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BRASÍLIA, 1 DE FEVEREIRO DE 2020 – No seu novo romance, JAMBU (Clube de Escritores/amazon.com, 2019), Ray Cunha escreve sobre Macapá: “Em 1738, colonos portugueses instalaram na margem esquerda do estuário do rio das Amazonas um destacamento militar, a Praça São Sebastião, depois Veiga Cabral, onde, em 4 de fevereiro de 1758, foi levantado o Pelourinho, símbolo do implacável poder lusitano, na presença do capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, fundando a Vila de São José de Macapá e selando o fim da nação que dominava aquela beirada de rio, o povo tucuju, do tupi tucumã, palmeira natural da Amazônia, de doces frutos oleosos, matéria-prima para suco, licor, mingau e sorvete.
“Em 1764, Portugal deu uma demonstração do seu poderio na
Amazônia, iniciando a construção de projeto do engenheiro militar italiano,
sargento-major de Infantaria Enrico Antonio Galluzzi de Mantova, ou
simplesmente Gallúcio: a Fortaleza de São José de Macapá. Em 2 de janeiro
daquele ano, o governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão,
Fernando da Costa de Ataíde Teive, saiu de Belém e foi até a vila de São José
de Macapá, juntamente com Gallúcio, para examinar o terreno, e, finalmente,
aprovar a planta geral da nova fortaleza do império português, que teve sua
pedra fundamental lançada naquele mesmo ano, na tarde de 29 de junho, sob a
invocação de São Pedro, na presença do governador Fernando da Costa de Ataíde
Teive; do comandante da Praça, coronel Nuno da Cunha Ataíde Varona; e de
Gallúcio e demais autoridades civis e religiosas de Macapá.
“As pedras da Fortaleza foram arrancadas da Cachoeira das
Pedrinhas, no rio Pedreira, distante 32 quilômetros de Macapá; descidas para o
rio numa rampa em torno de 10 metros de declive, eram transportadas em
embarcações pelo Amazonas até Macapá. Cada jagunço tomava conta de quatro
escravos, que, fracos pelo trabalho impossível, eram rasgados a chicotadas.
Muitos morreram supliciados, famintos, sem energia, e alguns conseguiram fugir
para o quilombo do Ambé. Em 27 de outubro de 1769, Gallúcio morreu de malária e
a direção dos trabalhos foi assumida pelo capitão Henrique Wilckens, até à
chegada do sargento-mor engenheiro Gaspar João Geraldo de Gronfeld. Em 1777,
morre o rei D. José, aos 27 anos, e o marquês de Pombal, então mentor do
poderio português na Amazônia, e protegido por D. José, é exonerado por D.
Maria I (1777-1816), que afunilou os gastos com a Fortaleza, de modo que ela só
foi inaugurada em 19 de março de 1782, dia do seu padroeiro, São José, 18 anos
depois do início da sua construção.
“Com 84 mil metros quadrados, em formato de polígono
quadrangular, muralhas de oito metros de altura, seu portão principal fica a
oeste, com duas pontes sobre um fosso, de que restam os vestígios, e que,
originalmente, seria inundado em todo o perímetro da construção. Pesquisa
comprovou que na parte erguida sobre terreno alagado foram utilizadas estacas
de acapu, o aço do reino vegetal. Na primeira metade do século XX, a Fortaleza
foi abandonada, e classificada, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918),
como fortificação de terceira classe. Em 1926, suas ruínas foram visitadas pelo
presidente eleito Washington Luís. Em 1943, é criado o Território Federal do
Amapá, e, em 1946, foi instalado na Fortaleza o Comando da Guarda Territorial,
então a polícia do Território Federal. Para isso, houve um trabalho de capina
interna e externa, com a retirada dos arbustos que vicejavam nas muralhas, bem
como a derrubada das árvores que cresciam nos terraplenos, e que acarretaram
danos estruturais. Também foram reconstruídos os oito edifícios ao redor da
praça, então completamente deteriorados, nos quais substituíram telhados,
portas, janelas e portões em madeira, pisos, muretas e rampas de acesso, e
foram desobstruídos os canais de drenagem de águas pluviais. Em 8 de julho de
