quinta-feira, 8 de abril de 2021

Napoleão Bonaparte, Emmanuel Macron e o risco de o Brasil se tornar uma imensa Venezuela

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 8 DE ABRIL DE 2021 – Até os anos 1990, a história do Brasil era contada no sistema de ensino do Ministério da Educação (MEC) sob ideias preconcebidas. Novos historiadores e jornalistas vêm reescrevendo essa história, agora sob a luz da pesquisa de campo e análise, e, sobretudo, sem preconceito. Hoje, as livrarias estão cheias de títulos que passam a limpo uma história mal contada. Também está se formando uma geração de professores, professores mesmo, e não burocratas, que já perceberam que a história é outra.

Nessa enxurrada de livros preciosos, que lançam luzes sobre nosso passado e explicam por que o Brasil é o que é, se destaca 1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil (Planeta, São Paulo, 2007, 367 páginas), do jornalista Laurentino Gomes, ex editor de Veja, quando era a mais importante revista semanal de língua portuguesa do planeta.

1808 já vendeu mais de um milhão de exemplares, inclusive em Portugal, e ganhou, em 2008, o Jabuti, o mais tradicional prêmio literário do Brasil, em duas categorias: de melhor livro-reportagem e de Livro do Ano de não ficção, além do prêmio da Academia Brasileira de Letras de Melhor Ensaio, Crítica ou História Literária de 2008.

Para escrevê-lo, Laurentino Gomes passou uma década pesquisando, investigando e analisando a fuga de João VI de Portugal para o Brasil, na manhã de 29 de novembro de 1807, acossado por Napoleão Bonaparte. O resultado é um painel impressionante, que ajuda a entender o Brasil de hoje.

O perfil de João VI que sai das páginas de 1808 é o de um homem medroso, pusilânime, apagado, sem foz ativa, mal-informado, que sofria de apatia, vertigens e hemorroidas, comilão, baixo, gordo, flácido, feio e, como não poderia deixar de ser para um monarca absoluto, governava com a crueldade de um Fernandinho Beira-Mar.

Poderia ter derrotado as tropas maltrapilhas que Napoleão enviou para Portugal, mas preferiu fugir, deixando o povo português à deriva e praticamente entregando Portugal à Inglaterra, o que depois se refletiria na economia brasileira. Chegou ao Rio de Janeiro em 7 de março de 1808, com sua corte falida, esfarrapada, e o Rio, capital da colônia, era uma cidade pestilenta de tão imunda, mas o principal entreposto de um comércio que enoda Portugal e o Brasil: o de escravos.

O Brasil recebeu debaixo de chicote pelo menos 3,6 milhões de africanos dos cerca de 10 milhões vendidos nas Américas, 65% dos quais morreram supliciados. Foi nessa época que a corrupção generalizada tomou conta do Brasil, até hoje, a ponto de tentarem matar um candidato a presidente que prometeu acabar com a corrupção no Executivo.

No Rio de então, qualquer comerciante de escravos, qualquer ladrão rico, podia receber de João VI título de nobreza em troca de dinheiro. O título de nobreza significava salvo conduto para mais safadeza. Como certos títulos nos dias de hoje. 

Para se ter uma ideia do umbral que era o Brasil-Colônia, livros e jornais eram proibidos naquela época. O Brasil era aparelhado para o saque, de tudo o que se pudesse levar para Portugal e Inglaterra, especialmente ouro e diamante, e o combustível para mover isso eram os negros, tratados como se fossem inferiores a animais de carga, pois os castigos impostos a eles chegavam a uma crueldade a que nem a Inquisição chegou. E olha que a Inquisição fez coisas que até o diabo não acredita.

Mas depois que João VI desembarcou no Brasil, foi forçado, para sua própria sobrevivência, a duas atitudes, com consequências importantíssimas para o país que estava nascendo: a abertura dos portos para as nações amigas, diga-se, a Inglaterra, com quem já havia combinado isso antes da fuga; e a abertura intelectual, com o advento da imprensa nacional e a vinda da biblioteca real de Lisboa para o Rio de Janeiro. Estava lançada a centelha da independência e, a seguir, da república.

Durante muitos anos investiguei as razões que determinaram a unidade política do Brasil, no porquê de não termos virado uma América do Sul hispânica, fragmentada em republicas de banana. 1808, pelo jeito, resolveu a questão para mim. Além de lançar a semente da libertação do Brasil das garras implacáveis e famintas de Portugal, talvez a maior importância para os brasileiros, do pavor que Napoleão infundiu em João VI, tenha sido o que faz do Brasil, hoje, sério candidato a potência mundial – ao que só não chegamos ainda devido à sabotagem dos traidores da pátria, os bolivarianos do Foro de São Paulo.

Pois bem, ao chegar ao Rio de Janeiro disposto a sediar o império português a partir do trópico, João VI combateu ferozmente qualquer iniciativa de independência de Portugal e se empenhou em unir o continente brasileiro. “Esse Brasil dividido em pedaços autônomos nem de longe teria o poder e a influência que o país exerce hoje sobre a América Latina. Na ausência de um Brasil grande e integrado, o papel provavelmente caberia à Argentina, que seria, então, o maior país do continente” – observa Laurentino Gomes.

Com efeito, seríamos uma colcha de retalhos portugueses. “As diferenças regionais teriam se acentuado. É possível que, a esta altura, as regiões mais ricas desse mosaico geográfico estariam discutindo medidas de controle da imigração dos vizinhos mais pobres, como fazem hoje os americanos em relação aos mexicanos. Nordestinos seriam impedidos de migrar para São Paulo. Em contrapartida, ao viajar de férias para as paradisíacas praias da Bahia ou do Ceará, os paulistas teriam de providenciar passaportes e, eventualmente, pedir visto de entrada” – imagina o jornalista.

Bom, se a questão é imaginar, então vamos lá: o Nordeste poderia ser uma potência holandesa; o Sul, um estado autônomo muito ligado à Alemanha; o Centro-Oeste já teria sido comprado pela China e o Sudeste, bem, o Sudeste ainda seria português, dividido em três países: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. E a Amazônia? Seria um estado americano nos moldes do que é a Guiana Francesa para a França e Emmanuel Macron estaria rindo para as paredes.

Também poderíamos ser uma imensa Cuba, onde as famílias jogam suas filhas na prostituição para não morrerem todos de fome. O PIB, a família Castro raspou da burra, assim como ajudou Hugo Chávez Maduro a raspar a burra da Venezuela. O risco de fragmentarem o país, com São Paulo, por exemplo, se separando do resto, é muito, muito remoto, mas a ameaça de nos tornarmos uma Venezuela está na nossa cara. Lula Rousseff aparelhou bem o staff, digo, o estado.

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