sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Bolsonaro e Mourão precisam ir logo ao Amapá para visitarem o Porto de Santana e a BR-156


RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 28 DE AGOSTO DE 2020 – Em um ano e meio o Brasil já é outro. O presidente Bolsonaro pegou o país descarrilado em uma ladeira íngreme rumo a um mar de chorume e em 20 meses já reativou o parque industrial do Sudeste, levou água para o Nordeste, botou para correr as quadrilhas que vinham pilhando a Amazônia, está recuperando as rodovias brasileiras e logo começará dois megaprojetos: um ferroviário e outro portuário. É nesse contexto que tanto Bolsonaro quanto o vice-presidente, general Mourão, devem se obrigar a ler não somente este artigo, como meu romance ensaístico JAMBU, e, por consequência, visitarem o Porto de Santana e a BR-156. Eis por que. 

O mais estratégico porto brasileiro fica na Zona Metropolitana de Macapá/AP: o Porto de Santana/AP. Ele foi construído para embarcar o melhor manganês do mundo, o de Serra do Navio/AP, que foi estocado nos Estados Unidos como reserva estratégica, até exaurir a mina no Amapá. Depois, porto foi municipalizado. Sua profundidade é adequada a qualquer cargueiro transoceânico e é o porto brasileiro mais próximo, simultaneamente, dos mercados dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia via Canal do Panamá. Pode receber todas as commodities da Amazônia por hidrovias; do Centro-Oeste, por estradas e hidrovias; e do Sudeste e do Sul, por rodovias. Enquanto o PT preferiu construir um porto em Havana, Cuba, com dinheiro pilhado do Bando Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), atualmente o Porto de Santana é subutilizado. 

Mais: as commodities destinadas à América Central podem ser armazenadas em Santana/AP e de lá seguirem pela BR-156, que liga o porto à Caiena, a capital da colônia que os franceses chamam de departamento ultramarino, e de lá para toda a América Central. Mas o governo federal vem enviando dinheiro para a construção da BR-156 há 80 anos, e ela nunca foi concluída, o que se configura como espantoso recorde mundial dos governadores locais, de irresponsabilidade, preguiça e desprezo para com os amapaenses. No inverno amazônico, a parte inacabada da rodovia se transforma em um atoleiro; no verão, em um inferno de poeira. 

Mais: a rodovia termina na cidade de Oiapoque, no norte do Amapá, separado da Guiana Francesa pelo rio Oiapoque. Em 2008, começaram a construir uma ponte binacional, que ficou pronta em 2011, mas não foi inaugurada porque a BR-156 não estava pronta; tornou-se um enfeite até 20 de março de 2017, quando finalmente foi inaugurada, pois a BR-156, mesmo inacabada, constitui-se na única via de exportação utilizada por caminhoneiros. Também muitos turistas de automóvel utilizam a rodovia, mesmo com os perigos que ela apresenta, pois, para muitos brasileiros, principalmente da Amazônia, Caiena é a porta da Europa.

Também a costa do Amapá é a mais rica em todo tipo de criaturas do mar, a mais invadida por piratas internacionais e a mais mal guardada pela Marinha de Guerra. Mas isso é outro artigo.

No romance ensaístico JAMBU a Questão Amazônica é esmiuçada, e o Amapá, que é onde se passa a trama do livro, é examinado com microscópio. Leia dois trechos de JAMBU:

“Mas a Amazônia já está ocupada. Por exemplo: o Japão não importa mais apenas bauxita, mas alumina, produzida graças à energia de Tucuruí agregada ao produto. Uma das matérias da Trópico Úmido era sobre a New Steel, mineradora americana que levou de Serra do Navio, no Amapá, 40 milhões de toneladas do manganês mais puro do mundo, deixando um buraco gigantesco.

