Ray Cunha e Josiane Souza Moreira (Foto: Iasmim Cunha - 2013) |
BRASÍLIA, 5 DE AGOSTO
DE 2013 – Houve um momento, na minha vida, que me julgava fisicamente imortal. Ingeria comida estragada, bebia sozinho até uma garrafa de Pitú ao longo de um
bate-papo, caçava e pescava, mergulhava noites inteiras nos misteriosos abismos
das ninfas, e nada disso me abalava. Era o império do corpo. A minha mente era o
meu corpo. E isso chegou ao auge aos 21 anos, em Manaus. Depois, veio aquela
idade em que as pessoas já olham desconfiadas para a gente: os 30 anos.
Aos 17, eu já participara de um livro de poemas, Xarda Misturada, juntamente com Joy
Edson e José Montoril, depois do que, caí na Belém-Brasília e segui para o Rio de
Janeiro, onde fui rejeitado pelo Exército por falta de peso; imaginem meu
estado. O Rio foi uma farra, mas Manaus foi a grande farra. De Manaus, fui para
Belém, onde a grande farra foi potencializada ao insuportável.
Já morando em Brasília e quarentão, eu ainda era capaz de
jogar boxe amador, mas o álcool começara a vencer a parada. Por volta do último
ano do século passado, minha memória começou a declinar; então, mergulhei num
mundo pavoroso, no qual tinha que anotar tudo, para não esquecer. Quando ia
criar e não conseguia lembrar-me de palavras-chaves ou nomes próprios, a partir
dos quais retirava tecido para as personagens de ficção, era um pesadelo.
Quando conheci minha gata, Josiane, em 1988, eu era alcoólatra
e ela, uma ninfeta cafuza lindíssima. Um ano depois estávamos casados, e ela
foi minha porta de entrada para a Seicho-No-Ie e, esta, para o mundo espiritual.
Pois bem, quando minha memória começou a falhar, apavorado, fui pisando no
freio, e no réveillon de 2010 dispensei o champanhe. Desde então, sou abstêmio,
a memória voltou e agora é melhor do que quando eu tinha 21 anos.
Neste 7 de agosto, completo 59 anos de idade (sou de 1954),
e hoje vivo na dimensão da mente, na qual não existe tempo cronológico e só há
movimento. Aos 21 anos, eu devorava; agora, degusto, e não somente com as
papilas, mas com todos os sentidos. A vida se tornou uma prece, e o cheiro do
mar chega até mim, não importa onde eu esteja, e a música, a mais sublime
música de Mozart, segue-me aonde quer que eu vá, e eu ouço riso de crianças e
as rosas vermelhas despem-se na minha presença, pois sabem que meu olhar não as
conspurca, e em todas as madrugadas dou à luz personagens de ficção e crio
cidades, e me sinto imortal.
Guardo, na memória do meu coração, um combustível eterno. São
as minhas lembranças. O passado é feito do que há de melhor, ensinou-me o
dileto amigo Isaías Oliveira. Pois cada uma das mulheres que amei, e que, às
vezes, fiz chorar (perdão!), cada jasmineiro que perfumou as ruas noturnas por onde
vaguei, com seu choro ao calor das madrugadas, cada verso que escrevi, cada
cidade que descobri, todos os voos que alcei, disso é minha têmpera.
Hoje, levo uma vida estranhamente social. Além dos queridos amigos
e amigas, com quem sinto prazer apenas por lembrá-los, também reúno-me com meus
antepassados, especialmente meu pai, João Raimundo Cunha, belo, majestoso,
destemido, amado, e minha mãe, Marina Pereira Silva Cunha, a mais bonita,
forte, corajosa e querida entre as mulheres. Às vezes, simplesmente os ouço.
Neste 7 de agosto, como sempre, há anos, minha gata e minha
princesinha, Iasmim, me abraçarão e beijarão meu rosto, e me servirão torta,
que escolherão numa boa confeitaria, e eu comerei uma fatia com café Três
Corações, arábica e gourmet. E depois começarei mais um voo vertiginoso, rumo
ao triunfo da luz.
Ray, gostei de saber de você. Realmente o aprecio e estimo.
ResponderExcluirQuevocê seja feliz ainda por muitas décadas.
Gelio Fregapani
Gelio Fregapani, a admiração é mútua. Acho que você está devendo para o país uma análise aprofundada e ampliada da geopolítica brasileira, com um longo capítulo sobre a questão amazônica. Isso será uma importantíssima contribuição para a compreensão do nosso continente tropical, e do Trópico Úmido. Receba um fraterno abraço!
ExcluirParabéns,Ray. Espero comemorar o teu centenário de vida,vida saudável e feliz . Edevaldo Leal.
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