RAY CUNHA
Degustava um Illy no café de uma livraria no Pátio Brasil quando a vi. Senti imediatamente seu perfume, que se misturou ao sortilégio do espresso, o aroma dos melhores arábicas do mundo. À sua passagem, infinitas possibilidades se iluminaram; de repente, velhos prazeres esquecidos, projetos de viagens adiados, sensações adormecidas, acordaram à sua passagem.
Entendo que seda é o melhor
tecido para sugerir as curvas de uma mulher, para desenhar, na nossa
imaginação, seus encantos inacessíveis, para exalar a química do prazer que
captamos com as antenas dos sentidos, e ela trajava um vestido de seda amarelo,
estampado com rosas colombianas vermelhas.
Seu andar – andar, não, trote –
tinha a cadência das potras nascidas em cavalariça de ouro, trotar de bailarina
clássica, o caminhar de mulheres sobre saltos tão altos que as fazem andar na
ponta dos pés. E o vestido de seda lhe desenhava as formas no seu passeio pelo shopping.
Tudo foi num instante, mas na
dimensão em que a vi pude examiná-la minuciosamente. O primeiro impacto que
sofri ao vê-la foi uma sensação tátil: a sua pele de jambo maduro, sedosa como seu
vestido. Tinha nariz português, boca de negra e olhos verdes. Dentro do
instante intenso, viajei, instantaneamente, à velocidade da luz, à Estação das
Docas, em Belém, e fui também à Macapá, onde a Linha Imaginária do Equador faz
esquina com o maior rio do mundo, e o rio Amazonas me conduziu ao Caribe de
Gabriel García Márquez.
A negra misteriosa passou rente a
mim e me ofertou seu perfume, que identifiquei imediatamente: Chanel 5, o que
mais gosto de aspirar na pele feminina. Ela passou tão rente a mim que tive a
sensação de que a seda do seu vestido roçou no meu cérebro. Quis ficar ali,
naquela eternidade, sentindo-me cair para cima, numa sequência infinita de
gozos múltiplos, só de observá-la, mas o compromisso na embaixada de Portugal acertou-me
em cheio na cabeça, como um tiro que nos reconduz à rotina. Dali a pouco
estaria bebericando vinho do Porto no Instituto Camões.
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