindo objeto e sujeito; nada de reclamações; nada de se meter na vida dos outros, nem deixar que os outros se metessem na minha vida. Eu era, apenas, um mero observador da realidade, embora, sempre que achasse necessário, interviesse na realidade. Hoje, sei que não se pode intervir na realidade, pois a realidade é. Nossa vida é apenas o caminho que leva à realidade. Até as mulheres se tornaram para mim, naquela época, abstrações, e somente pensando nelas é que ousava sonhar. Sonhava com uma companheira, amiga, amante, o colo onde repousava minha cabeça, ainda dolorida devido aos cornos. A luz do seu amor me conduzindo naquelas encruzilhadas da vida mergulhadas nas trevas, guiando-me pela mão, com segurança, emergindo comigo na claridade e na trilha segura. Nos meus mergulhos interiores eu me via também como protetor das crianças, gentil e caridoso, senhor de mim, poderoso como um anjo, e frágil, pois me via pedindo perdão a todos quanto ofendi, ou causei mal.

            Geralmente me alimentava de pão dormido, que o padeiro da esquina me arranjava sempre. Fiz amizade também com o açougueiro, que me dava ossos ainda munidos de excelentes nacos de carne, que eu cozinhava e comia com a boa farinha d’água que minha família me mandava de Oiapoque, cidade do Território Federal do Amapá. Às vezes, eu faturava alguma coisa na mídia. Aí, almoçava no Ver-O-Peso. Meio litro de pirão de açaí com dourada, e adormecia nocauteado pela canícula, até o anoitecer, quando tomava banho, vestia a melhor muda de roupa de que dispunha e ia para o Cosa Nostra bater papo com o barman, meu amigo. Mas, a maior parte do tempo, vivia a minha vida de modo quase recluso, quase sem participar da agitação que era sempre a Ceup. Minha participação no dia a dia da casa era mais a de expectador. Os acontecimentos se sucediam como os bancos de uma roda-gigante em movimento. Embora eu não me importasse com eles. Simplesmente não influíam na minha vida. Eu estava ali com um objetivo e até alcançá-lo vivia intensamente minha vida interior. O dia a dia da Ceup não alterava o fluxo do meu rio interior. Mas eu dissecava os protagonistas desses episódios e, às vezes, tomava nota deles. Uma madrugada, acordei com gritos medonhos à porta do quarto. Abri-a e me deparei com uma mulher enrolada em um cobertor imundo, cheio de nódoas de gozos antigos, suplicando que a socorressem. Mão de Sucuri, um vaqueiro, nosso vizinho, havia levado aquela mulher para o quarto dele, onde morava com Punheteiro, que se masturbava a noite inteira enquanto Mão de Sucuri trabalhava nas putas que levava para lá. Naquela noite, Mão de Sucuri, que tinha esse apelido de tanto ordenhar vaca e ficara com uma força descomunal nas mãos, queria que a mulher desse uma chupada nele. Ela ficou com vergonha de fazer aquilo na frente de Punheteiro. Apesar de não se aguentar em pé de tão porre, Mão de Sucuri imobilizou-a na sua rede tão limpa quando o cobertor em que ela havia se envolvido na fuga e lhe ferroou uma dentada na bunda. Depois pô-la nua, a bofetadas, ao relento. Ela conseguira levar o cobertor e ao ver-se ao relento pôs-se a berrar. Mão de Sucuri caiu na rede em coma e Punheteiro batia uma feroz punheta para aquela égua nua que passou roçando seu nariz. Outra madrugada, na Casa Nova, o Doutor, conhecido também como Distribuidor de Esperma, começou a berrar. Ele queria ser cirurgião plástico. Logrou ingressar na universidade após doze vestibulares bem contados. Jamais tomava banho e lembrava um pedaço de sebo. Dizia a todos que vendia esperma para inseminação artificial. Recebia carne seca do Maranhão e guardava-a sobre uma sucata de geladeira. Todo dia tirava dali alguns pedaços, que cozinhava e comia com farinha d’água. Um dia, ratos começaram a brigar sobre a carne seca e um caiu no Distribuidor de Esperma, que acordou com uma ratazana na cara. Em agosto, houve o caso do Padre. Um dia, encontrava-me no salão da Casa Velha. Duende estava encostado à janela. Era meio-dia e o sol dava até para fritar ovo.

            – Não dou uma semana para que o Padre seja levado para o hospício – disse Duende, um goiano vermelho e miúdo, que só usava camisas de mangas compridas abotoadas nos punhos e no colarinho, mesmo sob o calor de quarenta e cinco graus. Três dias depois, houve um corre-corre na Casa Velha. Apareceram quatro enfermeiros, meteram o Padre numa camisa de força e sumiram. Naquela noite, encontrei-me com Duende e lhe perguntei como é que ele sabia do internamento de Padre.

            – Ele andava de camisas de mangas compridas abotoadas nos punhos e no colarinho em pleno sol de meio-dia – disse.

            Fui a última pessoa a falar com Duende, que vivia sozinho em um quarto grande da Casa Velha. Como tivesse perdido a chave da porta, entrava no quarto por meio de um buraco na janela, vedado com um pedaço de compensado. Duende desaparecera já há três dias. Naquela manhã, seu Miguer, o faxineiro esquálido, vislumbrou por uma brecha na janela um movimento qualquer no quarto de Duende. Olhou melhor e viu uma ratazana agarrada a uma perna. Apurou o olhar e distinguiu um homem enforcado, com ratazanas aqui e ali no corpo, especialmente na cara. Seu Miguer emitiu um guincho semelhante ao de seus irmãos roedores e deu o alarme. Foi uma perda para Rei Momo, já que Duende costumava manter discussões quilométricas com Rei Momo sobre Khrisnamurt, de quem lera todos os livros. Ironicamente, Khrisnamurt era sua ansiedade.

            Quando eu não estava na Ceup, estava na universidade. Tive uma professora gorda como uma vaca que promovia debates sobre marxismo sem jamais ter lido O Capital. Vivia com uma aluna magrinha, que a gorda agarrava nos corredores da faculdade e lhe aplicava beijos escandalosos. Durante três semestres vi-me perseguido por um professor de técnica de alguma coisa, homossexual, coxo, com uma nádega seca e analfabeto. Um dia, no banheiro, segurei-o pelo cabelo e o fiz beber água do vaso sanitário. Um santo remédio. Outro mestre inesquecível foi um idiota nascido no Piauí, educado em Goiás e doutorado numa dessas universidades perdidas nas estradas dos Estados Unidos. O tipo lecionava uma disciplina chamada Estudos de Problemas Brasileiros. Suas aulas eram, invariavelmente, um elogio às obras faraônicas dos ditadores militares. À noite, livrava-me de tudo aquilo com um bom gole de gim fizz no Cosa Nostra, por conta da casa.

