quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Foi criado o estupro culposo. E se começaram a pipocar estupros culposos contra a Constituição e a burra, como se comportará o Supremo?

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 4 DE NOVEMBRO DE 2020 – No dia 15 de dezembro de 2018, em Florianópolis/SC,  o empresário de marketing esportivo André de Camargo Aranha, 41 anos, estuprou a blogueira Mariana Ferrer, 21 anos, no luxuoso no Café de La Musique, onde ela trabalhava. Ela o denunciou. Foi coletado esperma dele, nela, e sangue dela, porque era virgem. Embora as imagens das 37 câmeras do estabelecimento tenham sumido, apareceram gravações na escadaria utilizada pelo acusado e pela vítima, dirigindo-se para um camarim privado, onde a estuprou. 

Terminado o serviço, o estuprador e as amigas da vítima, que a acompanhavam no local, abandonaram Mariana e foram jantar com o estuprador. 

O cartão de consumo de Mariana e filmagens feitas com seu telefone mostram que naquele dia ela tomou somente uma dose de gin com água. No entanto ela acha que foi drogada. Segundo ela, sentia-se entorpecida, totalmente vulnerável durante o estupro. Ao recobrar-se, Mariana enviou mensagens às amigas que a acompanhavam suplicando ajuda, mas ninguém a atendeu. 

Indiciado pela Polícia Civil por estupro de vulnerável, André foi absolvido por falta de provas, pelo juiz Rudson Marcos, da Terceira Vara Criminal de Florianópolis, depois de uma audiência na qual Mariana foi humilhada e agredida moralmente. 

O processo sofreu mudança de delegados, de promotores, atendimentos fora do protocolo e uma sentença que deixou até o diabo de queixo caído. O caso corria em segredo de Justiça. Mas acabou vindo à tona. O vídeo da audiência foirevelado pelo site The Intercept Brasil. Nele, o advogado de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, um dos mais caros de Florianópolis, humilha a vítima o tempo todo, mostrando fotos sensuais de quando Mariana era modelo profissional. O advogado definiu as fotos que exibia como “ginecológicas”, comentando, ao exibi-las, que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana, que, em dado monto, começou a chorar, ao que Cláudio Gastão da Rosa Filho diz: 

– Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lábia de crocodilo... Teu showzinho você vai no seu Instagram dar depois. É seu ganha pão a desgraça dos outros, fala a verdade! 

O advogado afirmou ainda que Mariana arquitetou o estupro para ganhar seguidores nas redes sociais. 

Quanto a Aranha, mentiu durante o processo. Em maio de 2019, afirmou que não teve contato com Mariana Ferrer, mas em 2020 disse que fez sexo oral na vítima. Disse ainda que a promotora de eventos pediu para ir ao banheiro (na companhia dele?), seguindo com ela para o local onde ele teria feito sexo oral nela, e, por decisão dele, teriam deixado o local juntos. Finalmente acusou a vítima de incriminá-lo por motivações financeiras. Já seu advogado sustentou simplesmente que ele não estuprou Mariana, embora o inquérito policial conclua que Aranha cometeu estupro de vulnerável, que é quando a vítima não tem condições de oferecer resistência. 

O primeiro promotor do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), responsável pelo caso, foi Alexandre Piazza, que, em julho de 2019, denunciou André de Camargo Aranha por estupro de vulnerável e pediu sua prisão preventiva, aceito pela Justiça, mas a defesa derrubou a medida com uma liminar. Piazza foi afastado do caso e quem assumiu foi Thiago Carriço de Oliveira, que trouxe a tese de “estupro sem intenção”, baseado nos exames toxicológicos, que não mostram álcool ou drogas no sangue de Mariana Ferrer. 

Em nota, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho disse o seguinte: 

“Não podemos falar muito em respeito ao sigilo do processo, mas gostaria de esclarecer alguns pontos importantes sobre a matéria publicada pelo The Intercept, que gerou uma onda massiva de comentários equivocados sobre o caso. 

