BRASÍLIA, 1 de
setembro de 2012 – Eu tinha 17 anos quando saí de Macapá, em 1972. Era uma cidadela
ribeirinha, sitiada pela selva, igualzinha a Macondo, com a diferença de que à
sua frente passa o rio Amazonas. Quando é maré cheia e o vento sopra forte, ondas
de mais de dois metros rebentam no muro de arrimo defronte da cidade, e quando
a maré está baixa, o leito do rio surge, negro, numa faixa de quase um
quilômetro de largura. Hoje, é a urbe que engole a floresta, numa caminhada de
concreto, derrubando árvores e soterrando igarapés, em marcha de terra
arrasada. Mas as cidades físicas são ilusórias; somente as que construímos em
nosso coração eternizam-se.
Em dezembro de 1971, havia publicado, juntamente com Joy
Edson (José Edson dos Santos) e José Montoril, Xarda Misturada, um livrinho de poemas adolescentes no qual o poeta
Isnard Lima Filho encontrou um veio de pedras preciosas (certamente os poemas
do Joy) e me batizou, então, de Ray Cunha, profetizando que um dia entrarei no
mercado livreiro norte-americano. Meu nome é Raimundo, do gótico “sábio
protetor”, e uma homenagem a meu avô paterno, Manoel Raimundo Cunha, e a meu
pai, João Raimundo Cunha, além de uma promessa de vovó Rosa Maria Cunha a São
Raimundo Nonato, padroeiro das parteiras e obstetras.
Pois bem, naquela época, em Macapá, artistas eram vistos
como vagabundos. Então achei que deveria me mandar, e me mandei. Peguei minha
cota de Xarda Misturada, tomei um
barco no trapiche de Macapá e parti rumo a Belém, onde, com ajuda do meu irmão
Paulo Cunha e de amigos, peguei carona pela Belém-Brasília, ainda em construção,
e fui bater em Brasília, onde consegui, no antigo Ministério da Educação e
Cultura (MEC), passagem para o Rio de Janeiro. De lá, queria ir a Paris e
cheguei a conversar isso com o dramaturgo Paschoal Carlos Magno, que me aconselhou
a me aquietar no Rio mesmo. Depois, vivi em Buenos Aires, Manaus, Belém e,
finalmente, Brasília.
Nessa peripécia, passei por inúmeras situações e circunstâncias
insalubres ou perigosas, e conheci pessoas maravilhosas, com o que delineei meu
perfil, que terá, sempre, base naquilo que recebi dos meus pais: amor
incondicional – pois todo amor verdadeiro é incondicional.
Em 1975, comecei a trabalhar como repórter, o que faço até
hoje, 37 anos depois. Ler, leio desde os 5 anos de idade, maravilhado com os
gibis do meu irmão Paulo Cunha, e, depois, aos 14 anos, com os livros da
estante dele, na qual fiz o primeiro contato com Ernest Hemingway.
Recentemente, assumi a chefia de redação de uma agência de
comunicação de Brasília, predominantemente de jovens. Aos 58 anos de idade,
cheguei ao requinte de auscultar a alma dos jovens. Geralmente são inquietos,
dramáticos, desesperados e trágicos. Pensam que são imortais, no sentido de que
serão sempre jovens, e veem a velhice como câncer em metástase. Ignoram que
jovens também adoecem, sofrem acidentes e morrem, e que se sobreviverem até uma
idade provecta lembrarão maracujá de gaveta, ou múmia, dependendo do número de
intervenções plásticas ou procedimentos médicos a que se submeterem. E que os
órgãos de todos nós, belos ou feios, falirão, e que a morte é inevitável.
Há exceções, óbvio ululante (uma homenagem a Nelson Rodrigues,
um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos). O americano Ernest
Hemingway foi uma delas. Tinha 21 anos quando decidiu demitir-se do cargo de
correspondente do Toronto Star em
Paris para dedicar-se exclusivamente à literatura, mesmo sabendo que passaria
fome. E passou. Aos 26 anos, publicou um romance revolucionário e maravilhoso: O sol também se levanta. É que aos 18
anos quase morre na Primeira Grande Guerra, e reavaliou sua vida.
Aos 21 anos, quando comecei a trabalhar como repórter, em
Manaus, lindas gatas faziam fila à porta da minha alcova, mas só mergulhei
inteiramente nos misteriosos abismos femininos depois de velho, ou seja, depois
da peripécia. Então, se formos dar um sentido verdadeiro para velhice, ela quer
dizer experiência, sabedoria, requinte. Mas vou lhes dizer uma coisa que pouca
gente sabe verdadeiramente: nós, seres humanos, somos movidos pela mente. É a
mente que vivifica nosso corpo. O tempo cronológico é, tão somente, uma
convenção. Portanto, a mente não tem idade. Somos todos, jovens e velhos,
mentes sem idade. Neste contexto, os velhos recebem mais sol nos jardins de
Deus.
Nosso corpo é simplesmente um amontoado de átomos (Albert
Einstein deixou isso bem claro), que se unem enquanto há vida (Éter, como
nominam os cientistas; Deus, para quem desenvolveu a intuição). Creio que todos
conhecem o adágio: Orai e vigiai! Por meio da oração entramos em contato com Deus,
e por meio da vigília, isto é, da prática do bem, nos alinhamos com o Universo.
Só então podemos cavalgar a luz.
Amigo RAY CUNHA,
ResponderExcluirdiscorrer sobre um texto seu é adicionar conhecimentos e agregar na vida experiência de grande utilidade à pessoa que deseja se melhorar moralmente. Eu comungo do mesmo pensamento, se é que eu entendi: o corpo perece, mas a mente é perene. Portanto, eu reforço o seu pensamento, dizendo que o adágio Orai e Vigiai é uma instrução divina.
Um grande abraço, amigo, e muita paz.
AIMORÉ BATISTA.
http://aimorebatista.blogspot.com
Fortaleza (Ce).