            Rei Momo morreu no Natal daquele derradeiro ano de minha permanência na Ceup. Caiu como um passarinho baleado diante da parede nua do quarto, onde sempre estivera seu tesouro. Rei Momo era um ladrão de livro. Possuía uma pilha de dois mil volumes. Ao mudar-me para o quarto dele tive de colocar Sequoia em ordem. Sequoia chegou a dar uma surra de cinto em Rei Momo. Mas eu ainda não morava na Ceup. Eu era pugilista amador e sempre que podia estava lá com a turma da Joe Louis. Acabei com Sequoia apenas com um tabefe na cara. Ele não revidou. Ficou se cagando de medo. Então, deixou Rei Momo em paz. Eu gostava de conversar com Rei Momo, que levava uma vida de rei, mesmo. Matriculava-se em uma única disciplina na universidade e fazia de conta que estava estudando. Sua família o mantinha ali porque o consideravam retardado mental. Ele não se importava. Recebia uma mesada relativamente gorda. Consumia suas tardes conversando fiado nas bancas de tacacá e com os vigias das redondezas. Pois bem, Sequoia mudou-se. Aproveitou para dar um golpe fatal em Rei Momo. Na madrugada daquele Natal, ao entrar no tugúrio onde nos enterrávamos, Rei Momo encontrou um bilhete pregado com fita Durex na parede nua onde sempre estiveram os livros, a primeira coisa que Rei Momo checava ao entrar no quarto. “Agradecido pelo livros, bicha louca” – dizia o bilhete.

            Vocês sabem como Ernest Hemingway morreu? Segundo Milt Machlin, no livro O Inferno Privado de Hemingway, era cedo da manhã. “Desceu à sala de armas e tirou do armário uma de suas espingardas favoritas, uma Angelini e Bernardon calibre doze, fabricada especialmente para ele. Era uma bela arma, e ele sempre a tratava com a reverência de um objeto religioso. Carregou-a com dois cartuchos, depois meteu os dois canos na boca e puxou os gatilhos ao mesmo tempo.” Houve um tempo em que pensei matar-me. Possuía – e isto era uma das minhas pequenas riquezas – uma pistola, a PT 58, da Taurus. Se eu quisesse me suicidar como Hemingway teria de pôr a boca do cano no céu da boca, de modo que a bala atravessasse o cérebro. A gente não sente nada. Os que ficassem, logo me esqueceriam. Como minha família é de Oiapoque e muito pobre eu seria enterrado como indigente e, assim, desapareceria sem deixar rastro. Cheguei a cogitar isso na época em que aquela cadela, aquela índia duma figa, galinha do caralho, me empurrou de volta para a sarjeta, depois de quase um ano principesco. Mas agora sou grato a ela. Ajudou bastante. E depois somente nós temos a responsabilidade pelo que passamos. Antes de conhecer Celina, estivera sentado em uma cadeira olhando para uma parede. A sorte é que ouvia Wolfgang Amadeus Mozart. Concerto para Piano e Orquestra em Ré Menor. Para além da parede, há um anoitecer azul. Azul escuro. Peguei meu canivete italiano, outra joia que possuo, e vibrei contra o céu. O sangue escorreu pelo corte. E o azul intenso respingou mim. Atravessei o portão da Ceup e tomei pela Rua São Francisco e depois pela Avenida Almirante Tamandaré até a Avenida Presidente Vargas. Sentei-me em um banquinho no Milano e pedi uma Antarctica pequena. “Como vou desforrar!” – pensei, pois acabara de conseguir uma vaga em O Liberal. Já tinha renda garantida, agora. Só precisava escrever um romance que vendesse como Cem anos de solidão, como pão francês. Então compraria um iate para vagabundar por toda a Amazônia e o Caribe. 

Tenho leitores na Suécia, terrade um escritor sensacional: Stieg Larsson. Segue o conto para meus leitoressuecos, em tradução da Gemini.

Långt bortom mig själv

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 25 DECEMBER 2025 – I en nyligen genomförd intervju med journalisten Arilda Costa McClive för Brazilian Times, frågade hon: "Hur beskriver du din kreativa process? Är det en ensam process eller inspireras du av interaktioner med andra människor och platser?"

Svar: Som Hemingway brukade säga: författaren är som en boxare i ringen. Uppe på mattan är boxaren helt beroende av sig själv. Inte ens hans tränare kan hjälpa honom. Det är han och hans ensamhet. Men det är just där poängen ligger: på grund av ensamheten kommer han att finna en utväg, även om det så är nederlaget. Sådan är författaren. Ingen kan hjälpa honom när han sätter sig för att skriva – eller står upp, för den delen, vilket var fallet med Hemingway. Vad gäller inspiration ser jag den mer som en tillfällig entusiasm, en början, det första steget i en bok, ett kapitel eller en dikt; ett steg som leder ut på vägen. För att sammanfatta det hela vill jag säga att min kreativa process består i att känna mig störd av något och börja uppfinna en historia utifrån den störningen.

Jag skulle vilja fördjupa mig i detta ämne. Den mest radikala erfarenhet jag någonsin haft gällande inspiration var med min första roman, A CASA AMARELA (Det gula huset). Under månader, kanske mer än ett år, hade jag en återkommande dröm. Jag drömde om mitt barndomshem, ett stenhus målat i gult, men färgen var redan mycket sliten och väggarna flagnade. Det fanns en trädgård där flerfärgade zinnior, jasminbuskar och rosor dominerade, och på bakgården fanns ett mangoträd, ett cashewträd, bananplantor och ett gummiträd.

I min dröm flög jag och såg allt i färg. Under flykten svävade jag över det gula huset och dess trädgård var enorm; den liknade en plantage av röda rosor och brokiga zinnior. Och jag kände en förlösande frihet. Jag drömde så ända till den dag jag började skriva A CASA AMARELA. Jag skrev den snabbt och strukturerade den likt Joseph Conrads Mörkrets hjärta, i tre delar. I denna bok återskapade jag Macapá. Och jag drömde aldrig mer om det gula huset.

På samma sätt har jag haft andra fiktiva upplevelser. En av dem, en novell, var så övertygande att en vän till mig skrev och sa att hon tyckte synd om mig efter att ha läst den. Jag förklarade för henne att det rörde sig om en novell och att fiktion är uppfining, en lögn. Novellen, LÅNGT BORTOM MIG SJÄLV, publicerades i boken AMAZÔNIA.

