RAY CUNHA*
A tarde imobilizava a cidade com um bafo quente, afrouxando
o ânimo, escoando energias, lenta como lesma. Os dois rapazes e quatro moças
comiam sanduíches e tortas com refrigerante na lanchonete. Eram estudantes. Haviam
saído cedo da faculdade, que ficava ali perto. A três mesas deles encontrava-se
um velhote empertigado lendo O Globo.
Os garotos olharam para ele numa sequência de cochichos, rindo furtivamente,
enveredando numa conversa sobre o quanto a velhice era ridícula. Um deles mostrava-se
preocupado porque era o mais velho da turma, completara 21 anos e sentia-se
envergonhado, um avô. A mais jovem, de 17 anos, sentia-se ansiosa, pois ainda
faltavam seis meses para completar 18 anos. “Quando isso acontecer” – pensou –
“vou mostrar ao meu pai quem manda na minha vida.” Imaginava-se voltando para
casa com o sol nascendo, depois de uma noitada com seu gatão, aquele rapagão de
um metro e oitenta, olhos verdes, moreno claro, os cabelos caindo na testa e
aquele beijo que ia até a garganta.
O que é a velhice. Por que a velhice arrepia os cabelos de
tanta gente? Por que muitos a entendem como doença? Por que inspira tanta
repugnância? A preocupação com a velhice perpassa idades, gêneros, etnias,
regiões e sociedades. Do ponto de vista da Medicina Tradicional Chinesa,
velhice é quando a energia pré-celestial – aquela que garante o desenvolvimento
do feto, o crescimento do corpo e a manutenção da vida até a morte – vai para o
ralo; do ponto de vista existencial, é a aproximação natural da morte física,
quando a energia vital vai se acabando, os órgãos começam a falhar e a defesa
orgânica cai para zero.
O desdém que algumas pessoas dispensam aos velhos decorre de
dois fatores: um, a forte animalidade principalmente dos jovens, para os quais
a morte, e a velhice, não existem no seu estado de consciência, onde só há
beleza, vigor, primavera. O outro fator é o apego, a ilusão de que nossas
quatro dimensões são para sempre. Notaram que as crianças não excluem os
velhos? Pois elas ainda têm aberto o portal que transcende as quatro dimensões,
e que só pode ser transposto por meio do não apego.
Mas o tempo só existe no mundo material. Somos espíritos, e
na dimensão espiritual não existe tempo. Existe a eternidade, o agora. O fato é
que o tempo nem é importante. Importante é a energia. Há velhos que jamais
deixam de amar, de trabalhar, de produzir, de ajudar os jovens a construírem
seus mundos. E há os que morrem mentalmente, mas seus corpos continuam vagando
por aí, deteriorando-se. A energia está, pois, na mente; os corpos são apenas
prisão, da qual saímos porque amamos.
Como terapeuta em Medicina Tradicional Chinesa, atendo dezenas
de pacientes por mês; expressiva parcela deles sente mais medo da velhice do
que da morte, porque associam a velhice à tragédia, à dor, a sofrimento, a
doenças degenerativas, à feiura, a lixo, ao fim dos prazeres mundanos, à renúncia,
ao nada. Mas quando vivemos o agora não morremos nunca. Cinquentão quando me formei
em Medicina Tradicional Chinesa, na Escola Nacional de Acupuntura (ENAc), ouvia,
de vez em quando, nos corredores da escola, que um acupunturista é realmente
bom com 20 de atividade. Não estará velho demais daqui a vinte anos? Ouvia, em
perguntas não verbalizadas, formuladas em olhares zombeteiros dos que ainda
sentem o sabor de imortalidade física da juventude. Não! A eternidade é agora.
E a Medicina Chinesa é tão generosa que, por pouco que se conheça dela,
aplicada ao paciente, e à própria vida, proporciona felicidade inesgotável.
