Ray Cunha, em 2019, de panamá comprado em Pirenópolis/GO |
BRASÍLIA, 5 DE FEVEREIRO DE 2020 – Nasci em 7 de agosto de 1954, em Macapá, cidade encravada no
cruzamento da Linha Imaginária do Equador e da margem esquerda do rio Amazonas,
então um povoado ribeirinho afogado no meio do mundo, mas nunca me senti emparedado
na solidão dos povoados amazônicos, porque, aos 5 anos, os gibis, e depois
revistas de informação e livros, de todos os gêneros, me inocularam o vírus da
aventura, de modo que aos 13 anos eu já tinha viajado meio mundo, e, aos 14, conversava
sobre filosofia e arte, e comecei a escrever, e, aos 17, recebi meu batismo de
fogo, segundo o poeta Isnard Brandão Lima Filho, lançando o livro de poemas Xarda Misturada, juntamente com Joy
Edson e José Montoril. Verdade seja dita, meus poemas eram os mais fracos do
livro, mas, naquele momento, tiveram poder propulsor, o poder de, mesmo sem nem
carteira de identidade, me mandar de Macapá, que começava a me sufocar. Então
parti de barco para Belém, de onde peguei carona para Brasília e para o Rio de
Janeiro, e passei 10 anos na estrada.
Aos 27 anos, cansado de navegar e de rodar, e ainda tonto de
um casamento frustrado por absoluto fracasso meu, comecei o curso de jornalismo
na Universidade Federal do Pará (UFPa), em Belém, quando reencontrei um velho
amigo, a quem chamarei de B. B media um metro e noventa, por aí, e pesava uns
100 quilos, tinha os olhos claros e exercia fascínio sobre as mulheres,
inclusive casadas. Embora depressivo e dipsomaníaco, quando começava a falar,
numa linguagem erudita e pessimista, assustava todo mundo. Nossa amizade se
desenvolveu porque havia uma coisa que interessava a ambos: livros, e
escritores. Li muitos livros recomendados por B, e gostei de todos, como O Apanhador no Campo de Centeio, de J.
D. Salinger, que comecei a ler em uma livraria de Niteroi, bebendo Bohemia.
Além de um dos leitores mais argutos que conheci, B era também mais experiente
do que eu, e, à sua maneira, sábio.
Certo dia, numa das pausas da bebida, B profetizou que nossa
geração só se tornaria sábia após os 60 anos. Estive, muitas vezes, à beira do
abismo; caí no poço dos prazeres mais carnais, e frequentei aquela zona
cinzenta dos alcoólatras, dos desesperançados, dos desesperados, dos danados,
dos mortos-vivos. Contudo, há sempre alguém, ou algo – uma lembrança, uma voz, o
voo em um sonho, uma rosa, o azul, o mar, personagens de ficção –, me
levantando.
Já faz tempo que comecei a descer a ladeira. Às vezes,
enfrento trechos muito inclinados, outros, alagados, mas cada vez mais encontro
bosques e manhãs ensolaradas. Se antes, aos 21 anos, sentia-me leão, hoje, sinto-me
leão de asas, como se montasse a luz, e comecei a descobrir o segredo da
velocidade quântica, alimentado pela visão de uma rosa que se desnuda, do azul
que sangra, por jasmineiros que choram nas noites ardentes, pelo som da Terra
no espaço.
Excelente! Como sempre
ResponderExcluir