Estou só, na tarde. A tarde está sempre cheia de mistérios.
Visto uma camisa branca de algodão, calças e blazer azuis de linho, e sapatos
pretos de couro. Meu rosto está bem barbeado e recendo a La Nuit de L’home, e
assim misturo-me aos murmúrios e cheiros da tarde. Fragrâncias do mar, vindas
do meu coração, amalgamam-se ao perfume das virgens ruivas. A tarde é azul, tão
azul que escorre numa tela de Olivar Cunha. Ouço sussurros, como o roçar dos
lábios de uma mulher de olhos verdes, mas sei que são apenas sons da tarde.
Estou só, na tarde, pois minha amada viajou. Assim, navego
no rio da tarde ao encontro da minha amante. Meus passos me levam a um café no
Setor Hoteleiro Sul. Há tantas mulheres lindas no café! Duas conversam sentadas
em um sofá. Uma é loira e seus olhos são azuis como a tarde; a outra é ruiva, e
seus olhos se confundem com esmeraldas. Riem. Seus risos são cristalinos como
crianças recém-lavadas, ao sol matinal da primavera. Conversam tão animadamente
que seus lábios, grandes e vermelhos, parecem uma dança. Degusto o primeiro coquetel
do dia. Preparo-me para quando minha amante chegar.
A tarde agoniza. Morre como uma rosa, que, depois de se
tornar a joia mais delicada, bela e preciosa do mundo, deixa eterno rastro de
luz. Assim desliza o rio da tarde. Logo a cidade será um transatlântico
iluminado, com as criaturas mais esplendorosas do universo, que são as mulheres,
espargindo seu perfume, como jasmineiros em tórridas noites em Belém do Pará.
Uma jovem mulher passa ao meu lado, quase roçando em mim.
Volto-me para vê-la. É uma negra em vestido de seda, tal qual uma que vi na
Estação das Docas, em Belém. Talvez fosse da Guiana Francesa, ou de Trinidad e
Tobago, ou da Martinica. Falar em Martinica, se Hemingway estivesse aqui comigo
eu o convidaria para pescar ao largo de Sucuriju, no Amapá. Bem que Fernando
Canto poderia estar comigo nesta tarde, que morre. Mas o poeta tem suas
próprias tardes, que são, certamente, emersas no perfume das virgens ruivas, e
mar, pois o poeta decifrou a dimensão da intensidade e tem olho clínico para cheiro
de maresia.
Não tenho nem Hemingway, nem Fernando Canto, nem a mulher
amada. Só me resta esperar mais um pouco para cair no colo da minha amante.
Ela chega suavemente,
e, quando a percebo, sua luz ofuscante entra nos meus sentidos e me conduz à
dimensão do primeiro beijo. Nunca estamos preparados para a intensidade da
amante, que é puro mistério, é amante de todos os homens, e, principalmente, de
todas as mulheres. Ela é a noite.
Nenhum comentário:
Postar um comentário