BRASÍLIA, 11 DE ABRIL
DE 2020 – De repente, o mundo amanhece numa ditadura chinesa, os shoppings
estão fechados, os estudantes sumiram das ruas, o Parque da Cidade está
deserto. Olho pela janela e vejo a manhã nua, não ouço nenhum riso de criança,
e somente, aqui e ali, a nudez da manhã é quebrada por um velho, ou uma moça,
conduzindo cachorros, o saco para recolher cocô numa das mãos, impondo à manhã
mais solidão ainda. E me dou conta de que não há nada a fazer. Então, viajo
para dentro. Trabalho, todos os dias, em novo romance, que, neste momento, é
como um trem de alta velocidade que tomo a cada manhã; às vezes, ele se
transforma em um Boeing.
Hoje, arrumei minha estante. A prateleira dos livros para
ler ampliou-se. Nela, há de tudo: de Joseph Conrad a medicina tradicional
chinesa, passando pela Fisiologia do
Comportamento, de Neil R. Carlson, a Malabar Azul, de Isnard Lima Filho. Há
também uma entrevista com Paulo Coelho na Playboy
de agosto de 2008 e o Anuário Brasileiro
de Pesca Esportiva de 2013, no qual quero reler sobre o maior marlim azul
do mundo, que foi capturado na costa do Espírito Santo. São dezenas de livros,
incluindo a Bíblia e Bhagavad-Gita, além dos que estou lendo
ao computador.
Mas não leio por obrigação. Acho que leio um pouco por
compulsão, porém mais por prazer, pois descobri, ainda cedo, que a vida é
mental, que a experiência dos sentidos é quase sempre fugaz, exceto quando
sentimos com o coração, como o primeiro beijo, que é como as rosas, pode até
ser destruída, esmagada, mas a sensação dela na alma é para sempre.
Se nos sentimos felizes, bastamo-nos a nós mesmos, e não sentimos
saudade dos ex-amigos, nem das grandes livrarias, nem do mar. Se nos sentimos
felizes, tudo isso está dentro de nós.
Lá fora, há várias guerras. Uma, se trava contra o coronavírus;
outra, contra os assaltantes soltos pelo Supremo Tribunal Federal; outra ainda,
contra os traidores da pátria, um enxame mais voraz do que o dos vírus.
Às vezes, ouço música, inclusive Beatles, Amira Willighagen
e Angelina Jordan, e, certamente, música caribenha. Depois do infarto, reduzi
tudo o que pude em açúcar, e quase não janto mais. De vez em quando, estudo
medicina tradicional chinesa. E acontece de eu atender um ou outro paciente ao
telefone.
Li, recentemente, todos os Stieg Larsson, David Lagercrantz,
Dan Brown e sete Luiz Alfredo Garcia-Roza, reli Os Tempos Insanos (My friend
Mundico), de Fernando Canto, e visitei o Copacabana Palace e o Condomínio
Chopin, na Avenida Atlântica, Rio de Janeiro, onde se passa um pouco meu
próximo romance.
Mantenho-me ligado, também, ao artista plástico Olivar
Cunha. Recentemente fui visitá-lo e antes que as coisas ficassem feias por
causa do coronavírus batemos perna pelo litoral do Espírito Santo.
No Sudoeste, em Brasília, a noite feérica foi substituída
pelo silêncio e as manhãs se transformaram em luz. Tomo sol pela janela e faço
abdominal e apoio no quarto. Se me canso de ler, assisto a um documentário
sobre a África ou, se tenho sorte, um John Wick, com Keanu Reeves. Sem Tempo Para Morrer, com Daniel Craig
e Léa Seydoux, está prometido para novembro. Léa Seydoux é maravilhosa.
Reconheço que nestes tempos de quarentena alguns são
privilegiados. Mas só temos o que merecemos. Alguns contam com a geladeira cheia
de comidas gostosas e podem, de madrugada, ou em outras horas do dia, ouvir
gemidos de rosas, sons de luz, que se diluem entre as estrelas, e, se for dia,
misturam-se ao sol.
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