BRASÍLIA, 18 DE ABRIL
– Descobri que meu negócio para o resto da vida era ser escritor na década
de 1960, em um portal na casa da minha infância, na Rua Iracema Carvão Nunes,
ao lado do Colégio Amapaense. O Quartinho era do meu irmão Paulo Cunha. Em
1960, eu tinha 6 anos e ele, 18. Para mim, ele era o cara mais bonito de
Macapá. Pugilista, campeão de natação, líder estudantil no Grêmio Literário Ruy
Barbosa, do Colégio Amapaense, poeta, e belo. O interessante é que o Quartinho
era um portal que se abria para o Cosmos. Foi quando comecei a frequentá-lo que
descobri que era possível viajar por todo o planeta e até nas galáxias. O Paulo
já era leitor compulsivo e no Quartinho havia todo tipo de gibi, revistas mensais
(as semanais ainda não existiam no Brasil) brasileiras e americanas, e livros,
ensaios e ficção, brasileiros e estrangeiros. Jamais deixei essa nave; vivo
nela. Graças ao Paulo, que aniversaria hoje.
Em 1972, aos 17 anos, saí pela primeira vez de Macapá. Fui a
Belém. A Cidade das Mangueiras me fascinou. Naquela época, o Paulo estava
morando em Belém, em um hotel no centro da cidade, onde ocupava um quarto de
tamanho razoável. As paredes do quarto eram estantes do chão ao teto, com tudo que se possa imaginar em termos de literatura. De novo embarquei numa
viagem permanente.
Xarda Misturada
foi meu batismo de fogo como escritor, como observou o poeta Isnard Brandão
Lima Filho; o livro que publicamos, Joy Edson (José Edson dos Santos), José
Montoril e eu, foi lançado em dezembro de 1971, com meus poemas de adolescente,
minhas primeiras escavações nos veios do coração. Eu começara a escrever aos 13
anos, pequenas pepitas, pedrinhas, que eu ia lapidando por meio de árduo
trabalho, às vezes escondido, porque não me rendia nenhum dinheiro, e aos olhos
da sociedade macapaense parecia trabalho perdido, vadiagem, vagabundagem. Mas,
para mim, até hoje, escrever é o combustível que me leva às galáxias.
Em 1975, em plena fase Na Estrada, que durou de 1972 até
1982, visitei o Paulo e família em Santarém, onde ele passara a morar em casa
própria. Agora, a biblioteca dele ocupava toda uma sala. A sensação era sempre
a mesma, quando, aos 12, 13 anos, descobri, nas estantes dele, Hemingway,
Fitzgerald, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, Antoine de Saint-Exupéry, uma
turma da pesada, a história da Humanidade e atlas que me levavam aonde quer que
eu quisesse ir.
Um dia ele me salvou a vida. Entalei-me com batata doce e
estava morrendo sufocado quando me deu um soco nas costas e um bolo saltou da minha
boca na parede.
Lutando boxe, nadando, na companhia das gatas que ele
namorava, escrevendo poemas, declamando-os, era sempre um modelo para mim. E
jamais disse algo que me ferisse, e sei que sempre me protegeu, como fazem os
irmãos mais velhos.
Convivemos durante todos os anos da década de 1960, quando
cada qual tomou seu rumo. Ele vive hoje em Belém, com sua família – a esposa
Sônia e os filhos Paulinho e Alice –, e conserva o mesmo charme, a leveza do
pugilista que foi na juventude, e aquela marca nos olhos, de quem viaja pelas
galáxias.
Quanto a mim, permaneço no comando da minha nave, em
velocidades cada vez mais incalculáveis, movido pelo combustível que todas as
pessoas que me amam despejaram no tanque do meu coração, combustível azul como o
céu de julho, ao anoitecer, em Macapá. Tão azul como um salto quântico.
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