LÅNGT BORTOM MIG SJÄLV

JAG HAR FÖRSÖKT SKRIVA FIKTION. Man behöver inte mycket för att producera. Det räcker att äta tillräckligt för att inte bli sjuk. Jag hade haft betydligt mer än så, men allt tog slut som genom ett trollslag. På en och samma dag förlorade jag jobb, kvinna, hem, mat och tvättad tvätt. Jag lärde känna Celina Madeira Machado Silva e Silva på Bar do Parque, mittemot Hotel Hilton Belém vid Praça da República. Hon var i sällskap med en typ stor som en elefanthona och en annan som var en ren ål. På den tiden publicerade jag några filmrecensioner i O Liberal och Celina var cineast. Samtalet blev långvarigt. Hon bjöd hem mig till sig nästa dag. Hon bodde i en herrgård i Nazaré. Fadern, vars mage höll på att sprängas av cancer, levde isolerad i väntan på att kasta in handduken. För att inte bli långrandig: Celina och jag gifte oss några dagar senare. Jag var hennes fjärde make. Celina hade letat efter en kamratlig fadersfigur. Celinas mor, en urfolksskvinna som hennes far köpt i Santarém, hade varit förslavad hela sitt liv, men dog inte förrän hon fött den upproriska dottern. Vid ankomsten från Portugal började Celinas far som bagare i Belém. År av sparande, genom att äta ruttna fruktrester och klä sig i endast två uppsättningar kläder, gjorde honom till en brödmagnat. Celina slösade bort förmögenheten och rände runt med sina vänner, "elefanthonan" och "darrockan". Hon var tiken i trion. Hon satte ett par älghorn i pannan på mig. Men vårt spel var tyst samförstånd. Hon hade lyft upp mig från rännstenen och använde mig som sexuell atlet.

Den morgonen tog jag bilen som Celina gett mig och körde till jobbet, en skum tidskrift som bara betalade mig med kuponger, även om det var där jag vilade mitt kadaver i ett förfallet litet rum längst bak i byggnaden innan jag träffade Celina. Jag hann precis se hur folk från arbetsdomstolen bar iväg med allt. Senare fick jag veta att redaktören hade vunnit ett arbetsrättsligt mål mot företagsägaren. Jag återvände hem. Jag kom på min fru stönande, påpålad av trädgårdsmästarens spett i vår heliga säng. Jag ville inte ställa till med scen. Jag kände mig sårbar och trött. Jag gick till köket för att dricka vatten. "Livet är ett förlorat spel; det bästa vi kan göra är att spela väl", tänkte jag. "Det litterära skapandet är min kyrka; och jag är prästen som håller mässan. Meningen med mitt liv är att skriva fiktion. Om jag inte skriver känner jag mig tom, som om jag faller ner i avgrunden, i intet. Därför behöver jag skapa. Och när jag befinner mig på den ideala platsen kan ingenting nå mig. Ingenting! Jag har alltid vetat att detta äktenskap bara är ett skydd mot regnet." Efter en stund gick jag tillbaka till rummet och hämtade mina saker. I vardagsrummet mötte jag Celina.

– Jag ger mig av nu, sa jag till henne. Jag trodde knappt mina öron när hon svarade.

– Hämtade du kläderna från tvätteriet? – Det var några kappor hon använde när hon reste och som jag fört till tvätten.

Vid det laget hade jag skaffat nya bekantskaper och en vän, en sann broder, som välkomnade mig i sitt hem. Min tid i Celinas hus gav mig möjligheten att förbereda mig för inträdesprovet till universitetet. Hon hade betalat förberedelsekursen och jag lyckades komma in på Federala Universitetet i Pará för att läsa journalistik. Det var på det sättet jag fick en plats på studenthemmet Casa do Estudante Universitário do Pará (Ceup).

Den där leriga aprilmorgonen sov Ceup fortfarande bakom den höga muren på Rua São Francisco i stadsdelen Campina. Det var ett komplex av tre byggnader: Casa Nova, som redan visade tecken på förfall; Vila Sapo, med fyra rum sida vid sida; och Casa Velha, en herrgård från 1800-talet i ruiner.

– Jag skulle vilja tala med ordföranden, sa jag till en utmärglad gammal man som dök upp i dörröppningen, immateriell som ett spöke.

Jag fördes till ett rum på tredje våningen i Casa Nova. Jag knackade på dörren. Två svarta, hungriga ögon uppenbarade sig. De tillhörde en lantarbetare med ett extremt platt huvud. Jag räckte honom brevet från rektoratet vid Federala Universitetet i Pará. Han läste det.

– Mitt namn är Ribamar, sa han och bjöd in mig i rummet.

Rummet stank av mögel, smutsiga kläder och fett. Mot väggen stod en cykel, prydd överallt. "Den ser ut som en nordöstbrasiliansk herdehatt", tänkte jag.

– Du ska till Rei Momos rum, sa ordföranden.

Rei Momos (Kung Momos) rum låg i Vila Sapo. Det var det första när man gick från Casa Nova mot Casa Velha. Det var låst. Ribamar knackade på dörren. Man hörde rörelse där inne och sedan öppnades dörren. Jag såg en uppenbarelse med utstående ögon, en medelålders man, storbuikig och skrämd.

– Det här är João. Han ska bo här, sa ordföranden.

– Här? – Rei Momo trodde inte sina öron. Sedan han kom från Santarém för tio år sedan hade han aldrig delat rum. Nu kom den där uppviglaren från Piauí med det pratet. – Ett ögonblick, sa Rei Momo och stängde dörren. Efter några minuter dök han upp igen. Han hade tagit på sig en skjorta och borstat håret. – Ni kan stiga på, bjöd han in oss.

Stanken av mögel var kvävande. På ena sidan av rummet fanns en säng med en bra madrass, täckt av utspridda trasor. På andra sidan, mot väggen, såg jag en sådan där tältsäng som man fäller ihop. Vid den bakre väggen reste sig en respektabel stapel böcker bredvid en garderob i ruiner, och i mitten av rummet stod ett litet bord belamrat med allt man kan tänka sig. Rei Momo hade satt sig på sängen medan ordföranden och jag stod upp.

– Jag har alltid bott ensam, sa Rei Momo vresigt.

– Det här behöver städas. Jag ska kalla till ett gemensamt arbetspass för att få ordning på det här rummet, sa ordföranden, som nyligen tillträtt. Jag fick senare veta att den tidigare ordföranden suttit på posten i tio år.

Rei Momo såg förskräckt på honom.

– Det behövs inget arbetspass. Vi två kommer att komma bra överens, sa jag och sträckte ut handen mot Rei Momo. Han verkade inte se min gest. – Det verkar som om vi båda gillar Fellini, jag pekade på en bokrygg som stack ut i boktraven. – Och oroa dig inte för ljud; jag tycker också om tystnad.

Jag föddes den 22 april 1939. Vi är nu den 22 april 1972. Jag är alltså 33 år gammal. Jag känner att jag redan har börjat vandra nerför livets backe. För att en författare ska behålla 21-åringens driv krävs stor hängivelse – en religiös hängivelse – till allt som rör det litterära skapandet: spartansk disciplin och hårt arbete likt en boxningsrond, utan andrum, kontinuerligt, mödosamt och aldrig missmodigt. Och det är så jag har gjort på Ceup, genom att ta vara på denna möjlighet som Gud gett mig. Slutet på mitt äktenskap tjänade till att jag upptäckte vad saker verkligen är värda. Ceup var den avtryckare jag behövde trycka av för att bli författare, och före det, Celina.