Falar em sabor de imortalidade física, senti isso durante
muito tempo, ainda quarentão. Lembro-me que aos 21 anos sentia-me fisicamente um
deus, e podia ouvir, às vezes, a noite inteira, a música que só as mulheres
sabem reproduzir dos abismos labirínticos das suas almas, os sons que somente
as rosas vermelhas vibram e os jasmineiros choram. Mas quando quis peitar o
mundo com a força dos meus músculos, me senti esmagado. Cheguei a flertar com a
morte; queria enfrentá-la. Mais tarde, lendo o filósofo japonês Massaharu Taniguchi,
descobri que só há morte física, que o mundo material é limitado, inclusive
pela morte, mas o Caminho é eterno, nas suas inúmeras dimensões.
A vida carnal, a parte espinhosa do Caminho, pode durar o
instante da concepção, e pode passar dos 100 anos. Às vezes, nossa missão só
pode ser cumprida durante longa caminhada, ao cabo da qual nosso corpo,
exaurido, estará enrugado, os cabelos terão caído; os lábios, os seios, o pênis,
os músculos, estarão murchos; os ossos, quebradiços; o coração, fraco. Mas isso
só incomoda as pessoas apegadas à matéria. Pois que é a vida material senão uma
caminhada repleta de obstáculos, caminhada evolutiva, oportunidade para o espírito
ascender?
Todos nós temos encontro marcado com a vida, permanentemente.
E o que é a vida senão amar? Às vezes, aqui no mundo material, tudo fica tão
maçante, tão chato, e de repente uma rosa incendeia de amor o coração, e então
o Qi da alegria transforma de novo a vida num jardim, e sentimos que a
eternidade é agora, intensa, mergulho para cima no jamais se extingue. Ser jovem
é possuir a eternidade das rosas, que são indestrutíveis na sua poesia.
Já estou descendo a ladeira da existência material, sem
freio, mas essa velocidade é nada perante o cheiro azul do mar, o perfume das
virgens ruivas, o orgasmo das rosas colombianas vermelhas, o triunfo da luz. De
tanto ouvir o riso das crianças, de observar as rosas, de sentir os jasmineiros
umedecendo as noites tórridas do trópico, e o cheiro do mar, de tanto montar a
luz e sentir o cataclismo do primeiro beijo, e de ouvir o atrito da Terra no
espaço, como música de Mozart, transcendi o tempo.
Masaharu Taniguchi disse que o mundo físico é apenas criação
da mente; o segredo para entendermos isso está no iceberg da vida. Como bem
observou o criador de O Velho e o Mar,
Ernest Hemingway, o iceberg flutua com tanta elegância porque sete oitavos
ficam submersos e somente um oitavo aparece fora d’água, o equivalente ao mundo
físico, limitado pelo espaço e pelo tempo. Os sete oitavos dentro da água podem
ser identificados como realidades múltiplas, universos multidimensionais, ou
qualquer outra coisa que se aproxime do que rotulamos de realidade. E o que é
realidade? Matéria? Sonho? Poesia? Gosto de pensar que realidade é o nada, o éter,
algo que apenas flui, e que sou leão de asas.
Biliografia
DUKAN,
Pierre. A escada Nutricional: Uma alternativa ao método Dukan clássico. Rio de
Janeiro: BestSeller, 2015.
GERBER,
Richard. Medicina vibracional: Uma medicina para o futuro. São Paulo: Cultrix,
2007.
KARDEC,
Allan. O livro dos espíritos – 23ª Edição. São Paulo: Instituto de Difusão
Espírita, 1984.
MACIOCIA,
Giovanni. Os fundamentos da Medicina Chinesa. São Paulo: Roca, 2007.
MIYAURA,
Junji. Os 5 corpos do ser humano. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil, 2016.
PINHEIRO,
Robson: pelo espírito de Joseph Gleber. Medicina da alma – 2ª Edição. São
Paulo: Casa dos Espíritos, 2007.
TANIGUCHI,
Masaharu. A verdade da vida – 1º Volume. 8ª Edição. São Paulo: Seicho-No-Ie do
Brasil, 1992.
*RAY CUNHA é autor do romance FOGO NO CORAÇÃO, trabalho de conclusão do curso de Medicina Tradicional Chinesa da Escola Nacional de Acupuntura (ENAc), ambientado no mundo da Medicina Chinesa, em Brasília. FOGO NO CORAÇÃO e outros livro do autor poderão ser adquiridos na Amazon.com.br ou no Clube de Autores.
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