sábado, 11 de abril de 2020

Léa Seydoux ao sol, no Sudoeste, em Brasília



BRASÍLIA, 11 DE ABRIL DE 2020 – De repente, o mundo amanhece numa ditadura chinesa, os shoppings estão fechados, os estudantes sumiram das ruas, o Parque da Cidade está deserto. Olho pela janela e vejo a manhã nua, não ouço nenhum riso de criança, e somente, aqui e ali, a nudez da manhã é quebrada por um velho, ou uma moça, conduzindo cachorros, o saco para recolher cocô numa das mãos, impondo à manhã mais solidão ainda. E me dou conta de que não há nada a fazer. Então, viajo para dentro. Trabalho, todos os dias, em novo romance, que, neste momento, é como um trem de alta velocidade que tomo a cada manhã; às vezes, ele se transforma em um Boeing.

Hoje, arrumei minha estante. A prateleira dos livros para ler ampliou-se. Nela, há de tudo: de Joseph Conrad a medicina tradicional chinesa, passando pela Fisiologia do Comportamento, de Neil R. Carlson, a Malabar Azul, de Isnard Lima Filho. Há também uma entrevista com Paulo Coelho na Playboy de agosto de 2008 e o Anuário Brasileiro de Pesca Esportiva de 2013, no qual quero reler sobre o maior marlim azul do mundo, que foi capturado na costa do Espírito Santo. São dezenas de livros, incluindo a Bíblia e Bhagavad-Gita, além dos que estou lendo ao computador.

Mas não leio por obrigação. Acho que leio um pouco por compulsão, porém mais por prazer, pois descobri, ainda cedo, que a vida é mental, que a experiência dos sentidos é quase sempre fugaz, exceto quando sentimos com o coração, como o primeiro beijo, que é como as rosas, pode até ser destruída, esmagada, mas a sensação dela na alma é para sempre.

Se nos sentimos felizes, bastamo-nos a nós mesmos, e não sentimos saudade dos ex-amigos, nem das grandes livrarias, nem do mar. Se nos sentimos felizes, tudo isso está dentro de nós.

Lá fora, há várias guerras. Uma, se trava contra o coronavírus; outra, contra os assaltantes soltos pelo Supremo Tribunal Federal; outra ainda, contra os traidores da pátria, um enxame mais voraz do que o dos vírus.

Às vezes, ouço música, inclusive Beatles, Amira Willighagen e Angelina Jordan, e, certamente, música caribenha. Depois do infarto, reduzi tudo o que pude em açúcar, e quase não janto mais. De vez em quando, estudo medicina tradicional chinesa. E acontece de eu atender um ou outro paciente ao telefone.

Li, recentemente, todos os Stieg Larsson, David Lagercrantz, Dan Brown e sete Luiz Alfredo Garcia-Roza, reli Os Tempos Insanos (My friend Mundico), de Fernando Canto, e visitei o Copacabana Palace e o Condomínio Chopin, na Avenida Atlântica, Rio de Janeiro, onde se passa um pouco meu próximo romance.

Mantenho-me ligado, também, ao artista plástico Olivar Cunha. Recentemente fui visitá-lo e antes que as coisas ficassem feias por causa do coronavírus batemos perna pelo litoral do Espírito Santo.

No Sudoeste, em Brasília, a noite feérica foi substituída pelo silêncio e as manhãs se transformaram em luz. Tomo sol pela janela e faço abdominal e apoio no quarto. Se me canso de ler, assisto a um documentário sobre a África ou, se tenho sorte, um John Wick, com Keanu Reeves. Sem Tempo Para Morrer, com Daniel Craig e Léa Seydoux, está prometido para novembro. Léa Seydoux é maravilhosa.

Reconheço que nestes tempos de quarentena alguns são privilegiados. Mas só temos o que merecemos. Alguns contam com a geladeira cheia de comidas gostosas e podem, de madrugada, ou em outras horas do dia, ouvir gemidos de rosas, sons de luz, que se diluem entre as estrelas, e, se for dia, misturam-se ao sol.

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