Ray Cunha lê conto no Bar Faixa de Gaza/Galeria Olho de Águia (Foto: Ivaldo Cavalcante) |
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BRASÍLIA, 9 DE
NOVEMBRO DE 2012 – Ray Cunha autografa O
Casulo Exposto (LGE Editora/Ler Editora, Brasília, 153 páginas, R$ 30) e Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos
(edição do autor, Brasília, 116 páginas, R$ 20), dia 21 de novembro, uma quinta-feira,
das 17 às 20h30, no Monardo Gastronomia e Cultura, na 201 Sul (atrás do Banco
Central), Bloco B, Loja 9, telefone 3425-3566. A compra dos dois livros fica
por R$ 40.
“O Casulo Exposto enfeixa 17 contos
ambientados no Distrito Federal. Trabalho, como jornalista, em Brasília, desde
1987, cobrindo amplamente a cidade-estado, o Entorno e o Congresso Nacional, o
que me proporcionou conhecer bem essa geografia, inclusive a humana, que serviu
para criar as personagens e o cenário dessas histórias curtas” – diz Ray Cunha.
“O casulo é uma alegoria à redoma legal que engessa o Patrimônio Cultural da
Humanidade, a borboleta de Lúcio Costa, ninfa golpeada no ventre, as vísceras
escorrendo como labaredas de luxúria, depravação e morte, nos subterrâneos e na
esfera política da cidade dos exilados, onde chafurda uma fauna heterogênea:
amazônidas que deixaram a Hileia para trás e tentam sobreviver na ilha da
fantasia; jornalistas se equilibrando no fio da navalha; políticos, daquele
tipo mais vagabundo, que esconde merenda escolar na mala do seu carro e
dinheiro na cueca; estupradores; assassinos; bandidos de todos os calibres;
tipos fracassados e duplamente fracassados, misturando-se numa zona de
fronteira e penumbra.”
PREFÁCIO DE MAURÍCIO MELO JÚNIOR – O
jornalista e escritor Maurício Melo Júnior diz, no prefácio de O Casulo Exposto, o seguinte: “O
escritor Jorge Amado costumava se queixar de algumas ausências da literatura
brasileira. E dizia que a mais gritante delas era a falta de romances sobre o
ciclo do café, como os que foram escritos sobre os ciclos da cana-de-açúcar e
do cacau. Também podemos dizer que ainda não surgiram os escritores que tomaram
o desafio de contar as sagas da busca da borracha na Amazônia e da construção
de Brasília em pleno cerrado goiano.
“Neste seu
novo livro de contos e novelas, o escritor Ray Cunha, nascido no Amapá e
vivente de Brasília, passa longe da narrativa de homens perdidos na solidão da
floresta ou na poeira das construções incansáveis. O que interessa ao escritor são
os resultados daquelas experiências, são os personagens que ficaram depois das
epopeias.
“Os homens e
mulheres que saltam destas páginas são bastante curiosos. Têm a política no
sangue, embora apenas transitem em torno dela. Veem o poder bem de perto, mas
não participam de suas benesses. Também calejados pelas dores impostas pela
opressão da floresta, já nada os surpreende e a violência pode ser uma forma de
defesa ou sobrevivência. Sim, os escrúpulos são poucos. Ou, citando Jarbas
Passarinho, um acriano que fez carreira política no Pará, “às favas com o
escrúpulo”. Em compensação, a sensualidade aflora na pele dessa gente. O perigo
é que também este poder de encantar e seduzir é instrumento de dominação.
“Naturalmente
que a visão que temos aqui está superdimensionada pelos requisitos da
literatura, mesmo assim sua base tem intensos pontos de realismo. E Ray ainda
lhes dá um tratamento recheado de um humor cáustico, em alguns momentos até
cruel. No entanto, este humor nasce do clima noir, o clima dos filmes e livros policiais surgidos nos anos de
1940.
“Sem
saudosismos e com muito suspense, os contos e novelas de Ray Cunha nos põem
diante dos brasilienses, esses seres nascidos da junção plena de todos os
brasileiros. E vale muito a pena conhecê-los”.
ENTREVISTA A ALDEMYR FEIO – Segue-se
entrevista concedida por Ray Cunha ao jornalista paraense Aldemyr Feio.
O que o levou a escrever O Casulo
Exposto?
Costumo
ambientar meus livros na Amazônia, especialmente Belém, minha cidade predileta.
