BRASÍLIA, 21 DE
JANEIRO DE 2020 – Outro dia, conversando com um amigo meu, crítico literário,
falávamos sobre livros clássicos, revolucionários, que mudam o modo de escrever
dali para frente. Durante a conversa, saiu como um expletivo, perguntei-lhe:
– E Dan Brown?
Ele deu um pulo e fez cara de nojo.
Quando perguntei isso a ele, foi pensando em um fator que
fez de mim um leitor inveterado de livros policiais e de detetive, e cinéfilo de
filmes do gênero. Dan Brown é um mestre em criar tramas intensas. Mas no seu
último livro, Origem, ele perdeu o
prumo. A sinopse de Origem é sobre um
gênio da informática, bilionário, ateu, que prepara um show para dar uma
informação mundial que levaria ao fim das religiões: a resposta às perguntas:
de onde viemos e para onde vamos?
A meu ver, o livro tem um problema: é cansativo, pois faz
longas digressões pela arte espanhola e desvia-se por um caminho secundário
abordando o fanatismo dos espanhóis pela Igreja e o saudosismo pelo ditador nazista
Francisco Franco por parte das gerações mais velhas, além de que a grande
informação do cientista, que revolucionaria a Humanidade, é chinfrim.
Fora isso, Origem prende
o leitor do início ao fim, ao longo de mais de 400 páginas, e contém algo que
acaba lembrando obras canônicas. Da mesma forma que os suecos Stieg Larsson e
David Lagercrantz, da Série Millennium, é um mergulho no uso da internet, Origem pula de cabeça na inteligência
artificial.
A Humanidade, desde os primórdios da História, sempre travou
um embate entre religião e ciência. Houve uma época em que a Igreja Católica
Apostólica Romana dominou a Europa e as Américas através do terror, e tentou agarrar
também o Oriente, até que a ciência mostrou que a coisa não passava de luta
pelo poder, por domínio e dinheiro.
Ao longo da História, sempre houve avatares, espíritos
ascensionados, como Buda e Jesus Cristo, ou os grandes cientistas da Grécia
clássica, entrando pelo Renascimento e pela informática. Mas foi no século XIX
que houve a explosão do espiritismo, a consciência de que somos seres
espirituais; hoje, os títulos com esse tema tomam conta de um bom pedaço das
estantes das livrarias.
Neles, há informações, inclusive endossadas pela ciência, de
que viemos de uma consciência sem início e sem fim, onipresente, que costumamos
chamar de Deus, e que retornaremos a Ele.
Cientistas já tentaram criar a sopa primordial para ver se
dali surgiria vida, mas não surgiu nada, pondo por água abaixo o evolucionismo.
Nossos corpos são fruto de inteligência artificial de engenheiros siderais;
usamos esses corpos como escafandros aqui na Terra. No fim das contas, todos
são espíritos. A diferença, aqui neste mundo material, é que uns acreditam que
são matéria mesmo, enquanto outros desenvolvem sua mediunidade e assim utilizam
com sabedoria livre arbítrio.
Desde sempre os escritores fazem estas perguntas: De onde
viemos? Para onde vamos? Entre uma e outra, permeia a existência humana. Aos
poucos, principalmente a literatura e o cinema, vão entendendo, às vezes na
diagonal, como em Origem, que nossos
corpos nada mais são do que ciborgues, configurados pela família, pela religião,
pela academia e pelo patrão. Há até profissionais nessa área: são os coachings,
que preparam o trabalhador para virar escravo.
Se Origem não é
literatura canônica, e nem é um dos melhores momentos de Dan Brown, é um tour
por um dos países mais encantadores da Europa: a Espanha. E uma crônica do pós-modernismo.
Nele, temos a sensação de que o homem não vive mais sem a máquina; ninguém
larga o telefone celular.
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