Há momentos de tanta intensidade em nossa vida que se transformam para sempre em poesia. Ocorre, por exemplo, quando estamos apaixonados. Os hormônios jorram no corpo todo e as células chegam ao pico do seu metabolismo, transpiramos perfume e voamos. Criar são asas em movimento. Lembro-me de quando era adolescente e mergulhava noite adentro escrevendo poemas, crônicas, contos, ou lendo, bêbedo de felicidade. Ainda hoje, cercado pelos compromissos da sobrevivência da família, embebedo-me de poesia.
A primeira vez que essa dama azul chegou ao pico, em mim, foi em dezembro de 1971, na noite de lançamento de Xarda Misturada, um livrinho de poemas que revelou o talento de Joy Edson (José Edson dos Santos) e teve a participação do querido amigo José Montoril e minha. Naquela noite, na sede da Associação Comercial de Macapá, eu era um fio elétrico ligado e desencapado, e ela, a mulher por quem eu me apaixonara, estava lá, linda como sempre, esguia igual bailarina. Fora minha professora de biologia e tudo o que me ensinou, no seu sincero empenho pedagógico, foi desejá-la.
No dia em que me declarei eu era um garoto e ela, minha professora. Olhou-me séria e me informou que estava prestes a se casar. De certa forma era aquilo que eu esperava, um fora, pois se ela tivesse me aceitado não teria sabido o que fazer. Ela era linda demais e eu, apenas um menino. A juventude, como todos sabem, é imortal, e eu superei logo meu drama amoroso.
Sinto, contudo, que minha professora de biologia sempre soube da sua importância na minha vida, tanto que levou a sério minha declaração de amor a ela. Sabia que tudo o que importava era isso, a seriedade, quase um lamento, com que me informou do seu noivado. Assim, a poesia daquele instante jamais se quebrou, e inundou minhas veias do líquido azul para sempre, de maneiras que a cada vez que observo um Boeing aterrissando a sensação de velha intimidade comigo mesmo, a intensidade vertiginosa do agora e o agora, o momento mesmo da vida, pulsa como um altar em chamas.
P.S.: Altar em chamas é o título de um livro do poeta João de Jesus Paes Loureiro
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