Óleo sobre tela, de
Olivar Cunha - 1981
Em agosto de 1994, lancei, em Brasília, o jornal mensal Intelligentsia, que durou até fevereiro do ano seguinte – 7 edições, portanto. Era um tabloide de 16 páginas, parcialmente em cores, diagramado e ilustrado pelo artista gráfico, chargista e pintor André Cerino, e com fotografia de um dos maiores fotógrafos de Brasília, o repórter e ensaísta Ivaldo Cavalcante. O primeiro número causou polêmica nos meios em que o jornal, com 3 mil exemplares, circulou, devido a uma coletânea de poemas eróticos, meus, De tão azul sangra, ilustrada por André Cerino, que carregou no grafite. O trabalho foi um escândalo.
O contista, compositor, ensaísta e jornalista Fernando Canto fez a apresentação da coletânea. Fernando Canto é talvez o intelectual que melhor conheça meu trabalho, tanto por o ler quanto pela convivência que tivemos numa fase fervilhante de nossas vidas. Sugiro que o Fernando Canto e o Manoel Cordeiro coloquem música no poema Bethania, para a Juliele Marques gravar.
Seguem-se os textos publicados no Intelligentsia, sem tirar nem pôr.
Versos profanos
FERNANDO CANTO
Nem fesceninos ao estilo bocageano, nem pornográfico à moda Boris Vian. Contudo, profanos são os novos versos do poeta Ray Cunha. Não no sentido antirreligioso – assim a poesia teria prosélitos fanáticos -, mas no sentido da irreverência, da violação, da transgressão do texto, em cuja tessitura surge o inopinado, que fragmenta, com certeza, a reação dos ouvidos suscetíveis.
Estes poemas, De tão azul sangra, evocam, invocam, enfocam a mulher, aliás, o sexo feminino; a afirmação do adolescente, o orgulho do adulto, ou, talvez, o fruto da observância do mundo mundano – experiência edipiana a penetrar em barreiras antes inacessíveis. Poemas que denotam a sensualidade e detonam-se em palavras lúbricas. Sutis, ás vezes, como em Bethania. Impolidas, como em Olhar para a mulher amadas – um rasgo narcisista, um produto da consciência machista e desembocadura para o gozo psicológico do autor.
A apologia de Ray Cunha à mulher é feita, então, sem disfarces. Despojada da roupa ela se torna provedora de sentidos, manancial e matéria-prima ao fabricante de versos. Está ali nua, nuinha na sua forma ímpar de ser apenas mulher, vênus perscrutada pela oportuna fresta que faz a felicidade de um voyeur; deusa mítica em seu mistério, desvendada pelo arguto e fulminante olhar e pelo sensível olfato do poeta.
Bem poderia chamar-se Essa Copacabana triste mulher o conjunto desta obra. O melhor poema da coletânea traz o melhor do autor, embora o contraste do “triste” trace o “ideal” do jovem solitário, qualquer jovem solitário nas praias deste Brasil afora. Essa irreverência trata da socialização do sexo no entendimento paradoxal de que todos possam ser burgueses em bacanais tropicais regadas a coquetéis afrodisíacos, num tempo hedonista que ficou há muito nos salões dos palacetes romanos. É forma compacta de abarcar o mundo. É válido. É poesia. Nela está o sol, o azul do mar no verão. Pois aí o azul que sangra não é o azul do céu. É o azul açoitado pela relação geográfica e íntima entre o sol e o mar. É o azul afetado pela natureza do gasoso (as nuvens) no espelho sangrado do mar. Mar que sangra, que se esvai, que beija a praia de Copacabana e salga o corpo nu da mulher desejada, da mulher que brilha com a clivagem dos grãos de areia e à noite vai para a cama gemer seu gozo e se sangrar de mar de Copacama. Enorme, a cama de Copacabana.
Nostálgico e terrível é romper o laço em Um cheiro de madrugada. Neste poema Ray Cunha instiga um sentido amargo sobre o que se convenciona chamar de amor. É um trabalho sincero, diria, onde o conteúdo está exposto para o leitor atento; onde nada mais se precisa dizer, pois que a lembrança adquire a possibilidade de entrega a outros caminhos, nos quais existem outros remédios para os males da paixão. É simples, realista.
Ray Cunha ironiza a relação poética entre a morte e a poesia. Morrer na mesa de um bar é produto do inconsciente etilizado. Ser salvo, porém, é dormir com a princesa e metáfora-tônica de um anti-valor, concessão do sono ao acordar de sopetão de um pesadelo borgeano: sensação esquisita, estapafúrdia. Morte e poesia andando juntas, porque o trágico pode ser frenético, fétido e cômico – dura realidade! – exatamente na hora irônica do enforcamento.
