RAY CUNHA
Durante muito tempo, o Café Doce Café reinou como um dos
pontos mais aprazíveis do meu circuito nas entranhas de Brasília. Localizado no
átrio do Conjunto Nacional, constituía-se em mirante de onde podia apreciar,
sem ser notado, as mulheres lindas que passavam por ali, algumas tão
monumentais que faziam justiça à arquitetura de Oscar Niemeyer. Muitas delas,
antes de sumir nos labirintos do shopping, tornavam o dia mais luminoso,
fazendo uma parada no café. De lá, eu costumava ir à antiga livraria Sodiler – depois,
La Selva, seguida de uma loja de calçados, e, agora, parece-me que uma loja de
roupas.
Um dia, arrancaram a maior parte do balcão de mármore do
Café Doce Café e o substituíram por vidro, para que as pessoas pudessem ver os
salgadinhos. Continuei a frequentá-lo, mais pelo mirante do que pelo café, que,
aliás, sempre foi robusta, aquele tipo amargo, barato, das lanchonetes
populares. Durante algum tempo, mantiveram as colherinhas de metal e as xícaras
e pires clássicos. Mas isso não durou muito; as colheres foram substituídas por
hastes de plástico, e os pires e xícaras de desenho clássico foram-se
trincando, quebrando, até serem substituídos por louça horrorosa, além de que o
balcão de mármore sofreu nova e drástica redução. Assim, tive que descobrir
novos mirantes, como o Kopenhagen, no segundo piso do shopping, ao lado da
livraria Saraiva.
A propósito, o problema da Saraiva é música ambiente. Há
sempre um desses dançarinos-cantores unissex guinchando nos alto-falantes da
loja. Voltando à Kopenhagen, é bastante agradável, os móveis são de palhinha e podemos
descortinar o passa-passa numa grande área do shopping – verdadeiro laboratório
literário. Além disso, a colherinha é de metal e o café, blend.
Sou apreciador de café espresso. Comecei a degustá-lo na
companhia de um amigo de infância, o jornalista Ribamar Teixeira, que, como eu,
é brasiliense de Macapá. Eu já li bastante sobre café e fiz dois cursos de
barista, por curtição, com o ítalo-brasileiro Antonello Monardo.
Café espresso recebeu esse nome porque foi inventado pelos
italianos. É tirado por pressão, daí o “espresso” italiano, que, vertido para o
português, virou, para muita gente, “expresso”, o que lhe dá a conotação de que
é um café tirado rapidamente. Muitos não tomam espresso por duas razões: ou
estão habituados ao chafé de botequim, conhecido como carioca, ou acham que é muito
forte. Neste caso, é só tomar um curto.
É o seguinte: café contém mais de mil essências nutritivas.
Ao se tirar um espresso, essas essências são encontradas somente na primeira
parte que cai, ou seja, na metade da xícara de 30 ml; o restante é pura
cafeína. Assim, um curto é a meia xícara do primeiro café tirado – trata-se,
portanto, de um café encorpado, aromatizado e revigorante.
Tem mais uma questão importante. Há dois tipos de café:
robusta e arábica. O robusta é resistente à praga e por isso mais barato, mas
tão amargo que só entra com muito açúcar. É servido em toda parte; somente as
cafeterias de primeira linha servem arábica, um café encorpado, aromático e
naturalmente adocicado.
O mais famoso do mundo é o italiano Illy, blend dos melhores
arábicas do planeta, especialmente do sul de Minas Gerais. A fábrica fornece
sachê de Illy para todo o mundo. A primeira vez que experimentei um Illy foi no
Saborela, na 112 Norte, Bloco C, Loja 38, tirado pelo barista Bruno Kzam.
O café arábica do sul de Minas Gerais, maior produtor do
Brasil (e este, maior produtor do mundo), é um dos melhores do planeta. É
leiloado. Oitenta por centro ficam com os alemães. Os japoneses também são
grandes compradores. Em Tókio, um espresso custa pelo menos US$ 5.
Meu café preferido é 3 Corações, gourmet (arábica e sem
impurezas). Eu mesmo o tiro ao coador, ainda de madrugada, quando me levanto. À
tarde, costumo tomar um espresso, confortavelmente instalado num mirante.
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