Devido
ao ângulo em que me encontrava podia vê-la impunemente, como um velho voyeur,
que toma todos os cuidados ao praticar seu poético desvio, se o interesse é
apenas ver mulheres entregues a si mesmas. A tarde expirava, e a noite ia
tomando conta da cidade, lenta, mas firme. Eu tomara o metrô na Praça do
Relógio, em Taguatinga, e desceria na 112 Sul, no Plano Piloto. O vagão não
tinha quase ninguém e de onde eu me posicionara podia vê-la de perfil. Seus
ombros eram graciosos e tinha longo pescoço, que lembrava um Modigliane. Seus
cabelos, negros, eram curtos, deixando-me ver o brinco, balançando como estrela
cadente. Seu nariz era pequeno e as pestanas longas. Pressionada pelo meu olhar
vampiresco, ela se virou nervosa em minha direção e vi que seus lábios eram quase
finos. Foi então que começou o espetáculo.
Ela
abriu a bolsa e sacou um estojo de onde tirou várias ferramentas, entre as
quais um espelhinho. Mirou-se, passou blush no rosto, espalhou-o, e quando
abriu o batom ajeitei-me no banco. Ver uma mulher passando batom nos lábios me
arrepia. Ela deslizou o bastonete vermelho em toda a extensão de ambos os
lábios e depois esfregou um no outro. Eu respirei forte. Então ela guardou o
estojo e se acomodou, segura de si e relaxada.
Desci
na 112 Sul e quando passei por ela me voltei rapidamente, com o olhar clínico
armado. Ela não era bonita para os padrões televisivos, mas rescendia à beleza
da sensualidade que só existe no mistério. Para onde iria? Para quem pintara
aqueles lábios, agora salientes como os de Angelina Jolie? Em quem deixaria
aquela tinta vermelha que a fazia belíssima?
Quando
emergi da estação do metrô já era possível sentir a força de gravidade da
noite. Ia pensando na mulher do metrô e na beleza feminina, e então me dei
conta de algo que me intrigava há bastante tempo. Por que certas mulheres, com
traços perfeitos, são tão sem graça? Percebi que a beleza feminina é como as
rosas no mistério da sua solidão, e que só podemos senti-la completamente se
captamos as mulheres no momento de entrega a elas mesmas.
Em O grande Gatsby, de Scott Fitzgerald, há
uma sequência em que numa sala há um homem e duas mulheres. As mulheres parecem
não ver o homem. Estão entregues a si mesmas, e são tão lindas que parecem
flutuar na tarde. O homem aspira a cena, como um vampiro de luz.
Quando
eu tinha 14, 15 anos, e recebi os primeiros beijos, de ninfetas tão lindas como
rosas, havia um terremoto no coração, só comparado ao que sinto quando vejo uma
mulher nua sentada ao toucador, a escovar os cabelos e a passar no pescoço e no
colo fragrâncias de cio, os cabelos esvoaçando no mesmo abandono delas mesmas.
Então, mais do que nunca, são como as rosas, que se bastam a si mesmas.
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