domingo, 28 de novembro de 2010

O perfume das virgens ruivas

Naquela época eu trabalhava no jornal Diário do Pará e na revista Enfoque Amazônico, hoje, Amazon View. À noite, ia estava quase sempre ao café de um amigo meu, na Avenida Nazaré, próximo à Basílica, onde ele era barman e sócio. Conheci-o no Cosa Nostra, um dos melhores cafés de Belém. Na primeira vez que estive no Cosa Nostra fui atendido por esse barman e pedi um daiquiri, descrevendo-o do modo como Ernest Hemingway gostava de bebê-lo. Ele preparou a bebida tal qual pedi e, naturalmente, entabulamos conversa. Essa conversa se alongou até 1987, quando eu resolvi morar de novo no Rio de Janeiro, onde vivi de 1972 a 1974. Acabei ficando em Brasília, trabalhando com meu grande mestre no jornalismo, Walmir Botelho.

Passei a frequentar o Cosa Nostra. Inclusive estive lá com o Fernando Canto. Acabei entrevistando meu amigo barman para o Enfoque Amazônico. Lembro-me que o título principal da matéria foi “Tim-tim”. Um dia, ele foi convidado a fundar um novo café, em sociedade com mais uma ou duas pessoas, não me lembro bem, e se mudou para a Avenida Nazaré.

O café vivia cheio. Suas portas eram de vidro fumê e o salão refrigerado. A fauna que transitava ali era variada. Jornalistas, homens de negócios, artistas, contrabandistas, vigaristas, prostitutas, todos bem à vontade, conversavam, telefonavam, bebiam, riam, atentos uns aos outros, disfarçando a verdadeira missão de cada qual no enfumaçado ambiente.

Eu não pagava nada no café e não raro saía dali ziguezagueando, completamente bêbedo. Naquela noite, resolvi me embebedar com dry martini. Meu amigo reservou uma garrafa de gin inglês e outra de vermute italiano para meus drinks. Eu havia chegado cedo e no início da madrugada começara a escorregar para aquele mundo vertiginoso dos bêbedos quando ela entrou.

Era uma das mulheres mais sensuais que já vi. Entrou e se dirigiu diretamente para mim, como se tivéssemos marcado um encontro. Veio e se aboletou no tamborete ao meu lado, sorriu para mim e entabulou conversar. Como quase não havia movimento, meu amigo barman veio se juntar a nós. Eu já havia parado de beber, mas depois que ela chegou voltei a beber dry martini. Ela parecia fresca, mas estava chumbada também, e entornava um dray martini atrás do outro.

Não sei sobre o que conversamos, só me lembro de que entramos num táxi e fomos para um dos melhores moteis da cidade. Quando chegamos, ela estava tão bêbeda que tirou toda sua roupa e se deitou de bruços na enorme cama. Eu fiquei parado, no meio do quarto, vendo-a se despir e se deitar. Ela era demais linda! Peguei uma cadeira, pu-la no meio do quarto, me sentei e fiquei um tempão observando a garota. Lembrava uma modelo renascentista, dourada pelo sol da Amazônia. Suas ancas pareciam ter sido cinzeladas. Penso que ela não teria mais que 17 anos.

Fiquei ali, sentado, lambendo com os olhos o corpo maravilhoso da jovem adormecida. Ela sonhava. Certamente sonhava com rosas colombianas, vermelhas.

No dia seguinte, um domingo, eu teria que chegar o mais tardar às 7 horas no jornal, pois era julho, auge do verão amazônico, e fora pautado para fazer uma matéria em Salinas, na costa paraense. Assim, acordei antes das 6 horas e despertei minha bela adormecida. Incrível como ela me olhou fresca e sorridente, me beijou, foi ao banheiro, se vestiu, com a desenvoltura de uma esposa já bastante familiarizada com o marido, e saímos. Deixei-a na casa dela, no subúrbio, e fui para o jornal.

Naquela manhã, fiz o desjejum em Salinas, meia dúzia de ostras cruas, com sal e limão, e Antarctica enevoada. Salinas é uma das mais belas praias do planeta, escancarada para o Atlântico. O que a torna especial é que lá podemos comer os mais saborosos peixes do mundo, tomar tacacá e ouvir o sotaque das belenenses que fervilham nas praias quilométricas.

Eu era setorista no palácio do governo. Dias depois, estava lá, no batente, quando recebi um telefonema. Era ela. Ligara para o jornal, obtivera o número do telefone da sala de imprensa do palácio e ligou para mim. Sua voz era límpida, voz de mulher linda. Ela me disse que iria à sua cidade natal, no interior do estado - não me lembro mais qual era a cidade –, e que precisaria de uma certa quantia. A soma era pelo menos quatro vezes o que eu ganhava por mês nos dois trabalhos. Ela pronunciou o valor como se fosse uma ninharia. E de certa forma era isso mesmo, se falarmos em termos relativos. Respondi a única coisa que me ocorreu, que era a verdade: eu não tinha sequer um centavo. Ela riu e disse que na volta telefonaria para mim novamente.

Ela não voltou a telefonar para mim e nem a vi mais. Muito tempo depois compreendi que sua missão fora a de ajustar minhas antenas, para que eu descobrisse a poesia, única, que é cada mulher. E sei que não foi um sonho, porque seu perfume perdura para sempre na minha memória, como o perfume das virgens ruivas.


Brasília, 11 de novembro de 2009

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