Poemas como Sessenta e nove I e II trazem sobretudo o rústico, o rude, o seco mal lixado. São versos extraídos de uma realidade obstinadamente crua, ausentes de recursos semânticos mais elaborados, e duros como a pretensa e voraz virilidade do poeta. Nem por isso ele peca.
Se transgredir é a virtude do recurso, doces são as circunscrições c olocadas em Ah! Se tu fosses minha e nos dois poemas sem títulos que se entrepõem a ele. Chegam á trazer à tona a ingenuidade do poeta, que verdadeiramente ama sua musa de Parnaso, líricos como uma aquarela a Belle-Époque.
Não se pode deixar de enfocar o trato poético-erótico-libidinosos dos classificados de Acompanhantes. O autor ousa de várias maneiras. E coopta o leitor a acompanha-lo em aventuras sexomaníacas de pleno envolvimento. Comunicação, mídia impressa, espurcícia? Não. Mistura de elementos cuidadosamente colocados sob a arquitetura da realidade atual, ossatura forte dos arrabaldes das megalópoles. Assim é a estrutura desse poema. Real. Firme e transparente. Enfoque de uma sociedade periférica desprezada pela tradicional e hipócrita sociedade burguesa. É retrato da nova cultura urbana, nascida, infelizmente, ainda da miséria, da perda de status, de poder aquisitivo e que se torna antepasto para qualquer Sade pós-moderno, certamente. Instigante, claro e azul, o poema indica água fervendo, páprica picante, poesia nova, e acima de tudo coragem de inovar pela forma e revolucionar pelo conteúdo da ideia.
Esta é a marca poética de Ray Cunha, que sob o céu nas nuvens, descobre que o azul sangra como a vagina menstruada de uma nereida de qualquer gangue dos subúrbios brasileiros.
Bethania
Quisera escrever um poema perfeito
Com versos alexandrinos
Ritmo de soneto.
Sublime.
Soneto livre.
Com poesia
Capaz de me eriçar os pelos
Toda vez que o lesse.
Seria meu templo
O poema
Que profano
Quisera escrever este soneto
No corpo
Da mulher que eu amo.
Esses teus olhos verdes, que fascinam,
Trazem, em certas manhãs, o azul do mar
e, às vezes, são felinos...
Os mares, teus lábios doces, belos
Nesses mares o mistério...
Os lábios, a vida
No corpo o perfume.
Ah! Se tu fosses minha
Ah! Se tu fosses minha!
Partiríamos para o sistema das fadas
Sentados no colo das flores
Tomaríamos néctares divinos.
Depois, cavalgando besouros furta-cores
Navegaríamos num mar transparente
Beijando-nos sem fim.
Sobre teus seios em pensamento
Sobre eles sei muitas coisas
eles são belos
silenciosos brancos e firmes
ao comê-los
dou-lhes beijos
indefinidos pasmo ao contemplar
a beleza dos teus seios
enormes, pontiagudos
templo onde escuto
belisco
o seio te erotizo terrivelmente
tu gozas gozo hermafrodita em ti
ao me sentir te comendo
não há nada mais bonito que teus seios enxutos
duros, erguidos
esperando meu carinho
Poema sem mistério
Vou acalantar-te nesta noite
Vou te dizer coisas carinhosas
E tu e eu seremos dois amantes lúcidos.
Mais tarde, quando eu te penetrar e sentirmos
O gosto do sexo, da carne, da vida
Suspirarei baixinho ao teu ouvido.
E quando o sexo, a carne, a vida terminarem
Haverá mais sexo, carne e vida para
comermos
Até irmos ao banheiro.
Olhar para a mulher amada
Em movimento imperceptível, como estrelas nascendo,
Pouso o olhar nas penugens do teu corpo.
Durante muito tempo meu olhar permanece imóvel,
E agora é navalha te lambendo.
Avião rasgando o azul do céu de agosto da Amazônia,
Que, de tão azul, sangra.
Ainda te agarrando com as tenazes do meu olhar
Começo a imaginar meu falo na tua boca,
Esguichando morno suco, que bebes avidamente.
Então a fera faminta e enjaulada fenece, arquejante, até ressuscitar,
Como erupção de desejos.
Mas isso é só no olhar, porque vou tirar-te a vida com minhas mãos
ensandecidas.
Por ora, o olhar desliza no dorso imobilizado, suplicante.
Tu pareces adormecida, mas estás atenta, à beira da explosão,
À espera da minha língua, das mãos que te pegam suavemente.
Tu suplicas ação, mas meu olhar te lambe pacientemente,
Até deixar tua pele penugenta úmida de saliva.
Meu olhar é como uma boca.
Meu olhar estaciona no teu olhar.
Teu olhar é sorridente e meigo, mulher amada.
Meus olhos sugam teus seios, avidamente, como bebê faminto.
Tentas pegar-me. Mas ainda não deixo.
