sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Eternidade

Ray Cunha (foto de Iasmim Cunha - 7 de agosto de 2014)


Não consigo mais, durante toda uma noite, aspirar teu perfume
E beber a calidez que emana dos teus seios, e do teu púbis
Não consigo mais passar a noite inteira te amando
Mas isso tudo pulsa no meu coração como a eternidade

Meus cabelos vão rareando, embranquecidos
E os músculos, sem tônus, são cicatrizes
Quedo-me, silencioso, mas intenso como espilantol
Inexpugnável como rosas de agosto

Sinto meu corpo se desvanecer, e se condensar
A 300 mil quilômetros por segundo
Como se do azul eu fosse asas

Exploro as tuas dimensões
E ouço o som da Terra no espaço, durante o mergulho
Deus, risos de crianças, a eternidade, o agora


Meu pai, João Raimundo Cunha, e Ernest Hemingway, talvez o escritor que mais amplamente li, tinham 61 anos quando partiram para o mundo espiritual. Sei como as coisas são nessa idade. Nós três nos encontramos no Quartinho da Casa Amarela, portal onde mortos e vivos confabulam numa festa sem fim. Papa gosta do balcão do bar; papai prefere o quintal. Quanto a mim, curto intensamente tudo o que tenho.

Aos 21 anos, perdi-me, durante décadas, num emaranhado de labirintos, até descobrir que estivera andando em círculos no elemento feminino. Hoje, caminho melhor nesse mergulho, guiado pela experiência da longa caminhada. Meus sentidos, inclusive o sexto, estão encharcados de espilantol. Meu corpo denso começa a desaparecer, e sinto-me flutuando no éter.

Tantas coisas proporcionam-me prazer intenso: ver as pessoas que amo; ouvir o som da Terra no espaço, a madrugada, riso de crianças, Mozart, gemidos da mulher amada, ler, dormir, meditar, andar à toa, especialmente em grandes livrarias, beber tacacá, montar a luz, sentir cheiro de mulher nua. O tempo vai deixando de existir, dilui-se, o passado são cinzas atiradas ao mar, e não há amanhã; só há o agora e o agora eternizando-se.

Erguer universos com palavras, tem sido isso que me sustenta, e que me faz enxergar a nudez das rosas e o mistério que as mulheres exalam, nunca desvendado, porque eterno. Sou dono de tesouros imensos, de valor inestimável, pois desenvolvi a capacidade de sentir o voo da luz, o cheiro mar e o choro dos jasmineiros, nas tórridas noites do mundo, em agosto. Tenho telas de Olivar Cunha e sinto a presença das rosas que Isnard Brandão Lima Filho ofertou para a madrugada. E sou capaz, como um mágico, de aliviar dores com agulhas.

Não desejo mais descobrir ouro no morro do Salamangone, Serra Lombarda, município de Calçoene, no estado do Amapá, nem escalar o Pico da Neblina, nem pilotar um Boeing 777, nem praticar kendo, nem saltar de paraquedas, nem de mergulhar no coração das trevas da Amazônia. Basta-me a companhia de Hemingway, ou de Gabriel García Márquez, ou de Vargas Llosa, ou de Graciliano Ramos, ou de Machado de Assis, para viajar por mundos insuspeitos. Ou tomar Cerpinha enevoada no quarto de um hotel, no sétimo andar, ou na hora de ser enforcado ser salvo e dormir com a princesa.

Tudo o que quero é comparecer ao encontro marcado com a mulher amada, criar universos, sentir a noite, como um navio iluminado, embriagar-me com o perfume das virgens ruivas, ouvir o som da madrugada, sentir a presença do mar, do trópico, do sol das oito no rosto, diluir-me no acme e reaparecer no azul.

2 comentários:

  1. Parabéns grande escritor. Um abraço, Cerino

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  2. RAY.PARABENS. DELICIOSOS( CONTO E POEMA.) QUAL UM VINHO
    O TEMPO TEM LHE POLIDO COM A LUCIDEZ DOS QUE PENSAM E A ALTIVEZ DOS QUE CRIAM.
    NÃO HA MELODIA PARA OS DOIS EXCELENTES TEXTOS POREM SE HOUVESSE SERIA BACH SINGULARMENTE.
    UM ABRAÇO ENORME APERTADO COMO UM NÓ.
    LUIZ JORGE.

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