Comecei a ouvir falar em Bonfim Salgado por volta de 1967. Tinha 13 anos e Bonfim já era um jovem intelectual de Macapá. No ano seguinte, quando comecei a frequentar a casa do poeta Isnard Brandão Lima Filho, na Rua Mário Cruz, ouvi com mais frequência o nome do Bonfim e, às vezes, o via passar. Anos depois, o conheci no Rio de Janeiro. Depois disso, trocamos e-mails aqui e ali. Em 18 de fevereiro de 1998, Bonfim Salgado publicou na capa do caderno Nota 10, do jornal Diário do Amapá, o artigo Ninguém é profeta em sua terra. Segue-se o artigo.
Ninguém é profeta em sua terra
BONFIM SALGADO
bonfa.wordpress.com
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Editor de Cultura do Diário do Amapá
Macapá, 18 de fevereiro de 1998 – O rapaz, a princípio, parece tímido. Ele não é alto, nem espadaúdo, como essa rapaziada frequentadora das praias e das academias de malhação da vida. O fato é que, outro dia, ele andava pelas ruas de Macapá, envergando aquela imagem comum aos nossos poetas e escritores: um calhamaço de papéis debaixo do braço, uma caneta Bic no bolso e uma porção de ideias na cabeça. Assim como aconteceu com Isnard Lima, nunca lhe deram o valor devido – e merecido.
Hoje, na capital do Pará (Belém), jornais e revistas publicam obras suas. Ele continua escrevendo e, vez por outra, referindo-se sobre o Amapá. As saudades, no entanto, não o impedem de fixar-se, cada vez mais, às raízes da Amazônia, à seiva bruta, generosa e forte que faz dos nossos caboclos autênticos gigantes da vida.
Ray Cunha, no conto Nunca receba restos, publicado no final do ano passado no jornal A Província do Pará, ensaia seus personagens e indica os caminhos do que poderá ser, em futuro próximo – se é que ainda sei prever essas coisas -, o arcabouço do seu primeiro grande romance.
Graça e a “Gorda”, no conto retrocitado, compõem a galeria daquelas figurinhas noturnas que empestam a atmosfera peculiar do cais e feira livre do Ver-O-Peso, em Belém, cidade de cheiros, dengos e mistérios.
Aliás, apesar do pseudônimo de Reinaldo Castro, personagem principal do conto, é quase palpável um autodidatismo e uma identidade de Ray Cunha no desenrolar da narrativa.
“- Rainaldo Castro! – a gorda cacarejou, abaixando-se e beijando-me. A outra serpenteou e pousou no meu ombro a mão enegrecida pelo sol de alguma praia.
“- Olá, como vai? Como vai a faculdade?
“Bebi um bom gole. A negra dizia que a cerveja estava devidamente gelada, resignava-me e bebia com gosto mesmo assim, posto que era Antarctica.
“- A universidade? Tenho usado muita creolina...
“A crioula ficou atenta por causa do tom com que disse isso. A gorda pedira uma posta de peixe, não sem antes comer um naco do meu peixe.
“- E o Bebê? – Graça perguntou.
“Antes de casarmos, ela trepava com ele.
“- Casou-se – respondi.
“- Casou-se?! – as duas espantaram-se.
“A gorda, com um segundo naco do meu peixe.
“- Hoje é dia internacional... – disse, mudando o rumo da conversa. Estava bem-humorado.
“- De quê? – a gorda perguntou.
“- Das galinhas... – a crioula pegara alguma coisa e estava atenta – e das cadelas também.
Ray Cunha promete.”
O conto Nunca receba restos, do qual Bonfim Salgado publicou um trecho, foi publicado no livro A grande farra (27 contos, 153 páginas), que editei em 1992, em Brasília, com capa de Olivar Cunha.
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