BRASÍLIA, 29 de
dezembro de 2012 – Em 1975, em Manaus, o jornalista Isaias Oliveira me
disse algo que remoí nos 25 anos seguintes: “O passado é feito do que há de
melhor”. Tínhamos, então, 21 anos de idade, e Isaias Oliveira, ex guia de
turistas na selva, começava, como eu, a carreira jornalística, ambos sem curso
superior. Ele, contudo, já me impressionava, sobretudo pela sua serenidade, e
pela cultura. A personagem central do meu conto Inferno Verde, o jornalista que duela com o psicopata Cara de
Catarro, foi batizado de Isaias Oliveira, e tem os olhos grandes e expressivos
do seu homônimo da vida real.
Criei, e utilizei em mais de um trabalho de ficção, uma
frase que equaciona o que Isaias Oliveira me dissera décadas atrás: “O agora e
o agora, o momento mesmo da vida”, no sentido de que não existe passado, nem
futuro, mas somente a intensidade do agora. O passado e o futuro são vidas
paralelas.
Mas se não existe, por que Isaias Oliveira teria me dito que
“o passado é feito do que há de melhor?” E aquela zona escura da nossa
personalidade, que não confessamos nem para nós mesmos? E os crimes que
cometemos, inconfessáveis, e que somente nossa consciência pode punir, por meio
da angústia, às vezes tão aguda que sangra a alma? Como fugir dessa zona
sombria, se ela está alojada no subconsciente, indelével? Podemos até esquecer
esse inferno, mas, sempre que a oportunidade se apresenta, ele se manifesta.
Minha esposa, Josiane, preletora da Seicho-no-Ie e
psicóloga, vive me dizendo: “Tudo o que realizamos deve ser feito como a coisa
mais importante da nossa vida, com amor, para que beneficie o mais amplamente
o maior número de pessoas”. Ontem, li em voz alta o preceito
do dia 28 do calendário de 2013 da Seicho-no-Ie, que diz: “Concentre-se no
agora e viva plenamente. Você nasceu neste mundo para viver plenamente cada
momento de sua vida. Aprimorou sua alma valorizando o passado e visualizando um
futuro radioso. Concentre os esforços naquilo que deve ser feito agora. Só
assim abrir-se-á a porta de seu futuro. É essencial cumprir bem a missão que
lhe cabe no momento” (Seicho Taniguchi). Minha filha, Iasmim, que me ouvia,
disse: “Pai, o passado nós vivificamos; o presente, vivemos; o futuro, a gente
constrói”.
Com efeito, o passado não existe, mesmo. Nostalgia, voltar
ao passado, tentar resgatá-lo, estacionar nele, é vida paralela; e voltar ao
passado para castigar-nos é mergulhar na angústia, agonizar, morrer. Se temos
algum ajuste com o passado, só precisamos arrepender-nos, ou seja, não cometer
mais o que nos angustia tanto, e aceitar o resultado da colheita, por mais
terrível que seja. De real, naquilo que já foi, só há os antepassados, as raízes,
o riso mais cristalino de quando éramos criança. E o futuro, será sempre o
reflexo do agora e o agora.
Já faz tempo que vivo cada dia.
Ainda tenho muitos livros para escrever, mas não estou preocupado com isso. Quero
ver telas novas de Olivar Cunha e ler o livro de contos de Joy Edson, quero sentir crianças rindo e rosas que não se
importam em se desnudarem na minha presença. O momento mesmo da vida é o azul
mais azul, intenso como a nudez das rosas vermelhas à luz de manhãs ensolaradas,
como o primeiro beijo, e gemidos no silêncio da noite, ao mergulharmos no
abismo da mulher amada, prenhe de mistério.
São as cores, o frescor da natureza e as sensações. São os momentos e a vida a circular nas veias, nos órgãos vitais que fazem tudo valer a pena. Feliz 2013!
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