Ray Cunha (foto de Iasmim Cunha - 7 de agosto de 2014) |
Não consigo
mais, durante toda uma noite, aspirar teu perfume
E beber a
calidez que emana dos teus seios, e do teu púbis
Não consigo
mais passar a noite inteira te amando
Mas isso
tudo pulsa no meu coração como a eternidade
Meus cabelos
vão rareando, embranquecidos
E os
músculos, sem tônus, são cicatrizes
Quedo-me,
silencioso, mas intenso como espilantol
Inexpugnável
como rosas de agosto
Sinto meu
corpo se desvanecer, e se condensar
A 300 mil
quilômetros por segundo
Como se do
azul eu fosse asas
Exploro as
tuas dimensões
E ouço o som
da Terra no espaço, durante o mergulho
Deus, risos
de crianças, a eternidade, o agora
Meu pai, João Raimundo Cunha, e Ernest Hemingway, talvez o escritor que mais amplamente li, tinham 61 anos quando partiram para o mundo espiritual. Sei como as coisas são nessa idade. Nós três nos encontramos no Quartinho da Casa Amarela, portal onde mortos e vivos confabulam numa festa sem fim. Papa gosta do balcão do bar; papai prefere o quintal. Quanto a mim, curto intensamente tudo o que tenho.
Aos 21 anos,
perdi-me, durante décadas, num emaranhado de labirintos, até descobrir que
estivera andando em círculos no elemento feminino. Hoje, caminho melhor nesse
mergulho, guiado pela experiência da longa caminhada. Meus sentidos, inclusive o
sexto, estão encharcados de espilantol. Meu corpo denso começa a desaparecer, e
sinto-me flutuando no éter.
Tantas
coisas proporcionam-me prazer intenso: ver as pessoas que amo; ouvir o som da
Terra no espaço, a madrugada, riso de crianças, Mozart, gemidos da mulher amada,
ler, dormir, meditar, andar à toa, especialmente em grandes livrarias, beber tacacá,
montar a luz, sentir cheiro de mulher nua. O tempo vai deixando de existir,
dilui-se, o passado são cinzas atiradas ao mar, e não há amanhã; só há o agora
e o agora eternizando-se.
Erguer
universos com palavras, tem sido isso que me sustenta, e que me faz enxergar a
nudez das rosas e o mistério que as mulheres exalam, nunca desvendado, porque
eterno. Sou dono de tesouros imensos, de valor inestimável, pois desenvolvi a
capacidade de sentir o voo da luz, o cheiro mar e o choro dos jasmineiros, nas
tórridas noites do mundo, em agosto. Tenho telas de Olivar Cunha e sinto a
presença das rosas que Isnard Brandão Lima Filho ofertou para a madrugada. E sou
capaz, como um mágico, de aliviar dores com agulhas.
Não desejo
mais descobrir ouro no morro do Salamangone, Serra Lombarda, município de
Calçoene, no estado do Amapá, nem escalar o Pico da Neblina, nem pilotar um
Boeing 777, nem praticar kendo, nem saltar de paraquedas, nem de mergulhar no
coração das trevas da Amazônia. Basta-me a companhia de Hemingway, ou de
Gabriel García Márquez, ou de Vargas Llosa, ou de Graciliano Ramos, ou de
Machado de Assis, para viajar por mundos insuspeitos. Ou tomar Cerpinha
enevoada no quarto de um hotel, no sétimo andar, ou na hora de ser enforcado
ser salvo e dormir com a princesa.
Tudo o que
quero é comparecer ao encontro marcado com a mulher amada, criar universos,
sentir a noite, como um navio iluminado, embriagar-me com o perfume das virgens
ruivas, ouvir o som da madrugada, sentir a presença do mar, do trópico, do sol
das oito no rosto, diluir-me no acme e reaparecer no azul.
Parabéns grande escritor. Um abraço, Cerino
ResponderExcluirRAY.PARABENS. DELICIOSOS( CONTO E POEMA.) QUAL UM VINHO
ResponderExcluirO TEMPO TEM LHE POLIDO COM A LUCIDEZ DOS QUE PENSAM E A ALTIVEZ DOS QUE CRIAM.
NÃO HA MELODIA PARA OS DOIS EXCELENTES TEXTOS POREM SE HOUVESSE SERIA BACH SINGULARMENTE.
UM ABRAÇO ENORME APERTADO COMO UM NÓ.
LUIZ JORGE.