Quando cheguei estava só a empregada, que a Galinha Gorda chama de
governanta – o mesmo pedantismo daquele veado. – Fora a uma seresta. Pus-me a
ver televisão. Um filmaço: O Dom da Fúria,
com Robert Duval. Terminado o filme, desliguei o aparelho, preparei um café
instantâneo, fumegante, e fiquei esperando a boceta. Chovia de manhã, à tarde e
ainda à noite. Havia mofo na minha alma. Cidade infernal! Mas qual a cidade que
presta quando estamos sem trabalho? Lembrei-me do último: teria de cuidar de um
matagal, a que aquele veado insistia em chamar de jardim. O sujeito era
ridículo. Comia num desses restaurantes infernais de macrobiótica. Tinha o
rosto bexiguento assustador de tanto mastigar 40 vezes cada garfada de arroz.
Quis que eu virasse também ruminante, mas a governanta dele fritava enormes
bifes de alcatra, que eu comia vorazmente com feijão e arroz, e tomava depois
um copo de coalhada gelada que ela preparava para mim. Parece que com a
besteira do masca-masca o boçal pretendia virar santo. Bem, o negócio não durou
muito tempo. O imbecil tinha umas amigas que viviam de olho na grana dele. Um
dia me encontrou engatado no cu da Galinha Gorda. Demitiu-me na hora. Acontece
que a desfrutável quis continuar a farra e comecei a frequentar seu
apartamento. Chegou às 5 horas. Estava farta de garotões e passou por mim
dizendo que ia tomar banho e se deitar. Tirei meu cinto de couro e dei umas
lambadas na vaca. Ela fez um alarido assustador e compreendi que a boa vida,
ali, acabara-se. Desci. Seria uma segunda-feira de sol brilhante. Caminhei até
o Ver-O-Peso. Apreciei as frutas, aspirei o cheiro dos peixes, comprei uma
sólida piramutaba e fui para casa.
EU NÃO POSSO PERDER O EMBALO integra o livro NA BOCA DO JACARÉ (Ler Editora/Libri Editorial, Brasília, 2013, 153 páginas) – Novela e contos ambientados em Belém do Pará e na ilha de Marajó.
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