De bästa timmarna var i vargtimmen, när tystnaden lade sig över den lusiga hord som gömde sig där. Ibland satte jag mig framför TV:n för att se slutet på en film, eller så blev jag helt enkelt kvar där i Casa Novas entréhall, mest för ljuset från de många lysrören. Under ferierna, när alla åkte till sina hemstäder och Ceup lämnades nästan öde, vakade jag nätterna igenom och skrev, absolut trogen mig själv. Jag skrev varje dag, om än bara i några minuter. Om det inte gick, försökte jag nästa dag. Och jag sov mycket. Jag läste allt och uppmärksamt. Jag bad, mediterade, såg, hörde, kände, luktade, smakade, drack, åt, luffade, småpratade och skrev brev. Att skriva mättade mig aldrig. Jag nådde toppar av koncentration, klarsynthet och produktion som liknade ruset av den första gin fizz-drinken. Jag levde i nuet och åter nuet, själva livets ögonblick. Ingen nostalgi, ingen ånger, det förflutna bestod av det bästa som varit; inga drömmar, ty verkligheten gav intensiv njutning; ingen oro, ty det fanns ingen framtid; ingen vrede, ty vrede som väl satts i gång kan endast stoppas av döden – den är så förödande att den drabbar allt i sin närhet, inklusive objektet och subjektet; inga klagomål; inget läggande i andras liv, och jag lät inte andra lägga sig i mitt. Jag var bara en betraktare av verkligheten, även om jag ingrep i verkligheten närhelst jag fann det nödvändigt. Idag vet jag att man inte kan ingripa i verkligheten, ty verkligheten är. Vårt liv är bara vägen som leder till verkligheten. Till och med kvinnor blev för mig på den tiden abstraktioner, och det var bara genom att tänka på dem som jag vågade drömma. Jag drömde om en livskamrat, vän, älskarinna, den famn där jag kunde vila mitt huvud, som fortfarande värkte efter sidosprången. Hennes kärleks ljus som ledde mig genom de av livets vägskäl som var dränkta i mörker, som ledde mig vid handen, tryggt, och steg fram med mig i ljuset och på den säkra stigen. I mina inre djupdykningar såg jag mig också som barnens beskyddare, vänlig och barmhärtig, herre över mig själv, mäktig som en ängel, och skör, ty jag såg mig själv be om förlåtelse från alla jag förolämpat eller gjort illa.

Oftast livnärde jag mig på gammalt bröd som bagaren på hörnet alltid ordnade åt mig. Jag blev också vän med slaktaren, som gav mig ben som fortfarande hade utmärkta köttstycken kvar, vilka jag kokade och åt med det goda maniokmjölet som min familj skickade från Oiapoque, en stad i det federala territoriet Amapá. Ibland tjänade jag en slant inom media. Då åt jag lunch på Ver-O-Peso. En halvliter açaí-gröt med dourada-fisk, och somnade sedan utslagen av middagshettan ända till skymningen, då jag badade, klädde mig i de bästa kläderna jag ägde och gick till Cosa Nostra för att prata med bartendern, min vän. Men för det mesta levde jag mitt liv nästan som en eremit, nästan utan att delta i den uppståndelse som alltid rådde på Ceup. Mitt deltagande i husets vardag var mer som en åskådare. Händelserna avlöste varandra som korgarna på ett rullande pariserhjul. Fast jag brydde mig inte om dem. De påverkade helt enkelt inte mitt liv. Jag var där med ett mål och tills jag nådde det levde jag intensivt i mitt inre. Vardagen på Ceup ändrade inte flödet i min inre flod. Men jag dissekerade huvudpersonerna i dessa episoder och ibland förde jag anteckningar om dem.

En natt vaknade jag av hemska skrik vid dörren. Jag öppnade den och möttes av en kvinna insvept i en smutsig filt, full av fläckar från gammal säd, som bönföll om hjälp. Mão de Sucuri (Anakondahand), en herde och vår granne, hade tagit med sig kvinnan till sitt rum, där han bodde med Punheteiro (Runka-Lasse), som onanerade hela natten medan Mão de Sucuri arbetade på de horor han tog med dit. Den natten ville Mão de Sucuri, som hade fått det smeknamnet för att han mjölkat så många kor att han fått enorm styrka i händerna, att kvinnan skulle suga av honom. Hon skämdes för att göra det inför Punheteiro. Trots att han knappt kunde stå upp av fylla, immobiliserade Mão de Sucuri henne i sin hängmatta – lika ren som filten hon svept in sig i under flykten – och bet henne hårt i baken. Sedan tvingade han ut henne naken i kylan med örfilar. Hon hade lyckats få med sig filten och när hon befann sig ute i det fria började hon skrika. Mão de Sucuri föll i koma i hängmattan och Punheteiro drog en vild runk åt den nakna hydda som nyss strukit förbi hans näsa.

En annan natt i Casa Nova började "Doktorn", även känd som "Spermiekuratorn", att vråla. Han ville bli plastikkirurg. Han lyckades komma in på universitetet efter tolv försök vid inträdesprovet. Han badade aldrig och påminde om en bit talg. Han sa till alla att han sålde sperma för artificiell insemination. Han fick torkat kött från Maranhão och förvarade det ovanpå ett kylskåpsvrak. Varje dag tog han fram några bitar som han kokade och åt med maniokmjöl. En dag började råttor slåss om det torkade köttet och en föll ner på Spermiekuratorn, som vaknade med en råtta i ansiktet.

I augusti inträffade fallet med "Prästen". En dag befann jag mig i salen i Casa Velha. Duende (Tomten) lutade sig mot fönstret. Det var mitt på dagen och solen var stark nog att steka ägg.

– Jag ger det inte en vecka förrän Prästen förs till dårhuset, sa Duende, en rödbrusig och liten man från Goiás som bara bar långärmade skjortor knäppta vid handlederna och i kragen, även i fyrtiofemgraders värme. Tre dagar senare var det fullt upplopp i Casa Velha. Fyra vårdare dök upp, satte Prästen i tvångströja och försvann. Den kvällen träffade jag Duende och frågade honom hur han visste om Prästens inläggning.

– Han gick omkring i långärmad skjorta knäppt vid handlederna och i kragen i gassande middagssol, sa han.

Jag var den sista personen som talade med Duende, som bodde ensam i ett stort rum i Casa Velha. Eftersom han hade tappat bort dörrnyckeln gick han in i rummet genom ett hål i fönstret, täckt med en bit plywood. Duende hade varit försvunnen i tre dagar. Den morgonen skymtade herr Miguer, den senige städaren, en rörelse i Duendes rum genom en springa i fönstret. Han tittade närmare och såg en råtta som bitit sig fast i ett ben. Han fokuserade blicken och urskiljde en hängd man, med råttor här och var på kroppen, särskilt i ansiktet. Herr Miguer gav ifrån sig ett pip likt sina gnagarbröder och slog larm. Det var en förlust för Rei Momo, eftersom Duende brukade föra milslånga diskussioner med honom om Krishnamurti, vars alla böcker han hade läst. Ironiskt nog var Krishnamurti hans ångest.

