A Amazônia brasileira é tema recorrente no portal Brasil CPLP (bloco da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), do qual sou editor, por duas razões: sua conservação é vital para o planeta, e a língua predominante na região é a lusitana, na sua variante mais rica - o idioma português oxigenado pelo tupi e línguas africanas, culminando na ficção, poesia e ensaística de escritores do porte de Dalcídio Jurandir, Benedicto Monteiro, Márcio Souza, João de Jesus Paes Loureiro e Lúcio Flávio Pinto.
A Hileia é comida pelas bordas - e agora pelo meio também - pelos seus eternos colonizadores, o mais antigo deles o português, que, do século 16 à primeira metade do século 20, escravizou e matou mais de 2 milhões de índios, e levou para Portugal uma quantidade incrível das madeiras mais nobres do mundo e minerais, contribuindo para o fausto europeu, principalmente da Inglaterra, deixando a miséria amazônica.
A propósito, dos cerca de 20 milhões de africanos traficados para o Brasil pelos portugueses, pelo menos 8 milhões não suportaram o sofrimento e morreram – houve casos em que os jogaram vivos no mar, tão cheio estava o porão do navio negreiro -, “num dos maiores genocídios da história da humanidade” – afirma Laurentino Gomes no seu impressionante 1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil (Planeta, 2007, 368 páginas), livro que estou lendo e sobre o qual escreverei artigo.
Os portugueses deixaram na Amazônia sua arquitetura, que é italiana, mas deixaram também uma elite patrimonialista, nepotista, retrógrada, populista e incompetente, que até hoje contamina não somente o Trópico Úmido, mas a máquina federal. Um exemplo acabado dessa elite foi o governo passado do Pará, chamado Ana Júlia Carepa, do Partido dos Trabalhadores.
São Paulo, de longe o mais rico estado do país, é o maior consumidor interno de madeira ilegal da Amazônia (o governo federal faz vista grossa, como um paquiderme olhando um formigueiro em pleno trabalho). Dos anos setenta até este século desmatou-se 10 mil quilômetros por ano da Amazônia. Os governos brasileiros estiveram sempre de costas para a região – e não levaram sequer uma flechada.
A Amazônia é um celeiro de peixes, minerais e essências. A produção de energia hidroelétrica na região foi criada em prol da exportação de commodities minerais, vendidas a preço de banana, e as essências fazem a alegria das indústrias europeias e americanas. O Brasil é, há um século, o maior produtor de café do mundo, mas os maiores parques industriais ficam na Alemanha e na Itália, que não plantam sequer um pé de café.
Hoje, o grande cupim da Amazônia é o governo federal, com apoio dos governadores locais. O caso mais emblemático é a usina de Tucuruí, que produz energia elétrica para o Japão (que importa bauxita já em lingotes de alumina beneficiados com energia de Tucuruí) e para o resto do Brasil. No estado do Pará, onde fica Tucuruí, nem metade dos seus 144 municípios conta com energia elétrica firme. A miséria que se vê no paradisíaco arquipélago do Marajó é consequência da falta de linhão de Tucuruí.
Então, o que fazer para que o amazônida se beneficie do propalado desenvolvimento sustentável? Simples: a implementação de parques industriais biotecnológicos em todos os estados da Amazônia; a implementação de universidades que ofereçam cursos afins com o Trópico Úmido; investimento maciço e nunca descontinuado em educação, principalmente a educação básica, e pesquisa; a criação de uma polícia florestal da Amazônia, mas que faça justiça a esse nome, e não o jogo de cena que é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); orientação técnica e linha de crédito para os produtores familiares; e criação de um sistema de inteligência que não dê trégua a mandantes de assassinatos, escravocratas, traficantes, cáftens, grileiros, agropecuaristas que ignoram a lei, bandidos de colarinho branco, e toda sorte da escória que conspurca o chão da Amazônia. (Sobre este último item é pedir demais!)
Por que não se constroem indústrias siderúrgica, naval e aeroespacial na Amazônia? Por que não se erguem indústrias de alimentos e medicamentos? Por que as cidades da Amazônia não contam com saneamento básico? Por que não se constroem hidrovias numa região geograficamente preparada para o transporte fluvial e marítimo? Por que não se substitui o modal rodoviário pelo ferroviário? As perguntas são muitas, mas Lula passou os oito últimos anos empenhado em obras como a transposição do rio São Francisco, e em promessas de ampliar os aeroportos, que a Infraero transformou em shoppings. Por que?
Mas há também um fator determinante para que a Hileia seja devastada: o olhar complacente dos amazônidas. Vou lembrar, rapidamente, um episódio emblemático, que ajuda a entender essa tragédia. Em janeiro de 2007, numa cidade no quintal de Belém do Pará, Abaetetuba, uma menina foi atirada numa cela, durante um mês, no meio de dezenas de bandidos de todas as espécies. Dia após dia, foi estuprada e torturada, inclusive queimada com cigarro. Todos sabiam disso e ouviam os berros da criança: os delegados que a prenderam, incluindo uma delegada; uma juíza de direito; pessoas ligadas ao Judiciário; e toda a cidade, pois a cadeia ficava praticamente na rua, de onde os berros da menina eram ouvidos pela população.
Na época, o delegado geral era Raimundo Benassuly. Foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal. Ao depor, Benassuly alegou que a garotinha foi servida aos presos porque era débil mental. A delegada Liane Paulino, um dos algozes, declarou que a menina provocava os presos e se oferecia a eles. A governadora à época, Ana Júlia Carepa, deu a entender, por sua vez, que casos como esses são comuns no Pará, mas afastou Benassuly do posto de delegado geral. Na véspera do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2009, ela chamou de volta o mentecapto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário