sexta-feira, 30 de julho de 2021

Estou sempre pronto para subir ao ringue

Ray Cunha por ele mesmo, da janela do seu quarto, Brasília/DF, 29/07/2019

RAY CUNHA

A gravidez da Josiane, minha esposa, foi um voo vertiginoso, até dar à luz Iasmim, nossa princesa, quando uma onda azul começou a vibrar no triângulo equilátero que, desde então, formamos. Nossa comunicação física teve início assim que a barriga da Josiane começou a crescer; eu podia sentir a presença da Iasmim, e, quando o ventre ficou realmente grande, bastava que me aproximasse para a pele ficar saliente; era a princesinha tentando tocar minhas mãos, meu rosto, e, quando me deitava de costa para o colo da Josiane, a princesinha me abraçava. Às vezes, Josiane lia para nós, orava, dizia eu te amo e afagava o ventre. 

Quando vi minha princesinha pela primeira vez, seus olhos como duas luzes me abarcando, chorei perfume, como choram os jasmineiros da Amazônia, nas noites de agosto. Começava, aí, nova trilha no caminho. As flores são indestrutíveis na sua eternidade porque Deus arruma as suas manhãs, Pessoalmente, e assim Arrumou o jardim para a princesinha, onde eu lia, para ela, contos eternos de grandes escritores; dia após dia, ofertei-lhe os tesouros mais preciosos do Universo, diamantes rosas e rubis azuis, que eu garimpava na parte imersa do meu iceberg. Também Josiane, por seu turno, dava-lhe todas as riquezas que extraía da sua própria vida. 

Ainda garotinha, Iasmim já revelava personalidade: escolhia suas roupas; apenas a direcionávamos quando, por exemplo, ela optava por um vestido quente no verão, e explicávamos o porquê. E se tornou leitora voraz, escreveu contos, pintou óleos sobre tela e manifestou a vontade de fazer o curso de moda, mas ao concluir o nível médio optou por turismo, apenas para perceber, claramente, que seu negócio é moda, mesmo, e fazer a correção da trilha a seguir. 

Assim é a própria vida. Pessoas são condenadas ao fracasso porque seus pais as querem advogados, médicos ou físicos, quando seu talento é para santo, poeta, palhaço ou acupunturista. Outra maneira de matar os filhos é arrogar-se a viver por eles. Zumbis são isto: mortos vivos, a manada, o rebanho, o rótulo, o apego, a ilusão. 

Masaharu Taniguchi disse que o mundo físico é apenas criação da mente. Para entendermos bem isso basta observarmos um iceberg. Ernest Hemingway, o criador de O Velho e o Mar, observou que o iceberg flutua com tanta elegância porque sete oitavos ficam submersos e somente um oitavo aparece fora d’água, o equivalente ao mundo físico, limitado pelo espaço-tempo. Os sete oitavos dentro da água podem ser identificados como realidades múltiplas, universos multidimensionais, ou qualquer outra coisa que se aproxime do que rotulamos de realidade. E o que é realidade? Matéria? Poesia? Sonho? 

Gosto de pensar que realidade são as trilhas do triângulo equilátero, o éter, o vácuo, o nada, algo que apenas flui. E também gosto de pensar que sou leão de asas. Mergulhando no abismo azul, e tão misterioso quanto mulher nua.

A vida é agora! Sinto no ar o perfume das virgens ruivas e na boca o sabor de Dom Pérignon, safra de 1954. E estou sempre pronto para subir ao ringue.

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