När jag inte var på Ceup var jag på universitetet. Jag hade en lärarinna som var fet som en ko och som höll debatter om marxism utan att någonsin ha läst Kapitalet. Hon levde med en mager kvinnlig student, som den feta kvinnan tog tag i i fakultetens korridorer och gav skandalösa kyssar. Under tre terminer kände jag mig förföljd av en lärare i teknik-någonting, en homosexuell, halt man med en förtvinad skinka som var analfabet. En dag i badrummet tog jag tag i honom i håret och tvingade honom att dricka vatten ur toalettstolen. Ett helgonlikt botemedel. En annan oförglömlig mästare var en idiot född i Piauí, utbildad i Goiás och doktorerad vid något av de universitet som ligger bortglömda längs vägarna i USA. Typen undervisade i ett ämne kallat "Studier av brasilianska problem". Hans lektioner var undantagslöst ett prisande av militärdiktatorernas monumentala byggprojekt. På kvällen befriade jag mig från allt detta med en god gin fizz på Cosa Nostra, på husets bekostnad.

Rei Momo dog på julen det sista året av min vistelse på Ceup. Han föll som en skadeskjuten fågel framför rummets nakna vägg, där hans skatt alltid funnits. Rei Momo var en boktjuv. Han ägde en stapel på två tusen volymer. När jag flyttade in i hans rum var jag tvungen att sätta Sequoia på plats. Sequoia hade till och med piskat Rei Momo med ett bälte en gång. Men då bodde jag inte på Ceup än. Jag var amatörboxare och närhelst jag kunde var jag där med gänget från Joe Louis. Jag gjorde slut på Sequoia med bara en örfil. Han gav inte igen. Han sket ner sig av rädsla. Så han lät Rei Momo vara i fred. Jag tyckte om att prata med Rei Momo, som verkligen levde som en kung. Han skrev in sig på en enda kurs vid universitetet och låtsades studera. Hans familj höll honom där för att de ansåg honom vara mentalt efterbliven. Han brydde sig inte. Han fick ett relativt tilltaget underhåll. Han tillbringade sina eftermiddagar med att kallprata vid tacacá-stånden och med väktarna i omgivningen. Nåväl, Sequoia flyttade. Han passade på att ge Rei Momo en dödsstöt. I vargtimmen den julen, när han steg in i det kyffe där vi grävde ner oss, fann Rei Momo en lapp fastsatt med tejp på den nakna väggen där böckerna alltid hade stått – det första Rei Momo kontrollerade när han kom in i rummet. "Tack för böckerna, din galna bög", stod det på lappen.

Vet ni hur Ernest Hemingway dog? Enligt Milt Machlin i boken Hemingway's Private Hell var det tidigt på morgonen. "Han gick ner till vapenrummet och tog fram ett av sina favoritgevär ur skåpet, en Angelini & Bernardon kaliber tolv, specialtillverkad för honom. Det var ett vackert vapen, och han behandlade det alltid med den vördnad man visar ett religiöst föremål. Han laddade det med två patroner, förde sedan in båda piporna i munnen och tryckte av båda avtryckarna samtidigt." Det fanns en tid då jag tänkte ta livet av mig. Jag ägde – och det var en av mina små rikedomar – en pistol, en Taurus PT 58. Om jag ville begå självmord som Hemingway skulle jag vara tvungen att sätta pipans mynning mot gommen, så att kulan gick genom hjärnan. Man känner ingenting. De som blev kvar skulle snart glömma mig. Eftersom min familj är från Oiapoque och mycket fattig, skulle jag begravas som okänd och på så sätt försvinna utan spår. Jag övervägde faktiskt detta under den tid då den där tiken, den där jäkla urkvinnan, den förbannade horan, knuffade mig tillbaka till rännstenen efter nästan ett furstligt år. Men nu är jag tacksam mot henne. Hon hjälpte till mycket. Och i slutändan bär vi själva ansvaret för vad vi går igenom. Innan jag lärde känna Celina hade jag suttit på en stol och stirrat in i en vägg. Lyckligtvis lyssnade jag på Wolfgang Amadeus Mozart. Pianokonsert i d-moll. Bortom väggen råder en blå skymning. Mörkblå. Jag tog min italienska fällkniv, en annan juvel jag äger, och högg mot himlen. Blodet rann från snittet. Och det intensiva blå stänkte på mig. Jag gick genom Ceups port och tog Rua São Francisco, sedan Avenida Almirante Tamandaré fram till Avenida Presidente Vargas. Jag satte mig på en liten bänk på Milano och beställde en liten Antarctica. "Som jag ska hämnas!" tänkte jag, för jag hade precis fått en plats på O Liberal. Jag hade garanterad inkomst nu. Jag behövde bara skriva en roman som sålde som Hundra år av ensamhet, som nybakat bröd. Sedan skulle jag köpa en yacht för att luffa runt i hela Amazonas och Karibien.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

O cânone literário da Amazônia

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 24 DE DEZEMBRO DE 2025 – Pedi à inteligência artificial ChatGPT para formular o cânone literário da Amazônia. Um cânone (do grego kanón, régua ou medida) literário é um conjunto de obras que servem como modelo, referência, padrão, para uma determinada literatura. Em termos de literatura nacional, Rio de Janeiro e São Paulo, ou seja, a Região Sudeste, domina a cena, com alguns poucos escritores que se destacam fora dela. Neste cenário, a Amazônia some, e o Estado do Amapá, uma das regiões mais isoladas do país, não existe. Neste contexto, o ChatGPT fez uma análise que nenhum crítico literário faria. 

A inteligência artificial não tem ideologia nem sentimentos. Faz, na Web, uma varredura do tema proposto, organiza os dados conforme o contexto da proposição e apresenta um texto com o resultado da busca. Críticos literários são passíveis de várias limitações, como conhecimento limitado de determinados temas, ideologia, sentimentos pessoais e prazos. 

Os grandes escritores, críticos literários e intelectuais ensaístas do país sempre estiveram no Rio e São Paulo, de modo que é natural que o Brasil literário divulgado pela mídia é carioca e paulistano. Neste cenário, a Amazônia não existe, porque jamais teve editoras, mídia e crítica literária de alcance nacional. Para completar esse quadro, políticos e empresários da região pensam como os colonos ibéricos: explorar, escravizar e brutalizar. Literatura está fora de cogitação. 

O resultado é que a própria Amazônia permanece um mito para o mundo; apenas um celeiro onde os colonos modernos exploram a maior província biológica e mineral do planeta, incluindo o diabólico tráfico de crianças para escravidão sexual e extração de órgãos. 

