O cineasta luso-amazonense José Gaspar foi um dos artistas que mais me influenciaram |
RAY CUNHA
Edição do Clube de Autores |
BRASÍLIA, 24 DE JUNHO
DE 2020 – Um dos grandes prazeres na vida é ter amigos. Eles nos amam, nos
engrandecem, nos enriquecem, nos transformam em luz, mesmo nos momentos mais
negros das nossas vidas. Por nos amarem, mesmo que estejamos presos, leprosos,
ou tenhamos caído em desgraça, estão sempre ao nosso lado, como anjos que não
nos abandonam nunca.
É claro que também amamos nossos amigos. Eu tenho alguns
amigos improváveis, como Ernest Hemingway, por exemplo. Embora, quando ele era
vivo, teria sido impossível conviver com ele, pois Hemingway era pugilista
amador peso-pesado e gostava de brigar, foi um dos maiores bebedores do mundo
em todos os tempos, atirava bem e era playboy. Se eu tivesse a oportunidade de acompanhá-lo
não duraria 48 horas; morreria antes disso de coma alcoólico. Assim, nossa
amizade foi sempre por meio da ficção. No meu romance A CASA AMARELA o Velhão,
como gosto de chamá-lo, está lá, bebendo e batendo papo.
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Há outros que, de tanto os ler e ler sobre eles, desenvolvi
forte amizade por eles, como Gabriel García Márquez, Luiz Alfredo Garcia-Roza,
Rubem Fonseca. Mas tenho também amigos de carne e osso, como, por exemplo, o
escritor Fernando Canto, que vive em Macapá/AP, na Amazônia. E há, é claro, os
amigos da família; com alguns, pelas circunstâncias, convivemos mais
estreitamente, como é meu caso com o artista plástico Olivar Cunha. Entretanto,
esta crônica é para falar do meu amigo José Gaspar, com quem convivi curto, mas
intenso momento da minha vida.
Chamava-o de Velho. Quando o conheci, ele tinha 37 anos e
eu, 21, em Manaus. Conversávamos sobre tudo e ele me ensinou muitas coisas. Deu-me
dicas sobre a vida, as mulheres e a arte da criação literária, me ensinou a
amar Hemingway e o cinema, e me ensinou a amar ainda mais a vida, que a vida
deve ser curtida, deve ser um eterno acme; como disse Olivar Cunha: a vida é um
tesão. Conversávamos durante horas, e as horas eram sempre poucas para o
manancial de assuntos que afluíam na nossa conversa, muitas vezes regada à
Antarctica enevoada da Manaus de meados dos anos de 1970. Manaus não teria sido
a mesma, naqueles anos de 1975 a 1977, se eu não tivesse conhecido José Gaspar.
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No dia 19 de maio, ele não suportou um ataque chinês. O
coronavírus o levou para o azul. Tinha 83 anos. Conhecendo-o como o conheci,
sei que ele viveu intensamente, na velocidade da luz. O criador da lendária Revista Cinéfilo foi cremado e as cinzas
irão para Portugal.
Casado com a cantora lírica belenense Marina Monarcha, com
ela José Gaspar escreveu seu poema mais azul: a cantora lírica Carmen Monarcha,
integrante da Johann Strauss Orquestra, do maestro holandês André Rieu. Carmen
aparece em dois romances meus: JAMBU e HIENA. Quanto ao pai dela, certamente
está na turma do Quartinho, um local da Casa Amarela, onde artistas da pesada
se reúnem.
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