“Em 1943, o interventor do Território Federal do Amapá, capitão Janary Gentil Nunes, já sabia que na região dos rios Amapari e Araguari havia manganês, que entra na composição de várias ligas de aço, na fabricação de fertilizantes, no clareamento de vidros, no fabrico de pilhas secas e na produção de tintas e vernizes. Janary fora avisado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Em 1945, ofereceu um prêmio em dinheiro para quem identificasse exatamente onde o minério estava. Um comerciante ribeirinho, chamado Mário Cruz, levou pessoalmente ao interventor algumas pedras que usara como lastro para seu barco, escuras e pesadas. O material foi analisado no DNPM, no Rio de Janeiro, pelo engenheiro Glycon de Paiva, que bateu o martelo: tratava-se de manganês de alto teor. Glycon foi então à região analisar os depósitos. Ele viu uma profusão de morros cobertos de floresta; um deles era um gigantesco bloco de manganês que lembrava a proa de uma embarcação. Então Janary convenceu o presidente Gaspar Dutra a criar uma reserva nacional englobando a mina de manganês e conferindo ao Território Federal do Amapá a competência para prospectá-la e explorá-la por meio de concessão. Três empresas responderam ao convite para explorar a mina: a subsidiária brasileira da United States Steel, Companhia Meridional de Mineração; a Hanna Coal & Ore Corporation; e a Sociedade Brasileira de Indústria e Comércio de Minérios de Ferro e Manganês (Icomi), fundada em 1942, com sede em Belo Horizonte e atuação em Minas Gerais, que venceu a concorrência. Só que depois de ganhar a concorrência, a Icomi se associou à americana Bethlehem Steel, maior consumidora mundial de manganês, formando a holding Caemi Mineração, criada por Augusto Trajano de Azevedo Antunes, paulistano nascido em 1906 e falecido na Cidade Maravilhosa, em 1996, formado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica de São Paulo, em 1930. Com a guerra fria, a União Soviética deixou de suprir de manganês o mercado norte-americano, aumentando, assim, a cotação internacional do produto. Augusto Nunes, que já explorava o minério de ferro no pico do Itabirito, em Minas Gerais, criou então a Icomi, em 1947, e, em 1948, começou as atividades de mineração no Amapá. O contrato de exploração, assinado em 1947, previa que a Icomi teria de investir no Amapá pelo menos 20% de seu lucro líquido; a exploração de um perímetro máximo de 2.500 hectares, o equivalente a 0,17% do território amapaense, e o pagamento de 4% a 5% da receita totais em royalties ao governo do Amapá. Previa, ainda, uma área adicional de 2.300 hectares para a construção de instalações industriais, complexo ferroviário, e duas vilas, que dariam origem às cidades de Santana e Serra do Navio, as quais começaram a ser construídas em janeiro de 1957 e ficaram prontas em 1959. A Estrada de Ferro Amapá, inaugurada em 1957, tem 194 quilômetros, ligando Serra do Navio ao Porto de Santana. Em 1980, com o manganês de Serra do Navio, comprado a preço de banana, estocado nos Estados Unidos, a Bethlehem vendeu sua participação para a Caemi, que encerrou a exploração de manganês em 1997, embora, em 1953, no governo de Getúlio Vargas, a concessão para explorar o minério previa o prazo de 50 anos. Desde 2003, a Caemi  pertence à Companhia Vale do Rio Doce. Em março de 2006, a MMX Mineração e Metálicos, do empresário Eike Batista, assumiu o controle da Estrada de Ferro Amapá, por vinte anos. Em 2008, a MMX foi vendida para a Anglo American. Em 2013, o controle foi repassado para a mineradora inglesa Zamin, e, em 2015, para a Secretaria de Estado de Transportes, quando a linha ferroviária foi também paralisada. Hoje, o governo do Amapá acusa a Icomi de contaminar com arsênio o Porto de Santana e a Vila Elesbão. O morro que lembrava a proa de um navio desapareceu e se transformou numa cratera, até acabar o manganês de boa qualidade. “Não se previa que a exploração seria tão intensiva a ponto de esgotar totalmente a reserva” – comentou Aziz Ab’Sáber, titular do Departamento de Geografia e professor emérito do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). As escavações eram feitas 24 horas por dia. Algumas crateras formaram lagos, alimentados pelo lençol freático. O Morro do Navio foi transformado no Lago Azul. O fato é que a Icomi cumpriu o contrato, mas o poder público deixou que Santana e Serra do Navio sucumbissem. Os governos que passaram pelo Amapá, durante o reinado da Icomi, nunca aplicaram os royalties com sustentabilidade. Restou também o porto mais estratégico da Amazônia, Santana, de onde se pode exportar matéria-prima e produtos manufaturados e industrializados para todo o planeta. A rodovia Perimetral Norte, que deveria ligar Macapá a São Gabriel da Cachoeira, é hoje a única alternativa de transporte para Serra do Navio. A Anglo American comprou uma área da Icomi para a pesquisa de ouro no município vizinho de Serra do Navio, Pedra Branca do Mapari, e descobriu uma mina gigantesca”.

