Ela estava sozinha quando cheguei à parada de ônibus. Olhou-me. Seus olhos eram do tamanho da manhã e azuis como o céu daquele dia. Estava sozinha, mas não se sentia solitária, pois no seu jovem rosto havia alegria de toda uma festa. A parada de ônibus, na Avenida W3 da Asa Norte, tem uma absurda estante de livros à disposição dos transeuntes. Os livros estavam ali, expostos às intempéries, velhos e tristes. Só a moça iluminava a guarita ao sol da manhã. Uma senhora chegou e lhe perguntou alguma coisa, e a jovem sorriu, inundando a manhã com o frescor da sua estonteante beleza.
Nossos olhos são portas do prazer, pensei. Com eles, crio, leio e percorro os intermináveis caminhos da mulher amada, perco-me nos óleos dos meus pintores prediletos, mergulho nos filmes dos meus cineastas preferidos, entrego-me a observar a perfeição da flor e renasço diante da jovem na parada de ônibus. Ela se veste como todas as jovens do mundo, tornando-se ainda mais linda. Do meu posto, observava-a.
Meu posto ficava a meia dúzia de metros dela, permitindo-me percorrer com o olhar, impunemente e sem pressa, a jovem mulher. Já disse que seus olhos eram como o oceano, e sua pele tinha a contextura das pétalas ao orvalho e ao sol, e sua boca lembrava uma rosa vermelha, colombiana, esmigalhada.
De repente ela se levantou. Era ainda mais bonita em pé. Lançou a mão à frente, como bailarina, num gesto natural de tão repetido. O ônibus parou e ela entrou nele, com passos graciosos, e se foi. Creio que sua missão é a de embelezar as manhãs; creio mesmo que seja uma fada. Sentado, agora, no meu ônibus, entendi, finalmente. A mulher que acabara de ver era a própria manhã.
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