Porém vivo em Brasília desde 1987. Do início de 1996 ao fim de 1997, voltei a
morar em Belém, mas por questões profissionais retornei a Brasília. Uma estada
tão longa nos leva a conhecer bem o ambiente onde vivemos; assim, é natural que
comecemos a escrever algumas histórias com a geografia da cidade onde moramos.
Em 2008, observei que já escrevera 17 contos ambientados em Brasília e com
personagens que são, quase sempre, migrantes, que transitam nas ruas e nos
meios jornalísticos e políticos da cidade-estado. Submeti os 17 contos à
leitura do Maurício Melo Júnior, escritor talentoso e crítico literário bem preparado.
Ele escreveu a apresentação do livro e sugeriu que o levasse ao Antonio Carlos
Navarro, diretor da LGE Editora, que resolveu editá-lo.
Maurício Melo Júnior, ao apresentar o livro,
afirma que “O que interessa ao escritor são os resultados daquelas
experiências, são os personagens que ficaram depois das epopeias”. Por quê?
Um dos fios
condutores de O Casulo Exposto são as
personagens, em geral migrantes, às vezes frustrados ou duplamente frustrados.
As epopeias a que Maurício se refere é a construção de Brasília – uma fase da
cidade que já acabou. Restaram os candangos bem-sucedidos, como o empresário
Paulo Octávio, dono de boa parte da cidade, e muita gente que mora em
assentamentos e invasões. Migrantes continuam chegando, mas agora tudo está
lotado. Os contos, portanto, não enfocam uma epopeia, mas a miudeza do
dia-a-dia na capital da república.
Maurício também afirma: “Ray Cunha ainda
lhes dá um tratamento recheado de um humor cáustico, em alguns momentos até
cruel”. O que ele quis dizer com isso?
Algumas das
personagens dos contos são tragicômicas. Outras, apenas trágicas. Creio que o
humor cáustico a que Maurício se refere é o que costumamos chamar de humor
negro, quando situações, apesar de dramáticas, ou trágicas, contêm, mesmo
assim, viés risível.
Seus romances e contos são, geralmente,
ambientados na Amazônia. Qual a sensação de escrever um livro candango, ou
seja, produzido com as coisas que acontecem em Brasília?
É a mesma
sensação de trocar pirão de açaí com dourada frita por pão de queijo, ou de
trocar a Estação das Docas por shopping. São duas situações absolutamente
diferentes. No meu caso pessoal, caio de joelhos por tudo o que diz respeito à
Amazônia, mas também curto Brasília. Assim, sinto-me perfeitamente à vontade
tanto na Amazônia como em Brasília.
O casulo é uma alegoria à redoma legal que
engessa o Patrimônio Cultural da Humanidade...” mas “também tresanda a perfume,
romance e esperança, nas luzes da grande cidade”. Dá para explicar?
O casulo do
título evoca o fato de que Brasília é reconhecida como Patrimônio Cultural da
Humanidade. Em termos práticos, não se pode mudar a arquitetura original do
Plano Piloto de Brasília, que compreende o projeto do urbanista Lúcio Costa,
excluindo-se as cidades-satélites. Então, o Plano Piloto é protegido sob uma
redoma legal, um engessamento legal. É Patrimônio Cultural da Humanidade, mas
nas suas ruas e nos seus subterrâneos não há romantismo, como em toda metrópole
brasileira, inchadas e perigosas. Apesar disso, há contos de puro perfume,
romance e esperança. O conto que encerra o livro, A Caça – que inclusive já foi publicado pela Editora Cejup –, quase
no fim, refere-se às luzes de Brasília e termina no quarto de um bom hotel.
Você acha que o leitor vai entender as suas
colocações contidas no Casulo?
Certamente
que sim. A literatura, como qualquer arte, tem algo maravilhoso. No seu caso
específico, as palavras remetem o leitor a mundos que são somente dele. O
escritor é um mero porteiro. Lembrei-me de um caso que ocorreu com William
Faulkner. Alguém o informou que leu duas vezes um livro seu e não entendeu a
história. Faulkner sugeriu que lesse mais uma vez.
Nos casos relatados no livro você teve
alguma participação ou foram vivenciados apenas superficialmente?
