segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Altar em chamas

Há momentos de tanta intensidade em nossa vida que se transformam para sempre em poesia. Ocorre, por exemplo, quando estamos apaixonados. Os hormônios jorram no corpo todo e as células chegam ao pico do seu metabolismo, transpiramos perfume e voamos. Criar são asas em movimento. Lembro-me de quando era adolescente e mergulhava noite adentro escrevendo poemas, crônicas, contos, ou lendo, bêbedo de felicidade. Ainda hoje, cercado pelos compromissos da sobrevivência da família, embebedo-me de poesia.

A primeira vez que essa dama azul chegou ao pico, em mim, foi em dezembro de 1971, na noite de lançamento de Xarda Misturada, um livrinho de poemas que revelou o talento de Joy Edson (José Edson dos Santos) e teve a participação do querido amigo José Montoril e minha. Naquela noite, na sede da Associação Comercial de Macapá, eu era um fio elétrico ligado e desencapado, e ela, a mulher por quem eu me apaixonara, estava lá, linda como sempre, esguia igual bailarina. Fora minha professora de biologia e tudo o que me ensinou, no seu sincero empenho pedagógico, foi desejá-la.

No dia em que me declarei eu era um garoto e ela, minha professora. Olhou-me séria e me informou que estava prestes a se casar. De certa forma era aquilo que eu esperava, um fora, pois se ela tivesse me aceitado não teria sabido o que fazer. Ela era linda demais e eu, apenas um menino. A juventude, como todos sabem, é imortal, e eu superei logo meu drama amoroso.

Sinto, contudo, que minha professora de biologia sempre soube da sua importância na minha vida, tanto que levou a sério minha declaração de amor a ela. Sabia que tudo o que importava era isso, a seriedade, quase um lamento, com que me informou do seu noivado. Assim, a poesia daquele instante jamais se quebrou, e inundou minhas veias do líquido azul para sempre, de maneiras que a cada vez que observo um Boeing aterrissando a sensação de velha intimidade comigo mesmo, a intensidade vertiginosa do agora e o agora, o momento mesmo da vida, pulsa como um altar em chamas.


P.S.: Altar em chamas é o título de um livro do poeta João de Jesus Paes Loureiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário