Já estava ali quando o casal chegou. Havia poucas pessoas na cafeteria, no terceiro piso do Pátio Brasil. Eu acabara de comer torta de amêndoas acompanhada de café com leite, e voltara a ler um papo entre Guimarães Rosa e Günter W. Lorenz, travado em Gênova, em 1965, e publicado na Arte em Revista, do Centro de Estudos de Arte Contemporânea de São Paulo, em maio de 1979. É, garanto, um diálogo que todo candidato lusófono a escritor deveria ler. Bem, estava lendo a entrevista quando me choquei com o olhar da moça.
Seus olhos eram como dois poderosos ímãs azuis, entrecerrados por longas pestanas. Tinha a pele rosada e seus cabelos brilhavam como cobre. Os lábios estavam pintados discretamente, mas eram grandes, grossos, quase indecentes. Ela estava me olhando. Senti-me incomodado. Virei-me, para ver se a moça olhava para alguém atrás de mim. Nada.
O rapaz comia, concentrado na comida, e ele pedira muita coisa. A moça olhou rapidamente para ele e lançou novamente o agudo olhar na minha direção. Eu não compreendi. Estou, já, descendo o morro da vida, e sou, definitivamente, feio, nem me trajo com elegância, muito menos sou famoso. Novamente olhei em meu redor. Depois, procurei ver se havia alguma coisa errada comigo, alguma mancha na camisa, um rasgão na calça, sei lá, alguma coisa.
Não havia nada errado. A única coisa errada era aquela jovem, de beleza impossível, ali, a três metros de mim, me olhando fascinada. Eu deveria lhe parecer uma personagem de ficção, ou ela se apaixonara por um velhote e estava se lembrando dele, através de mim, sim, porque seu olhar era tão intenso que me atravessava e ia além de mim.
Senti-me hipnotizado e não podia sequer me mexer na cadeira. Deixara-me prisioneiro daquele olhar. O casal não trocou nenhuma palavra e não sei quanto tempo durou aquilo. Quando dei pela coisa o rapaz havia terminado seu espantoso prato, pagara a despesa e se levantaram. Que mulher! Antes de sumirem, rumo à escada, ela se voltou e me olhou uns três a quatro segundos.
Era quase sete horas da noite quando deixei o shopping. Ainda estava bastante claro. Atravessei o Setor Comercial Sul. Gosto de andar por ali. Depois mergulhei na Galeria dos Estados e saí no Setor Bancário Sul. Atravessei-o todo, também. Gosto de caminhar. Cruzei a Avenida L2 Sul e entrei por detrás da Nunciatura, saindo defronte à Embaixada de Portugal. O Café Camões já havia começado.
Brasília, 18 de novembro de 2008
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