Por enquanto ficarás presa apenas a meu olhar luxuriante.
Ordeno que te mexas, porque meu olhar é uma chicotada nas tuas ancas.
Enterras o rosto no colchão,
Examino tuas nádegas, assim, empinadas,
E penetro até onde vejo um rufo de pelos.
Lá, fica a porta que se abre para meu olhar latejante.
Sessenta e nove
É dança a rotundidade das ancas.
Rebelam-se os seios sob a camiseta.
Cão desesperado, farejo o cheiro de leite
No corpo branco e macio como azul.
A boceta secreta néctar, cálido e cheiroso,
Que, sedento, bebo.
Meu falo é um animal com fome,
Fera solta farejando a tua boca,
Onde porra cai em grandes gotas.
Sessenta e nove II
Olhos que comem a gente
Lábios indecentes
Boca umectante
Mamas de lactante
Barriga de quem tem fome
Púbis de adolescente
Levas meu pênis à boca,
Ávida por suco,
Enquanto, no cálice da vagina, bebo tua porra.
Essa Copacabana triste mulher
Tua boca é pura flor embelezando-se ao sol de Copacabana
E tua figura é um desenho gostoso esculpido ao sol de
Copacabana
E quando Copacabana inteira se prostituir
Os gemidos de amor serão a canção da moda em
Copacabana
Então a praia Copaserá uma enorme cama.
Um cheiro de madrugada
Impor-nos o abandono físico
Ingerir grandes quantidades de álcool
E fumar interminavelmente
É o pior que se faz
Quando uma mulher se ausenta
Definitivamente.
Mas ela tinha cheiro de madrugada
Um leve sabor de vinho
E qualquer coisa espanhosa...
Tharcilla
Lembrar-te é uma coisa deliciosa, mas incompleta.
Tudo o que faço é fumar muito
E na evolução azul da fumaça
Se fixam, fugazmente, cenas delirantes.
Há uma desordem que me desafia e me vence.
Morri na mesa de um bar.
Sensação estranha
Que sensação estranha
Na hora de ser enforcado
Ser salvo e dormir com a princesa
Acompanhantes
Adorável Paty, 18 anos, seios lindos, pernas grossas, bumbum arrebitado, cintura fina. Telefone 999-2938.
Adorável Michele, loira, 18 anos, olhos verdes, seios lindos, corpo de violão. Iniciante. 999-7423.
Keila. Desnecessário dizer-se adorável. 18 anos. Seios e bumbum empinados, rosto de princesa. 999-1158.
Aninha, 18 anos, lindinha da cabeça aos pés. Gatinha. 999-2938.
Tairine tem 18 anos, seios empinados, desafiantes, com enormes mamilos rosados, bumbum arrebitado e atende pelo telefone 999-2375.
Daniele, como toda garota de programa é também adorável. Tem 15 anos e é sempre iniciante. 999-2375.
Talita, loirinha, meiga, uma gracinha. Ligue para 999-7423.
Ariana. Loucura da cabeça aos pés. 999-1158.
Frênia é só gozo. Janine, 15 anos. Andressa, colegial. Letícia, bailarina. Viviane e Fabiana têm olhos verdes e só saem com senhores casados e de bom gosto.
Mara. Nas manhãs de verão, tem os olhos azuis; verdes nas tardes quentes. À noite, soltam estrelinhas como efeito de Strega.
Paloma é surpresa. 999-8151. Atende em hotel.
Ádria tem a cintura fina. Aline é liberal. Ana Paula, universitária. Andréa, mulata. Aninha atende em domicílio. Telefone 999-3176.
Camille não passou dos 14. É ninfeta nabocoviana. Kássia é balzaquiana, quente, completa. Completamente gostosa. 999-0005.
Paquita tem 9 anos, pesa 40 quilos e tem um metro e 60 de altura. Telefone: o do Paraíso.
Morgana dá amor total. Danielle é ninfetinha. Vanessa quer brincar e amar. Abigail já ganhou dois concursos de beleza e tem carro próprio. 999-0156.
Adriana é gaúcha e Alice, apertadinha. Aline e Analu fazem amor a três.
Ângela é gay. Beatriz é modelo. Bruna é ardente. Ciccio é um belo rapaz – um metro e oitenta, peludo e bem-dotado. Telefone 999-4051.
Cinara é ardente. Precisa concluir seus estudos. Ligue já: 999-9790. Cláudia é carioca.
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Jessica, gostosa e linda.
Juliana, inesquecível.
Maiza, fêmea, potranca.
Karla, meiga. Laura, americana. Lisandra, Miss. Malu, etérea. Vanessa, goiana. Mulata apertadinha.
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Milena, coelhinha da Playboy.
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Renata, mulata. Ricardo, negro. Simone, ruiva. Suzi, 999-7086. Telma... Tiago... Yara, só para poetas.
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