O senso
comum mistura atores com personagens e acredita que ficção é o que conhecemos
como realidade. Se assim fosse, quantos escritores não estariam atrás das
grades por assassinato? O fato é que até nas autobiografias há mais ficção do
que realidade. O escritor que faz seu trabalho com seriedade não está
interessado em
jornalismo. Estou certo de que pelo menos 75% do que os
jornais publicam originam-se de interesses dos donos, de ideologia, de
conjecturas, de boatos, ou de mentiras pura e simplesmente. Também o escritor
não está interessado em si mesmo, pois todos os escritores são pessoas comuns
e, muitas vezes, introvertidas. Qual a participação que um escritor pode ter
numa história que se passa em outro planeta?
Como Antoine de Saint-Exupéry criou O
Pequeno Príncipe? Esta é a diferença: as antenas especiais com que os
escritores nascem, o que permitiu, por exemplo, que Ernest Hemingway criasse
uma mulher abortando, em Adeus às Armas,
ou que John Steinbeck desse vida a uma mulher que acaba de perder seu bebê
recém-nascido e dá de mamar a um ancião que está morrendo de fome, em Vinhas da Ira.
Quem é Ray Cunha?
Nasci em
Macapá, na margem esquerda do estuário do rio Amazonas, e cortada pela Linha
Imaginária do Equador, em 7 de agosto de 1954. Fui educado na Amazônia. Conheço
a Hileia razoavelmente, por longa leitura e por ter estado lá. Vivo em Brasília
por uma questão de mercado de trabalho. Aqui, consigo oferecer à minha família
razoável padrão de vida, sustentado pela minha profissão, jornalismo.
Literatura, para mim, é minha missão pessoal. Embora morando em Brasília, a
internet me permite ficar ligado o tempo todo à Amazônia. Tenho ligação íntima
com Belém, um dos meus grandes amores, e, naturalmente, com Macapá. Quanto a
Brasília, já somos velhos namorados. Brasília me deu duas mulheres
fundamentais: minha esposa, e minha luz, Josiane, e uma flor, minha filha
Iasmim.
TRÓPICO
ÚMIDO – TRÊS CONTOS AMAZÔNICOS – Trópico
Úmido reúne três contos com pano de fundo em quatro cidades da Amazônia:
Belém, capital do Pará; Macapá, capital do Amapá; Manaus, capital do Amazonas;
e Rio Branco, capital do Acre. Inferno
Verde conta a história do repórter Isaías Oliveira, num duelo com o
sinistro traficante Cara de Catarro. A trama se passa em Belém e na ilha de
Marajó.
Latitude Zero se desenrola em Macapá,
cidade situada no estuário do maior rio do planeta, o Amazonas, na cofluência
com a Linha Imaginária do Equador. Um punhado de jovens começa a descobrir que
a vida produz também ressaca.
A Grande Farra narra as peripécias do
jovem repórter e playboy Reinaldo. Candidato a escritor, ele gasta seu tempo
trabalhando como repórter, bebendo e se envolvendo com inúmeras mulheres. O
conto tem sua geografia em Manaus, encravada no meio da selva amazônica, e em
Rio Branco, no extremo oeste brasileiro.
OBSESSÕES AMAZÔNICAS
DE RAY CUNHA – Maurício Melo Júnior escreveu sobre Trópico Úmido: “A literatura brasileira está numa encruzilhada.
Cada autor atira para um lado e ninguém consegue formatar o que no passado se
chamou de movimento. Mesmo em lugares onde se pratica uma literatura regional
intensa – Pernambuco e Rio Grande do Sul, por exemplo – não há o senso de
união. Isso, se por um lado favorece a diversidade temática, por outro,
paradoxalmente, desagrega autores e enfraquece o trabalho de formação de
leitores. Embora o ato de escrever seja um exercício de solidão, são a vivência
e a convivência que dão ao escritor o estofo necessário para a composição do
texto.
“O escritor Ray Cunha, nascido na beirada da floresta
amazônica, sofre do mal que vitimou parte de seus colegas a partir dos anos
setenta: é um escritor desagregado, carente de grupos com quem possa discutir
temas, estéticas e formas. Isso fica muito claro em seu livro Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos,
no qual, apesar de uma certa obsessão geográfica, sente-se a ausência da região
em sua plenitude. O leitor mais exigente terminará a leitura carente do sotaque
e das cores amazônicas, embora fique saciado com o desenvolvimento bem
resolvido da trama.
