Anjos: Minha princesa, Iasmim; tia Graça; eu e minha gata, Josiane Souza Moreira |
Genro, Eduardo Yamamoto Moriya, e Iasmim |
BRASÍLIA, 11 DE
DEZEMBRO DE 2019 – A vida fica mais lenta após o infarto do miocárdio, e
sentimos um pé no vazio e no silêncio. Como o coração é o órgão que digere os
sentimentos, advém uma sensação de fim de linha, logo superada, quando nos lembramos
das rosas e do mar. Depois do infarto não há mais urgência, e nos apegamos
ainda menos a tudo. E quando tudo passa, logo depois daquela dor pungente, nem
os livros que escrevemos nos importam mais, até porque eles não são mais
nossos; são de quem os ama. Será que alguém ama alguma das histórias que criei?
Creio que não. Talvez ame um verso, ou só o título de um conto, quando muito. Mas
que importa, agora, depois do infarto?
As dores começaram há muito tempo, alimentadas por exageros
inacreditáveis, mas dos quais não me arrependo, porque o passado não existe.
Como, não existe? Alguém pode provar que o passado existe? Só existe o agora, e
agora estou escrevendo este texto sobre o passado. Então, o passado é só isto:
um texto. A primeira estrela explodiu na madrugada de 12 de novembro. Fui a
nocaute. Mas não estava mais raciocinando direito, e pensei que fossem
prosaicos gases. De manhã, fui caminhar, com minha gata, Josiane, no Parque da
Cidade, mas me faltou ar e voltei para casa. Minha gata queria me levar
imediatamente para o pronto socorro, mas resisti.
À tarde, fui ao supermercado, parando no caminho todo. Já
não raciocinava mais. Na madrugada do dia 13, uma quarta-feira, as estrelas
começaram a explodir, uma a uma. Enquanto minha gata chamava o Uber, peguei uma
agulha de acupuntura e furei meus dedos dos pés para sangrá-los, aliviar a
tensão e chegar a tempo no Hospital Brasília, no Lago Sul. Quando chegamos,
enquanto minha gata cuidava da papelada, entrei na sala do clínico geral para
ele preencher a papelada dele. Então gritei, o mais alto que pude: – Estou
sofrendo um infarto!
Para ver como são os hábitos. Em vez de usar o neologismo “infartar”,
mais direto, rápido, disse que estava sofrendo um infarto. Mas surtiu efeito. O
clínico geral renunciou à anamnese, me pôs numa cadeira de
rodas e minha gata levou-me para a antessala de cirurgia, onde uma equipe
médica se reuniu. Uma enfermeira perguntou o que eu estava sentindo. – Infarto!
– gemi.
Eram 5 horas, a mesma hora de quando eu nasci, quando o dr. Fabio
Feurharmel Giuseppin começou a intervenção. Apaguei. O dr. Fabio introduziu por
meio de um cateter na artéria do braço direito um stent na desembocadura da principal
artéria do coração, que estava entupida. Aí, fui levado para a UTI.
Passei a quarta-feira enjoado. Quase não comi nada, e vomitei.
No dia seguinte, amanheci com fome, tomei banho e caminhei pelos corredores do
hospital ao lado de uma enfermeira bonita como uma modelo, de modo que quando o
dr. Fabio foi me visitar me encontrou rindo e inventando que tentei fugir do
hospital, de camisola, mas fui identificado e detido no outro lado da rua e
conduzido para a UTI.
Mais tarde, inventei que à meia-noite um paciente internado
na UTI arrancou todos os fios ligados a ele e foi à lanchonete, onde pediu 10
quibes e um litro de Coca-Cola, aí, foi agarrado e descobriram que se tratava
de um gorila, pet de um sujeito que adorava o gorila e não queria interná-lo
numa clínica veterinária. Então me alertaram que os enfermeiros poderiam ouvir
aquelas histórias e pensarem que eu estivesse louco, e eu acabasse na ala dos
alienados. Fazia sentido.
Sexta-feira, comecei a sentir tédio, e fui informado de que
quanto mais eu caminhasse, mais cedo receberia alta. Então, na companhia de um
enfermeiro tão jovem que parecia um garoto, andamos por todo o jardim, que tem
um lago cheio de carpas e tilápias e quatro mangueiras. No mesmo dia, pedi para
deixar a UTI e sábado de manhã fui para um apartamento. Domingo, eu estava
inquieto. Quando o médico do dia, dr. Samuel Abner da Cruz Silva, chegou, conversei
com ele e depois de me examinar e fazer várias perguntas, convenceu-se de que
eu estava realmente bem, e me deu alta. Voltei para casa.
Aos poucos, volto a sentir os rumores do Sudoeste, do quarto
andar do meu prédio, e o cheiro do Parque da Cidade, a sentir a pele da minha
gata quando a madrugada é a única coisa que existe no mundo, e voltei a
percorrer minha estante, a voltar a trabalhar em um novo livro e a sair de vez
em quando. Depois do infarto, basta a lembrança dos que amamos para que nos
sintamos o homem mais forte do mundo, o mais rico, mais feliz.
Depois do infarto, sinto, urgentemente, que nada é mais
importante do que amar, pois o amor a tudo aplaca e cura, e que devemos ser
felizes, pois o riso e o perdão são pepitas de luz que depositamos no coração
dos que nos amam. E é por eles, os que nos amam, que devemos superar o infarto,
e, quando for a hora, partir discretamente, sem que ninguém perceba, para as
estrelas. E já sei como é lá, devido às orações que recebi!
Saúde amigo.
ResponderExcluirOlá amigo. Essas coisas são imprevisíveis. Que bom que foi socorrido a tempo. Eu já passei por isso. Enfim, cuide-se bem! "Eu quero lhe ver com saúde, e sempre de bom humor e de boa vontade. Deus no comando!
ResponderExcluir