E: “Há duas rodovias federais no Amapá: a BR-210 e a BR-156. A BR-210 é, na verdade, um embrião; conhecida como Perimetral Norte, tem pouco mais que 471 quilômetros. Começa em Macapá e vai até Serra do Navio, terminando na divisa com o Pará. Mas a rodovia que realmente tem importância para o estado é a BR-156, que começou a ser pensada em 1932. Até 1945, somente nove quilômetros foram construídos. Ela começa no município de Laranjal do Jari, vai até a capital do estado, Macapá, e termina no município de Oiapoque, no extremo norte. São 595 quilômetros entre Macapá e Oiapoque, e 369 quilômetros entre Macapá e Laranjal do Jari, totalizando 964 quilômetros. Jamais foi concluída, mas é trafegada, desde sempre. Nos tempos heroicos, durante os seis meses de estiagem, transformava-se em um poeiral sufocante, e nos seis meses de chuva, em um inferno de lama. Em 2011, foi construída uma ponte binacional sobre o rio Oiapoque, ligando Macapá a Caiena, a capital da Guiana Francesa.

“Com 84 mil quilômetros quadrados, a Guiana Francesa é limitada ao norte pelo oceano Atlântico, a leste e a sul pelo Amapá e a oeste pelo Suriname. Foi colônia francesa até 1947, quando passou a departamento ultramarino francês, com representação no Senado e na Assembleia Nacional da França, e seus cidadãos participam das eleições para presidente da França. Como integrante da União Europeia, a moeda local é o euro. O Centro Espacial de Kourou serve à Agência Espacial Europeia desde 1968. Ou seja, a Guiana Francesa é o principal território da União Europeia na América do Sul. Vizinho da Guiana Francesa e fazendo fronteira com um pedacinho do Amapá, fica o Suriname, antiga Guiana Holandesa, e que tem como capital Paramaribo. Com pouco menos de 165 mil quilômetros quadrados, é o menor país da América do Sul. Em 25 de novembro de 1975, deixou o Reino dos Países Baixos para se tornar um estado independente. Limitado a norte pelo oceano Atlântico, a leste pela Guiana Francesa, ao sul pelo Brasil, é vizinha da Guiana, antiga Guiana Inglesa, a oeste, que, por sua vez, se limita com o Brasil ao sul e sudoeste, com a Venezuela a oeste, e com o oceano Atlântico ao norte. A Guiana, capital Georgetown, conquistou sua independência do Reino Unido em 26 de maio de 1966, constituindo-se o único estado-membro da Commonwealth na América do Sul.

“É neste cenário que a Fortaleza de São José de Macapá estava fadada a se tornar o mais emblemático cartão postal dos macapaenses, juntamente com dois marcos de grandeza planetária: a Linha Imaginária do Equador, que secciona a cidade, e o Canal do Norte do rio Amazonas, que a banha na margem esquerda. Enquanto o Equador é só uma linha imaginária, o rio Amazonas é a substância da cidade. Com descarga hídrica tão gigantesca que reduz a salinidade superficial do mar, pois despeja em média 180 mil metros cúbicos de água por segundo no Atlântico, dos quais 65% via Canal do Norte – 16% da água doce vazada para os oceanos do mundo. Assim, o rio invade o mar com 8,6 baías de Guanabara e espantosos 3 milhões de toneladas de sedimento a cada 24 horas, ou 1,095 bilhão de toneladas por ano. O resultado disso é que a costa do Amapá continua crescendo. A boca do Canal do Norte, escancarando-se do arquipélago do Marajó, no Pará, até a costa do Amapá, mede em torno de 240 quilômetros, onde o Amazonas penetra cerca de 320 quilômetros no mar, atingindo o Caribe nas cheias, e, juntamente com outros gigantes do Pará e Amapá, e extensos manguezais, contribui para que a Amazônia Azul setentrional seja a costa mais rica do planeta em todo tipo de criaturas marinhas”.

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