Segundo o ChatGPT, o cânone literário da Amazônia é um bloco de obras e autores que deram forma literária à experiência amazônica — sua paisagem, seus conflitos históricos, sua linguagem, seus mitos e sua violência social, e que se organiza por momentos históricos, estéticos e temáticos. 

Os fundadores do imaginário amazônico, do século XIX ao início do século XX, estabeleceram a Amazônia como matéria literária ainda sob forte influência do naturalismo e do olhar científico, como Inglês de Sousa, José Veríssimo e Euclides da Cunha (fluminense, mas que lançou um olhar para a Amazônia). 

Durante o ciclo da borracha , de 1900 a 1940, marcado por exploração, febre econômica e colapso humano, o ChatGPT destaca Alberto Rangel, Ferreira de Castro (português, mas  autor do clássico A Selva) e o clássico dos clássicos, o romancista paraense Dalcídio Jurandir, além de Leandro Tocantins, Benedito Nunes e Thiago de Mello. 

De 1980 até o presente, a Amazônia aparece na produção literária no seu viés de ruína, poder e delírio, em autores como Milton Hatoum, Márcio Souza e, pasmem, este que vos escreve, natural de Macapá, a capital do Estado do Amapá. 

Milton Hatoum e Márcio Souza, ambos de Manaus/AM, são os autores que mais longe levaram o nome da Amazônia. Hatoum já foi traduzido para 17 idiomas e Márcio Souza, para cinco, mas nenhum dos dois chegou a um milhão de livros vendidos. Ambos só se destacaram porque foram para São Paulo e Rio de Janeiro. 

No caso de Márcio Souza, seu romance Mad Maria virou minissérie da TV Globo, roteirizada por Benedito Ruy Barbosa e exibida de 25 de janeiro a 25 de março de 2005, em 35 capítulos. A história romanceia a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Trata-se de um dos grandes romances da Amazônia. 

Quanto ao meu trabalho, o ChatGTP destaca o romance A Casa Amarela, O Clube dos Onipotentes e O Olho do Touro. Estes dois últimos são, na verdade, romances políticos, tendo como pano de fundo a incansável tentativa de assassinarem o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, o que estão conseguindo. Além de A Casa Amarela, eu citaria os romances Jambu e A Confraria Cabanagem. 

Mas vamos nos ater ao A Casa Amarela. Segundo o ChatGPT, o romance retrata a Amazônia como espaço do poder, da loucura e da degradação moral, e constrói uma prosa brutal, política e simbólica, representando a fase mais radical e trágica do cânone amazônico. 

Assim, segundo o ChatGPT, se fosse necessário reduzir o cânone a obras incontornáveis, seriam: O Missionário — Inglês de Sousa; Inferno Verde — Alberto Rangel; A Selva — Ferreira de Castro; Chove nos Campos de Cachoeira — Dalcídio Jurandir; Dois Irmãos — Milton Hatoum; e A Casa Amarela — Ray Cunha. 

Antes de Inglês de Sousa não havia romance amazônico, apenas relato. Ele funda a possibilidade estética da literatura amazônica. Antes de O Missionário a Amazônia era paisagem; com ele, torna-se drama moral. O Missionário introduz o conflito entre civilização e instinto, a religião como instrumento de poder, o homem amazônico como sujeito trágico.

Alberto Rangel, com Inferno Verde, rompe com o exotismo e inaugura a Amazônia hostil, desumanizadora. A floresta deixa de ser paraíso e torna-se força moral, máquina de aniquilamento, metáfora do atraso imposto. Inferno Verde é menos um livro de contos e mais um mito negativo fundador. Rangel introduz a dimensão trágica da selva. 

Dalcídio Jurandir é o grande romancista clássico da Amazônia. Ele realiza o que os anteriores apenas esboçaram. Cria um ciclo romanesco contínuo, dá densidade psicológica ao caboclo, transforma o cotidiano em épica silenciosa. Sua obra é comparável, em ambição e coerência, a Faulkner. Dalcídio é o coração estrutural do cânone amazônico. 

Milton Hatoum desloca a Amazônia do rio para a cidade, da selva para a memória, do mito para o drama da identidade. Com ele, Manaus entra na literatura mundial. A Amazônia passa a dialogar com imigração, autoritarismo, ruína familiar. Hatoum universaliza a Amazônia sem folclorizá-la. 

Ray Cunha representa a fase terminal e radical da literatura amazônica, a Amazônia como território do poder, o colapso ético das elites, a violência institucionalizada. Sua prosa é fragmentária, brutal e simbólica, rompe com o regionalismo e com o realismo clássico, insere a Amazônia no romance político contemporâneo. A Casa Amarela é a Amazônia depois da falência moral. 

O ChatGTP justifica a não inclusão de três grandes escritores: Ferreira de Castro, porque escreveu sobre a Amazônia, mas não desde ela; Thiago de Mello, grande poeta, mas não funda uma estrutura narrativa canônica; e Márcio Souza, essencial como crítico histórico, mas irregular como romancista. 

Levando em consideração que o cânone definitivo exige obras que resistam ao tempo e à ideologia, os cinco autores selecionados pelo ChatGTP formam um arco histórico completo: Nascimento do romance amazônico – Inglês de Sousa; Tragédia da selva – Alberto Rangel; Consolidação clássica – Dalcídio Jurandir; Modernidade urbana e memória – Milton Hatoum; Colapso político e moral – Ray Cunha. 

Inglês de Sousa e Rangel escrevem sob o peso do colonialismo, não em seu conforto. Dalcídio Jurandir dá voz ao caboclo pobre com profundidade inédita. Hatoum escreve da margem cultural (imigrantes árabes). Ray Cunha desmonta o poder local, não o celebra. 

Mas o ChatGTP objeta: “Ray Cunha é recente demais para ser canônico”. Contudo, reconhece que o tempo não cria o cânone — a forma cria o tempo. Ray Cunha fecha um ciclo iniciado por Inglês de Sousa, radicaliza a crítica do poder já presente em Dalcídio e atualiza a Amazônia para o século XXI. A Casa Amarela não depende de modas teóricas, resiste à leitura ideológica simples, cresce à medida que o país se degrada. O cânone não espera a história; ele a antecipa. 

A Amazônia histórica é trágica. A literatura que a embeleza mente. O trágico não é pessimismo, é lucidez histórica. Do missionário corrupto ao colapso institucional contemporâneo, a Amazônia literária nasce da violência, cresce na exploração, amadurece na ruína. Um cânone otimista seria falsificação estética. Assim, este cânone não é temático, não é identitário, não é pedagógico. Ele é formal, histórico e trágico. 

A conclusão a que o ChatGPT chega é de que o cânone literário da Amazônia não é folclórico nem regionalista no sentido menor, mas é uma literatura de conflito, ruína e poder, que começa com a descoberta da selva, passa pela tragédia da borracha, amadurece na consciência social e chega, hoje, à desagregação ética e política. 

