- Pra mim chega – disse Isaías.
- Vem, filho-da-puta – o outro gritou de dentro d’água. – Vamos lá naquele barco!
Não parecia distante e os dois começaram a nadar no rumo do barco. Então notaram que a maré os arrastava para o largo da Fortaleza São José de Macapá. Isaías levantou a cabeça e procurou ver o trapiche, e viu João nadando bem perto dele. O vento da tarde fazia com que a baía parecesse uma cabeleira revolta, afogando o trapiche, na frente da cidade, com as embarcações atracadas na agitação da água. O sol era uma tela fovista a desfazer-se, cedendo a um azul escuro e sólido, que se acamava no estuário do rio.
Os dois rapazes estavam cansados. Queriam pedir socorro. Ridículo. Melhor não. Depois seriam encontrados no canal do Mangue, por onde a água entra na cidade e, no regresso, leva a imundície do bairro central. Isaías levantou a cabeça, viu, bem perto, um barco, e nadou mais ainda. Agora já se aproximara bastante e pôde ver um cabo na popa do barco, bem próximo do seu nariz. Pensou, uma vez, que fosse ferir o nariz no cabo, mas era o desejo de alcançá-lo que lhe dava essa ilusão. Tentou ver de novo o barco... lembrou-se que poderia sentir cãibra. Olhou para o trapiche e não viu ninguém, depois engoliu água, uma, duas, três goladas, e pensou na sua mãe. Estaria fazendo o jantar, e seu pai, na varanda, bebia uma lata de cerveja, lendo um livro de bolso. Esforçou-se e voltou a nadar, desta vez muito lentamente. Observou que perdera terreno e voltara a se afastar do trapiche. Ficou flutuando alguns segundos, e sentiu que a maré não o arrastava mais.
Ray Cunha. Do livro A grande farra, edição do autor, Brasília, 153 páginas, esgotado
Nenhum comentário:
Postar um comentário