“O magistrado considerou André de Camargo Aranha inocente da acusação de estupro, acatando a alegação final do Ministério Público e a tese da defesa para que fosse julgada improcedente a denúncia contra André Aranha. Ou seja, os fatos foram completamente esclarecidos após investigação policial e nos autos processuais, os quais constataram que houve uma relação consensual entre duas pessoas e foi atestado que ambos estavam com a sua capacidade cognitiva em perfeito estado, conforme atestam os laudos e confirmam os peritos. É importante ressaltar que o termo utilizado na matéria “estupro culposo” não é uma terminologia jurídica existente, e em nenhum momento foi utilizado pelo magistrado. 

“O caso foi tratado com a devida legitimidade pelo Ministério Público e prestamos esse esclarecimento visando o combate à desinformação que informações mal interpretadas, descontextualizadas e equivocadas, podem gerar”. 

Íntegra da nota divulgada pelo Ministério Público de Santa Catarina: 

“MPSC reafirma que réu foi absolvido por falta de provas por estupro de vulnerável 

“Não é verdadeira a informação de que o promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido estupro culposo, tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro. Salienta-se, ainda, que o promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo. 

“A 23ª Promotoria de Justiça da Capital, que atuou no caso, reafirma que combate de forma rigorosa a prática de atos de violência ou abuso sexual, tanto é que ofereceu denúncia criminal em busca da formação de elementos de prova em prol da verdade. Todavia, no caso concreto, após a produção de inúmeras provas, não foi possível a comprovação da prática de crime por parte do acusado. 

“Cabe ao Ministério Público, na condição de guardião dos direitos e deveres constitucionais, requerer o encaminhamento tecnicamente adequado para aquilo que consta no processo, independentemente da condição de autor ou vítima. Neste caso, a prova dos autos não demonstrou relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resistência, ou, ainda, que a outra parte tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime. 

“Portanto, a manifestação pela absolvição do acusado por parte do promotor de Justiça não foi fundamentada na tese de estupro culposo, até porque tal tipo penal inexiste no ordenamento jurídico brasileiro. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de primeiro grau por falta de provas de estupro de vulnerável. 

“O Ministério Público também lamenta a postura do advogado do réu durante a audiência criminal, que não se coaduna com a conduta que se espera dos profissionais do Direito envolvidos em processos tão sensíveis e difíceis às vítimas, e ressalta a importância de a conduta ser devidamente apurada pela OAB pelos seus canais competentes. 

“Salienta-se, ainda, que o promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo. 

“O MPSC lamenta a difusão de informações equivocadas, com erros jurídicos graves, que induzem a sociedade a acreditar que em algum momento fosse possível defender a inocência de um réu com base num tipo penal inexistente”. 

Em suas alegações finais, a acusação se manifestou pela absolvição do acusado, “por falta de provas”. Quanto ao juiz: “Portanto, como as provas acerca da autoria delitiva são conflitantes em si, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, “melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente”. A absolvição, portanto, é a decisão mais acertada no caso em análise, em respeito ao princípio na dúvida, em favor do réu (in dubio pro reo), com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal”. 

Vamos supor que Mariana tenha planejado tudo. Mas será que uma jovem entregaria seu hímen, símbolo talvez mais profundo do romantismo de uma mulher, a um homem? E por que para Aranha? Será ele tão charmoso para atrair uma jovem a um plano tão maquiavélico, que, no mínimo, exigiria experiência e sangue frio? 

Quanto a Aranha, não pesou as consequências? Ou a certeza de impunidade não entrou nesse jogo diabólico? 

Qual dos dois tem razão? 

Aranha foi absolvido e está batendo perna por aí. Isso estimulará a crimes culposos, inconscientes, contra a Constituição e a burra? O Supremo absolverá estupradores culposos da Constituição, ladrões da burra, barões do tráfico, traidores da pátria?

Tenho a impressão de que esse caso não termina aqui.

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