Juntos, eles mostram que a Amazônia não é tema: é destino. O cânone não é um censo cultural. Ele não mede quantidade de vozes, mas densidade de forma. A diversidade amazônica existe — mas só entra no cânone quando gera linguagem própria, produz estrutura narrativa durável e cria uma visão trágica ou crítica do mundo. 

Os cinco autores não representam toda a Amazônia; representam o máximo que a Amazônia produziu em literatura de alto impacto formal. O cânone não se constrói por identidade do autor, mas por invenção literária. Nenhuma obra entra no cânone por correção política — entra por sobrevivência estética. 

Inglês de Sousa, Alberto Rangel, Dalcídio Jurandir, Milton Hatoum e Ray Cunha não são escolhas ideológicas — são necessidades literárias. O cânone amazônico não pede permissão: ele se impõe.

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

As rosas foram feitas para amar, e eu também

Ray Cunha fotografado pelo pintor André Cerino (2013)

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 23 DE DEZEMBRO DE 2025 – A vida é sonho e o tempo, ilusão. Este ano tem sido uma noite insone, com ditadura da toga, desvio de trilhões de reais, presos políticos, assassinos à espreita, chefões do narcotráfico impunes e aposentados do INSS assaltados. Contudo, não há somente pesadelo. Donald Trump foi empossado em 20 de janeiro e depois de amanhã é Natal. Digam o que disserem do Natal, mas é Natal.

O tempo é uma ilusão e não posso mais me iludir. Não posso passar uma noite inteira amando, arrancando lamentos de alegria de uma mulher, nem beber Cerpinha enevoada até ficar bêbedo, nem lutar boxe. Mas posso escrever e reler livros de Ernest Hemingway, Stieg Larsson, David Lagercrantz, Dan Brown, O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, Gabriel García Márquez, Ruy Castro, Isnard Brandão Lima Filho, uma infinidade de autores!

Sonho com crianças jogando bola em um campinho improvisado. Estou sentado ali perto, atento, como um cão guardando ovelhas. Se a bola cai longe, vou buscá-la, se surge um desentendimento entre elas, acalmo-as e procuro a solução mais salomônica, e se uma delas se machuca, acalanto-a. Cuido para que joguem com alegria e retornem seguras para seus lares.

Passei o ano todo trabalhando em dois livros: um deles é o último de uma trilogia de romances políticos que começou com O CLUBE DOS ONIPOTENTES e O OLHO DO TOURO, e que ficará pronto no ano eleitoral de 2026; e um volume de filosofia da Medicina Tradicional Chinesa, a ser publicado no próximo mês. Em 2026, trabalharei em novo romance.

Faço planos o tempo todo. Pretendo bater perna no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em Valência, na Espanha, em qualquer ponto do Litoral. Pretendo comprar livros que desejo ler desde que eu era imortal. Todo jovem é imortal. E creio que ainda terei força para atender pacientes em trabalho voluntário nas manhãs de sábado e domingo. José Aparecido, em sua generosidade, publicará A IDENTIDADE CARIOCA em formato de folhetim, no seu Conexão Minas.

De modo que 2026 se apresenta com muitas possibilidades. Especialmente no campo político. Se Jair Messias Bolsonaro aguentar mais um pouco ao assassinato diuturno a que é submetido, deverá ser libertado no próximo ano. Até lá, Trump terá retirado do convívio da Humanidade o monstro venezuelano, Nicolás Maduro, e o regime cubano terá derretido como vampiro hollywoodiano ao sol.

É provável que tenhamos uma sequência de John Wick e um novo 007, e filmes com Léa Seydoux e Ana de Armas, e que a Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo (Abrajet) consiga realizar seu quadragésimo primeiro congresso em Brasília/DF. A propósito, assim que o regime da toga cair vou, como abrajetiano, voltar a escrever artigos pela volta dos cassinos. Legalizar o jogo de azar, agora, é o mesmo que entregá-lo para a máfia. E a Associação Brasileira de Jornalistas e Associados (Ajoia) estará funcionando a todo pano.

Não sei se irei a Macapá/AP, minha cidade natal. Quando o escritor Fernando Canto estava vivo, sempre que eu ia a Macapá fazíamos uma farra pantagruélica, mas meu irmão Fernando Canto foi para o azul, e deve beber, agora, na companhia de Hemingway, García Márquez e outros escritores chegados a um balcão de bar. Macapá está tomada por comunistas – universidade, imprensa, políticos – e eu sou conservador.

Os meus maiores planos é fisgar um marlim azul de 637 quilos e 5 metros em Guarapari, Espírito Santo; convencer Olivar Cunha a pintar uma cafuza cor de jambo, de olhos verdes e cabelos ruivos como cascatas de fogo descendo-lhe até as ancas africanas, tomando tacacá, para a capa do meu romance JAMBU, e também pintar Santa Rica de Cássia abençoando Roberto Carlos, nos anos 1960.

Há coisas que não planejamos, simplesmente acontecem. Se eu encontrar o José Aparecido conversaremos sobre tudo e ficarei bêbedo. Continuarei amando a mulher amada, as estrelas, as rosas que o poeta ofertou para a madrugada e as madrugadas. E ouvirei Mozart, Frank Sinatra, Pérez Prado e o som da Terra no espaço. Espero, também, escrever um poema. E sentir o perfume de jasmineiros chorando no ar azul do tempo, e rosas se abrindo.

Um sentimento que desconfio que somente as rosas sentem toma conta de mim. Tenho consciência de que sou frágil, mas forte como as rosas. Que são as rosas senão flores fragilíssimas, mas quem pode enfrentar a fortaleza das rosas? Ninguém, pois nada pode contra o amor, que é liberdade, luz, sintonia fina, o éter, o azul. As rosas foram feitas para amar, e eu também.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Arilda Costa McClive entrevista o romancista amapaense Ray Cunha para o Brazilian Times

Ray Cunha é um escritor brasileiro de Macapá/AP conhecido
por seus romances que desvendam a Amazônia e o Trópico

ARILDA COSTA MCCLIVE

21 DE DEZEMBRO DE 2025 Ray Cunha é um escritor brasileiro nascido em Macapá, Amapá, Amazônia, conhecido por suas obras que exploram a Hiléia e o Trópico como elementos centrais de sua literatura. Ele é autor de romances como A CASA AMARELA, JAMBU, A IDENTIDADE CARIOCA, O CLUBE DOS ONIPOTENTES, O OLHO DO TOURO; das coletâneas de contos TRÓPICO e AMAZÔNIA; e do livro de poemas DE TÃO AZUL SANGRA, todos disponíveis na amazon.com, amazon.com.br e Clube de Autores.

Ray Cunha também é jornalista e terapeuta em Medicina Tradicional Chinesa, e suas obras refletem sua conexão com a cultura e a natureza da Amazônia. Ele é um dos escritores que buscam resgatar a identidade cultural da região e explorar temas como a chamada “Questão Amazônica”.

Ray Cunha é um exemplo de escritor que investiga a cultura e a história do Brasil, especialmente da Amazônia, em busca da identidade do povo brasileiro. 

