Ranário integra meu livro O casulo exposto (LGE Editora, Brasília, 153 páginas, R$ 28), que enfeixa 17 histórias curtas ambientadas no submundo, inclusive político, de Brasília. Prefaciado pelo escritor Maurício Melo Júnior, apresentador do programa Leituras, da TV Senado, a capa é assinada pelo artista plástico André Cerino.
O casulo exposto pode ser encontrado nas redes de livrarias: Saraiva, Cultura e Leitura, ou na loja virtual da LGE Editora.
Pedidos para o editor
LGE Editora: http://www.lgeeditora.com.br/Editor: Antonio Carlos Navarro
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Acordou com um tapa no rosto desferido pelo sol de primavera. Sentia-se moído, sobretudo na memória. Girou o olhar num raio de 360 graus e viu que se encontrava no cerrado, sob magnífico Ipê carregado de flores amarelas. Olhou para si; estava todo escalavrado, como se houvesse fugido do diabo. Só então notou que trajava um vestido, úmido. Não conseguiu recordar a situação que o levara àquele estado, por mais que se esforçasse. Sentiu enjôo, e o peso de uma brutal ressaca desabou sobre o homem de vestido. Olhou para o céu e calculou que a manhã já ia avançada. Ouviu som de carros não muito distante. Caminhou em direção ao som. Subiu um barranco e deu de cara com uma rodovia. Foi para a beira da estrada e começou a fazer sinal para os motoristas. Alguém deve ter avisado à polícia. Pegaram-no quarenta minutos depois. Estava esgotado. Informou, na polícia, que trabalhava na Câmara dos Deputados, deu seu endereço e disse que era primo de um investigador da Décima-Segunda Delegacia de Polícia de Brasília, Distrito Federal, na cidade-satélite de Taguatinga. Tudo ok, mas não se lembrava como diabo acordara no cerrado vestido de mulher. Seu primo foi buscá-lo em Luziânia, cidade do estado de Goiás, distante 60 quilômetros de Brasília, e o levou para casa. Tomou banho e deitou-se. Dormiu imediatamente.
Comia pastel com caldo de cana na Pastelaria Viçosa, na Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília, quando recebeu o telefonema de Mariano.
- A festa vai ser do arromba - disse-lhe Mariano. Quando Mariano dizia que uma festa seria do arromba é porque seria do arromba mesmo. - Cara, vou te dar o endereço, você não pode perder essa. Anota aí: Setor Sudoeste...
A festa era do arromba, mesmo. Edinaldo bebeu sozinho uma garrafa de whisky. Já estava meio cego quando surgiu a vamp, de parar o trânsito. Saiu da festa com ela.
Subia por uma escarpa enlameada e resvalava quando ia alcançar a borda. Uma nesga de sol começou a tirá-lo do torpor que tolhia seu esforço para alcançar a borda da escarpa. A nesga do sol da tarde invadia a parte da janela sem a proteção da cortina de alumínio, na outra extremidade do quarto, um quarto enorme. Edinaldo abriu os olhos, querendo se libertar do torpor, e viu o grande espelho na parede oposta. Ergueu-se um pouco, atraído pelo espelho. Viu alguma coisa grande e verde ao seu lado e sentiu algo frio se encostar no seu braço. Uma rã descomunal espreguiçava-se na cama. Saltou em direção à porta do quarto. No vôo, pegou, indistintamente, algo sobre uma cadeira antes de abrir a porta do quarto e sair num corredor comprido.
- Ele está escapando! Não deixem ele escapar! – ouviu, como um gemido alto, um canto lamentoso, um coaxar.
Estava quase alcançando a porta que supunha ser a principal da casa quando uma rã gigantesca como a da cama, preta e encarquilhada, saltou sobre a porta.
- Por mim ele não passa! - disse o monstro.
Edinaldo freou, olhou para trás e viu três rãs avançando sobre ele, correndo somente com as pernas traseiras. Foi então que percebeu a porta entreaberta de uma varanda. Voou para lá e viu-se numa chácara. Atravessou um bosque e um riacho e se embrenhou no cerrado. O sol se punha.
Acordou. Telefonou para seu primo policial e contou o sonho. No dia seguinte, foram procurar a chácara, e a encontraram. Já era o começo da noite. Bateram na porta do casarão e aguardaram. A porta foi aberta e no vão surgiu uma velhinha escura e encarquilhada.
- Que é que vocês querem? – perguntou.
- A senhora não se lembra de mim? – disse Edinaldo.
- Não!
Nesse momento, saíram três belas jovens.
- Este vestido não é de uma das suas filhas? – Edinaldo perguntou, estendendo o sujo e rasgado vestido com que acordara naquela manhã.
- Nunca vi esse vestido, moço. Afinal, quem são vocês? – a velhinha perguntou.
- Sou policial e estou investigando um crime que se passou aqui por perto – disse o investigador. – Desculpe-nos o incômodo. - Olhou para Edinaldo e balançou a cabeça negativamente, desgostoso, e se virou para ir embora. Edinaldo o seguiu. No caminho de volta ao carro, olhou para trás. A velhinha já havia fechado a porta. Ouviu, então, um longo coaxo.
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