Viver não é preciso; viver hoje é preciso, porque os dias são feitos de azul
RAY CUNHA
O momento do dia que mais me causa prazer ocorre às 5 horas,
quando os sons do amanhecer pulsam como música de Mozart, até o sol iluminar as
rosas. Levanto-me antes das 5 e preparo café Três Corações, gourmet, e bebo duas
xícaras médias com tapioquinha amanteigada. Então vou ao encontro das
personagens de ficção com quem eu convivo.
Hoje, minha rotina foi mais azul, pois, entre os sons do
acme, arranquei da madrugada, com minhas mãos de poeta, gemidos. Os sons do
acme são combustível poderoso, que nos remete à dimensão dos abismos de rosas,
em voos inacreditáveis como o da luz, como gigantesco jato pousando. O acme é tão
redentor quanto o sorriso misterioso da mulher amada, na entrega total, naquele
momento em que ela se torna a princesa que nunca deixou de ser.
Hoje, o jardim do apartamento é um cataclismo de rosas. Há
tantas que inundam a madrugada. Ouço Pérez Prado e leio sobre leões na praia,
ao amanhecer. Tudo isso, hoje. Sinto sabor de tacacá e sensações de Macapá e do
Caribe. E assim avança o último dia do ano, um rio azul como os poemas da
Alcinéa Maria Cavalcante, filha do poeta Alcyr Araújo e afilhada do mago
prestidigitador de palavras Isnard Brandão Lima Filho.
Deus é o próprio azul. Também o Pai criou os jardins prenhes
de rosas vermelhas colombianas, ao som do riso de crianças e perfume de Chanel
número 5.
Todos os dias, como hoje, são pedras preciosas que nascem no
meu coração, e que presenteio a todos que eu amo. Peço a Deus que o azul dos dias
invada os corações dos que precisam me perdoar, para que se livrem de qualquer
resíduo de mágoa que respinguei na luz das primaveras e lhes devolva a
liberdade. Viver não é preciso; viver hoje é preciso, porque os dias são feitos
de azul. Hoje, são todos os dias, é a própria vida.
Os sons do acme, misturados aos sons da madrugada, que ouvi hoje, são feitos de uma substância que só encontramos no primeiro beijo, no nascimento dos nossos filhos, na criação de personagens de ficção, na oração, no riso da mulher amada, na luz. São sons que só ouvimos com os tímpanos dos nervos, às 5 horas, que é a hora em que Deus, que nunca dorme, acorda.
Amanhã, começa novo ano. Mas não existe amanhã. Só existe hoje. O ano novo já começou, em nuanças do azul. O azul é um estado de consciência, uma viagem sem começo e que não acaba nunca.
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