RAY CUNHA
BRASÍLIA, 16 DE OUTUBRO DE 2017 – A língua da sra. K, 75 anos, apresenta profunda fissura longitudinal no centro, é vermelha e seca, e a ponta é rubra; foi-lhe extirpado um cancro maligno no seio direito; sua região cervical é dura como pau; é insone; sofre de constipação intestinal; é controladora; e ingere 15 medicamentos por dia. Seu pulso do coração é quase contínuo, uma oitava acima; o do fígado lembra o som de uma corda de violão muito esticada; e não há pulsação no rim.
Na Medicina Tradicional Chinesa (MTC), a anamnese, do grego ana, trazer de novo, e mnesis, memória, é fundamental para que se chegue ao diagnóstico, daí porque a conversa entre terapeuta e paciente deve ser estimulada enquanto durar o tratamento. A anamnese me lembra um desses filmes policiais em que o investigador entre numa casa, à noite, em busca de uma pista que o conduza à elucidação do crime. Não liga nenhuma lâmpada para não chamar atenção, principalmente do criminoso, e assim utiliza sua lanterna de bolso. De modo que somente lá pela décima sessão é que encontrei a pista que estava procurando. A sra. K foi traída pelo marido e seu filho caçula matou-se aos 21 anos.
Todas as doenças, sem exceção, surgem na mente e se refletem no corpo. O Universo funciona mais ou menos assim: existe a Lei, a que chamamos também de Deus. A Lei ordena tudo o que há no Universo, nada escapa à sua ação. Ela não é boa nem má, é a Lei. O Homem, que é mente, materializa-se na Terra em um processo de evolução infinito, nasce com livre arbítrio e é também criador. Nessa caminhada, o Homem cria ilusões, sempre na mente; são ilusões porque não se harmonizam com a Lei, razão pela qual o destino final dessas ilusões é desintegrarem-se.
Tudo o que se passa na mente se reflete no corpo, por meio dos sentidos, de modo que as ilusões também se refletem no corpo, que, por sua vez, se submete às leis físicas. A matéria é mutável e finita, e quando é atingida pela ilusão mental, degenera-se precocemente; são as doenças.
No caso da sra. K, ela vive no passado, juntamente ao seu filho caçula; mas o passado não existe mais, o que faz com que a sra. K se transforme em zumbi. Os zumbis são mentes deslocadas do agora, e a eternidade é agora. Os corpos dos zumbis apresentam-se deteriorados, ou doentes, porque estão deslocadas do agora. Sempre que tentamos nos situar no passado ou no futuro surge o estado de tensão, o que no caso da sra. K manifestou-se como cancro no seio favorito do filho, quando era bebê.
A sra. K nutre ódio pelo marido, que trocou-a por uma mulher muito mais jovem do que ela. O ódio, mais 15 medicamentos que toma por dia, incendiou seu fígado e as chamas subiram até o coração.
Ela tem mais dois filhos, casados, e mesmo assim tenta controlá-los, além da sua governanta; tudo tem que ser do jeito da sra. K. Pessoas controladoras contraem aterosclerose e seus pescoço e ombros ficam rijos como madeira, e acabam pegando fogo também.
Tratei a senhora com acupuntura, fitoterapia, alimentação energética e tuiná, a massagem terapêutica chinesa. Ela melhorava alguns dias, mas os sintomas voltavam. Quando identifiquei a origem da angústia da sra. K, expliquei-lhe como funcionam o mundo material e a mente. Que a vida material é a manifestação da energia pré-celestial, situada num xacra entre os rins, e que ela vinha jogando pelo ralo essa energia, ou seja, a própria vida, ao incendiar seu próprio corpo.
A solução – disse-lhe – consistia em três agulhas: uma delas é a prece, a conexão com o orbe espiritual, onde seu filho a procura, sedento do seu amor. A outra agulha é o perdão, pois só com o perdão ela voltará a amar novamente o pai dos seus filhos, e compreenderá que ele não é propriedade dela. A terceira agulha é a alegria, que alimenta a vida.
Somente os pacientes têm o poder de curar suas mazelas. O terapeuta é apenas instrumento da Lei.
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