sexta-feira, 8 de julho de 2011

Poema sem título

Poeta, contista e ensaísta Fernando Canto na casa dele, em Macapá

Para Fernando Canto


Existem rumores na tarde
e os escuto
são como gemidos
e os ouço nitidamente
vindos não sei de onde
sentado diante da janela que dá para a rua
perco-me no vento
entre as ramas do arvoredo acima do chalé em frente...
degusto mais aguardente e caminho
os rumores, só eu os ouço
nas tardes quentes
e flutuo além das ramas do arvoredo em frente...
meus pelos se eriçam
e meu rosto assume a forma clássica
de uma tarde onde há rumores...


Escrevi este poema em 1978, em Belém. Foi uma época em que convivi intensamente com o escritor e compositor Fernando Canto. Ele se graduava em sociologia na Universidade Federal do Pará e eu trabalhava como repórter em O Liberal e morava na casa do pintor Olivar Cunha, no Guamá. Eu costumava escrever, ficção ou poesia, naquele momento em que a tarde se encontra com a noite. Lembro-me que este poema saiu numa tarde que agonizava, na cozinha da casa do Olivar. À noite, o Fernando Canto e eu saímos, sempre farejando bebida. Uma noite eu estava sedento e o Fernando me levou ao bar do tio dele, que nos serviu, por conta da casa, gim inglês com água tônica. O gim encharcou meus nervos expostos e me conduziu ao azul mais azul da via noturna. No dia seguinte, ao tomar banho, rescendia a gim.

O Fernando Canto tem a mesma idade que eu, suponho, assim como o poeta José Edson dos Santos, o Joy Edson, mas o Fernando sempre foi como meu irmão mais velho, mais maduro do que eu, de modo que ele funciona como um condutor seguro nas trilhas às vezes escorregadias das circunstâncias. Sei que na sua companhia estou protegido e que basta lhe enviar uma mensagem para me sentir seguro. É isso que sentimos por um irmão. É o que sinto na presença do Olivar e do Joy, e de todos os meus irmãos, de sangue e das trilhas do azul. Sentimo-nos, junto às pessoas que amamos, como se estivéssemos batendo papo na cozinha de casa, cheia de alimentos e bebidas, fartos e saborosos, à nossa disposição.

É como rumores na tarde, a velha intimidade com nós mesmos. Como gin fiz degustado num bar em Belém. Assim são os rumores da tarde, que são azuis, e que, à medida que o rio da tarde escoa na noite, ficam tão azuis que se confundem com a luz, como uma pessoa que passou uma eternidade nos ignorando, a quem amamos, que nos inebria, de repente, com um sorriso. São assim estes rumores...

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