1950, uma comissão do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Sphan) tombou o símbolo maior dos macapaenses, incluindo 54 canhões. A
Fortaleza serviu ainda de hospedaria a famílias de imigrantes; de cadeia aos
presos da Justiça; abrigou a Imprensa Oficial, o pelotão do Vigésimo Sexto Tiro
de Guerra, a União dos Negros do Amapá e o Museu Territorial; e virou palco das
celebrações de datas cívicas, marcadas por salvas de tiros dos canhões,
desfiles cívicos e bailes. Com a Ditadura dos Generais (1964-1985), voltou a
abrigar o comando da Guarda Territorial e passou a ser utilizada como presídio
político, mas também como Clube Social do Círculo Militar, em prédio no entorno
leste. Em 1975, a Guarda Territorial foi transformada em Polícia Militar e
sediada em prédio próprio, após uma onda de terror na cidade, que, segundo se
comenta até hoje, teria sido arquitetada pelas autoridades do Território
Federal com o intuito de forçar a criação da Polícia Militar. Em 1979, a
Delegacia do Serviço do Patrimônio da União (DSPU) entregou a Fortaleza ao
Governo do Território Federal do Amapá. Em 1988, a Constituinte transformou o
Território Federal em Estado do Amapá. Em 1999, após anos de restauração, a
Fortaleza é transformada em espaço de cultura e lazer para a população em
geral.
“Construída para resistir a uma força semelhante à da
marinha inglesa do século XIX, nunca foi atacada, exceto por um dos flagelos da
Amazônia, a malária, também conhecida como paludismo, impaludismo ou maleita,
doença infecciosa transmitida pela fêmea infectada do mosquito Anopheles e
provocada por protozoários do gênero Plasmodium, que, no sistema circulatório
do hospedeiro, vai parar no fígado, onde se reproduzem, provocando febre, dor
de cabeça e nas articulações, vômito, anemia, icterícia, hemoglobina na urina,
lesão na retina e convulsões, em ataques paroxísticos, com sensação súbita de
frio intenso, seguida por calafrios, febre e sudação, paralisia do olhar,
opistótono, convulsão, que pode progredir para coma ou morte. Tradicionalmente,
os casos graves são tratados com quinino administrado por via intravenosa ou
intramuscular. Não existe vacina contra a malária. As complicações a quem
resiste à doença são estresse respiratório e desconforto psicológico.
“Assim, a Fortaleza, maior ícone dos macapaenses, é a
tradução perfeita de Macapá. Construída por escravos, negros e índios, sob o
obsessivo domínio português, foi o cadinho no qual se forjou a etnia
macapaense. Os portugueses cruzaram com os africanos e geraram mulatos, e
fornicaram com os índios, formando uma população de mamelucos; os africanos
fundaram o distrito de Curiaú e o bairro do Laguinho, misturaram-se com os
índios e legaram cafuzos; e mulatos, cafuzos e mamelucos misturaram-se,
fechando o círculo, numa diversidade étnica viva nas ruas de Macapá, nas
nuanças de peles que vão do alabastro ao ébano, passando pelo bronze e jambo
maduro, unidos pelo sotaque caboco: a fusão do português falado em Lisboa,
doces palavras tupis, línguas africanas, patoá das Guianas, tudo triturado em
corruptela”.
Se no primeiro romance do escritor, A CASA AMARELA, a
Fortaleza de São José de Macapá, e a própria cidade, localizada no cruzamento
da Linha Imaginária do Equador com o maior rio do planeta, o Amazonas, servem,
nos anos de 1960, como geografia, física e humana, para ambientar os rangidos
que se ouviam, então, inclusive de dentes, em JAMBU, Ray Cunha transforma a
capital do estado do Amapá em um buraco negro, onde cabem toda a Amazônia, e as
discussões acaloradas em torno dela, incluindo a presença, na Hileia, de Ovnis
e ETs, e até mesmo o nascimento do país do Cruzeiro, que começou lá por cima.
Assim, enquanto Macapá, em A CASA AMARELA, surge, embora
trágica, como um grande baile nos anos revolucionários e dourados de 1960, em JAMBU,
a cidade do meio do mundo sedia o romance, e a Amazônia, servida para ser
degustada, como diz o título do romance, em uma cuia de tacacá.
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