Quais são as principais influências literárias que moldaram sua escrita e como elas se refletem em suas obras? 

Ernest Hemingway foi um dos que mais me ensinaram a escrever, utilizando o ritmo jornalístico na criação literária. Ruan Rulfo e Gabriel García Márquez me mostraram como misturar os planos material e espiritual. Rubem Fonseca me orientou quanto a misturar pessoas reais a personagens de ficção, e a descrever cenas de violência, como um cirurgião descreve os tecidos, à medida que os vai seccionando. Joseph Conrad me deu uma aula de como ouvir gemidos de angústia da alma em Coração das Trevas. Benedicto Monteiro despertou em mim o olfato, de modo que comecei a sentir o cheiro da Amazônia. A Amazônia cheira a água. Franz Kafka ensinou todos nós a ver o que realmente um homem é; às vezes, um inseto. E também mostrou o absurdo da vida. Márcio Souza me ensinou que a ficção está na própria Amazônia e na História, em Mad Maria. O cinema, também, tem sido um mestre para mim. Escrevo sequências inteiras como se aquilo se passasse em um filme. Contudo, todos os livros que lemos, tudo o que fazemos, é matéria-prima para a criação literária. 

Em seus livros a Amazônia é um cenário vivo e pulsante. Como você vê a relação entre o ser humano e a natureza na sua obra? 

É condição sine qua non que o homem se integre ao meio-ambiente, seja em uma megalópoles, seja na Hileia. Na Amazônia, o caboclo, o índio, o ribeirinho, o citadino, está inteiramente integrado à selva. Conhece os caminhos a trilhar, o que comer e os remédios, e o que evitar. Porém, os perigos são imensos: a selva é o coração das trevas e o gringo, um traficante em potencial, que trafica também crianças para abastecer os puteiros das brenhas. Então, o homem depende da selva, de modo que procurará se aliar a ela, a compreender sua mecânica. E isso é a mesma coisa que acontece às pessoas que vivem em cidades com dezenas de milhões de habitantes. Se não compreendê-las, é engolido por elas. 

Como você descreve o seu processo criativo? É um processo solitário ou você se inspira em interações com outras pessoas e lugares? 

Como dizia Hemingway: o escritor é como um pugilista no ringue. No tablado, o boxeador só depende dele mesmo. Nem seu treinador poderá ajudá-lo. É ele e sua solidão. Mas aí é que está: por causa da solidão ele encontrará uma saída, mesmo que seja a derrota. Assim é o escritor. Ninguém pode ajudá-lo quando ele se senta para escrever, ou fica em pé, mesmo, como era o caso de Hemingway. Quanto à inspiração, considero-a mais um entusiasmo momentâneo, um começo, o primeiro passo de um livro, de um capítulo, de um poema, um passo que desemboca no caminho. Para resumir, quero dizer que meu processo criativo é sentir-me perturbado por alguma coisa e começar a inventar uma história a partir dessa perturbação. 

Sua obra é profundamente enraizada na cultura brasileira. Como você acredita que a literatura pode contribuir para a compreensão e valorização da identidade nacional? 

Boa pergunta! Certa vez, em palestra na Academia de Letras do Amapá (AAL), da qual sou sócio correspondente em Brasíllia/DF, disse que o maior objetivo da instituição era armazenar, proteger e difundir, por meio da literatura, a cultura local, pois a cultura é a identidade. Assim deve ser com a Academia Brasileira de Letras (ABL), que vem sendo vilipendiada nessa missão, aparelhada que está por canhoteiros da Ditadura da Toga. Quanto à identidade de uma nação, é um sentimento pátrio que se localiza no nosso tutano. No meu romance A IDENTIDADE CARIOCA utilizo, como argumento, a revelação do mistério que envolve a maior lenda urbana do Rio de Janeiro, o Tesouro dos Jesuítas do Morro do Castelo. Destrinçado o mistério surge a identidade. 

Quais são os maiores desafios que você enfrenta como escritor e como você os supera? 

Creio que o maior desafio que um escritor pode enfrentar é a falta de memória. Também doenças e fome pode liquidá-lo. Não sofro de nenhum desses problemas. Como sou formado em Medicina Tradicional Chinesa, sigo uma disciplina taoista. Por exemplo: como duas castanhas-do-pará todos os dias, após o café. São ricas em selênio, que tonifica os neurônios e, por conseguinte, lubrifica as sinapses. Como só o essencial e já me considero livre da fome. Já passei fome, mas isso é passado. 

Como você reage às críticas e comentários sobre sua obra? Eles influenciam sua escrita ou você segue seu próprio caminho? 

Se o comentário parte de uma pessoa iluminada, levo-o em consideração, do contrário entra por um ouvido e sai pelo outro. Quando me perguntam qual é a minha religião, respondo que é Ray Cunha. Eu mesmo oficio a missa, como a hóstia e bebo o vinho. 

Quais são os seus próximos projetos literários e o que podemos esperar deles? 

Estou sempre escrevendo e procuro manter-me em disciplina espartana, por uma razão: acho que escrever é preciso, viver não é preciso. 

Qual conselho você daria aos mais jovens para convencê-los que a leitura é fundamental para o desenvolvimento pessoal e cultural?

Nenhum. Se eu desse um conselho diria para lerem. Mas isso, se não for estimulado pelos pais, de nada adiantará. Quando minha esposa, Josiane, estava grávida da minha filha, Iasmim, já líamos contos infantis clássicos para a princesinha. Ingleses e americanos fazem com que seus filhos leiam os clássicos na infância e adolescência, pois a identidade está aí. 

Como você se conecta com seus leitores e o que você espera deles em termos de interação e feedback? 

Não espero nada dos meus leitores. Nem de ninguém. Apenas faço o que sei fazer. Antes da internet, quando algum jornal publicava algo meu, ou liam no rádio um poema meu, em vibrava de alegria. Hoje, com a internet, a Amazon, o Clube de Autores, minha vida é uma verdadeira atmosfera de eletros. Algumas pessoas leem o que eu escrevo e adoram, emocionam-se, aprendem alguma coisa, e isso é tudo. 

Como você gostaria que sua obra fosse lembrada e qual é o legado que você espera deixar para a literatura brasileira? 

A vida na matéria é uma ilusão, porque a matéria é impermanente. A vida de verdade acontece do plano astral para cima. Na verdade, quando alguém diz que quer ser lembrado por determinada obra de arte está dizendo que gosta daquela obra. Gosto de muitas coisas que criei, porque tocam mais os nervos da minha alma, contudo as obras de arte, os livros, se são verdadeiros, têm vida própria, e duram mais do que seus criadores. Gosto de pensar que alguém matou uma charada lendo um livro meu, ou que ajudei alguém a exorcizar um demônio que o torturava, ou que uma mulher muito linda sonhou com rosas vermelhas colombianas ao ler uma poesia minha.