“O conto que abre o livro, Inferno Verde, conta a história do repórter Isaías Oliveira em
duelo sangrento e perverso com o traficante Cara de Catarro. O segundo texto, Latitude Zero, fala de um grupo de
jovens em descobertas sexuais em Macapá. Pode ser visto como um conto de
formação, embora carregado do escancaro de Charles Bukowisk, o que é até
compreensível em quem sobreviveu às teorias de Freud e à revolução sexual dos
anos sessenta. Finalmente, o último conto do volume, A Grande Farra, conta a história de Reinaldo, um repórter que sonha
ser escritor, mas, milionário, gasta a vida em bebedeiras e aventuras sexuais.
“A linha que liga todos os textos, além da região amazônica,
é mesmo a temática da sexualidade. No entanto, este sentimento está muito
próximo das práticas vindas com a liberação sexual dos anos sessenta, unidas a
um certo sadismo dos personagens. Num pobre exercício de paráfrase com os
Atletas de Cristo, que trazem halos angelicais para os nossos atletas do
futebol, podemos dizer que os personagens de Ray Cunha são Atletas de Sade. É
impressionante a obsessão por um ato doloroso e imposto. Há sempre dominação do
macho sobre a fêmea, mesmo quando ela, também filiada à revolução sexual,
escolhe seu parceiro. Ainda assim prevalece a força do macho.
“Esses personagens construídos pelo autor, por conta da
defesa de uma geração perdida, terminam por carregar cores muito iguais. São
todos hedonistas, amantes do prazer sobre todas as coisas. Por conta desse
sentimento entram de cabeça na vida sem medir qualquer consequência. E fica clara
aí a influência de Bukowisk, o velho safado, embora a sensualidade das ninfetas
traga para os textos uma certa lembrança de Nabokovisk, o velho também safado,
mas um pouco mais pudico. Sobrevive disso tudo um mundo excessivamente cruel,
posto que o prazer é o que menos importa aos moços. Todas as relações têm como
objeto a sujeição do parceiro.
“O poeta Augusto dos Anjos falava em um de seus sonetos da
“obsessão cromática”, do que chamava de fantástica visão do sangue se
espalhando por toda parte. Ray Cunha trás para a literatura um pouco dessa
obsessão, que faz a festa dos repórteres policiais. Há muitas cenas cruéis, com
requintes de crueldade, dignos das páginas dos romancistas policiais americanos
da década de cinquenta, um período no qual a fineza britânica de Conan Doyle
foi substituída pela inspiração de Bram Stoker.
“Finalmente, há obsessão geográfica. Para um livro passado
na Amazônia isso é bem interessante. No entanto o autor poderia descrever mais
e citar menos. Explica-se. É comum por todo o texto o nome de ruas onde moram,
vivem e rodopiam os personagens. O problema é que a citação pura e simples do
nome da rua simplesmente não remete a qualquer impacto sobre o leitor que não
conhece as ruas. O autor poderia descrever as ruas, o que daria uma informação
a mais ao leitor, situando-o até no ambiente por onde transitam os personagens.
“Fica do livro, entretanto, a construção da história. Há
pontos de prisão do leitor no jogo de curiosidades desvendadas aos poucos. O
autor sabe manipular bem a trama, levando o leitor ao clímax. Com isso, resgata
uma das maiores carências da literatura brasileira atual: o bom contador de
história. É que os nossos novos escritores, buscando a universalidade
linguística de Guimarães Rosa, esqueceram que ele sabia contar bem uma
história. Resultado: renunciaram à narrativa e não ganharam a inventividade
estética.
“Ray Cunha consegue contar bem suas histórias. No entanto
poderia ter trazido o mundo mais amazônico para suas páginas; poderia deixar um
pouco as influências estrangeiras e seguir a trilha de autores como Benedicto
Monteiro. Isso pode transformá-lo no grande representante da literatura
amazônica moderna. Aquele que conseguirá traduzir boa linguagem com boa
narrativa, e tudo temperado em um bom caldo de tucupi”.
LIVROS DO AUTOR – Ray Cunha estreou
como escritor em 1971, com o livro coletivo, de poemas, Xarda Misturada (edição dos autores, Macapá), juntamente com o
poeta e contista José Edson dos Santos e José Montoril; em 1982, publicou Sob o Céu nas Nuvens (edição do autor,
Belém, poemas); em 1990, lançou A Grande
Farra (edição do autor, Brasília, contos); em 1996, a Editora Cejup, de
Belém, lançou o conto A Caça. Em
2000, saiu Trópico Úmido - Três Contos
Amazônicos; em 2003, a Editora Cejup lançou o romance A Casa Amarela, ambientado em Macapá, no ano do golpe militar de
1964; e em 200, a LGE/Ler Editora publica O
Casulo Exposto.
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