Linda e Mel, duas das minhas irmãs; ao fundo, as obras do Colégio Amapaense, no quintal da casa da minha infância |
RAY CUNHA
BRASÍLIA, 11 DE JANEIRO DE 2022 – Meu caso com Macapá/AP é antigo, remonta a 7 de agosto de 1954, data do meu nascimento. Sete mais oito, quinze, noves fora, seis, mais um, sete, mais cinco, doze, noves fora, três, mais quatro, sete. Sete é meu número, que na numerologia representa a perfeição, ou a perfeita integração entre os planos físico e espiritual.
A propósito, meu nome, Raimundo, é do gótico, o alemão antigo, “protetor, sábio e poderoso”. Em 1971, Isnard Brandão Lima Filho, pai da minha geração perdida, de poetas cachaceiros, sugeriu que eu me tornasse Ray Cunha, pois se fosse vertido para o inglês seria mais palatável para o ambicionado mercado de leitores anglófilos. O poeta tinha razão.
Sou um autêntico sete, já que gosto de ambientes bem arrumados, tanto que, de manhã, deixo minha cama impecável; aliás, arrumo até cama de hotel. Fujo de barulho, isolando-me para ouvir Mozart e Frank Sinatra. E sou absolutamente artista; não saberia viver sem ser artista, sem criar. Eu crio personagens e converso com elas.
Se há uma coisa que me faz sofrer é injustiça, especialmente quando não posso corrigi-la. Porque somos introspectivos e às vezes nos isolamos podemos ser vistos como tímidos ou arrogante, o que me faz sofrer também.
Estamos nos dias da semana, nas fases da Lua, no ciclo menstrual feminino, nas cores do arco-íris e nas notas musicais. Outra coisa comum entre os sete é que somos como os gatos: vivemos com um pé na Terra e outro no plano astral.
O sete é o número da reflexão, da sabedoria, do conhecimento, da busca pela compreensão da vida. Mas somos, os do clube dos sete, inflexíveis muitas vezes, irritadiços, silenciosos, arrogantes, contudo, ao fim e ao cabo, místicos. Sinto-me, quase sempre, como o apanhador no campo de centeio. Observo as crianças brincando e se a bola cai muito distante vou apanhá-la e a devolvo às crianças. Zelo para que nada lhes aconteça.
Sei também que nós, sete, temos a capacidade de influenciar as pessoas, pois nossa intuição é aguçada e assim entendemos com facilidade os sentimentos alheios. Procuramos levar felicidade às pessoas, pois os sete não sentem vazio existencial; há sempre luz nos guiando.
E é assim, como um sete, que eu amo Macapá, onde vivi meus primeiros 17 anos, de 1954 a 1971. Aprendi a ler aos cinco anos, e então meu universo entrou em um big-bang igual ao do próprio Universo denso. Aos 14 anos, escrevia versos para a Alcinéa, batia papo com Isnard Brandão Lima Filho, embebedava-me com Joy Edson e conversava sobre pintura com os visitantes da exposição do Olivar Cunha.
Meu mundo era Macapá, até o dia em que fui a Belém, a capital da Amazônia na época em que os colonos portugueses dividiram o Brasil em dois: a Amazônia e o Brasil mesmo, o Sudeste. Em Belém, comecei a descobrir que havia outra cidade além de Macapá. Foi o começo da traição.
Confesso que, desde então, traio Macapá, mas isso se passa apenas na minha cabeça, porque as cidades são como as mulheres; pensamos que podemos ser donos delas, o que é impossível. As cidades, como as mulheres, são poesia no veio. Poemas são apenas pedras preciosas, gotas do azul, que garimpamos no veio da poesia. As mulheres são como esses veios, como minas, como labirintos de luz. E ninguém pode ser dono da luz.
E como as mulheres, as cidades são sempre agora. A cada encontro meu com Macapá, sinto, ao pisar no seu solo, um terremoto de sensações, como foi a sensação do primeiro beijo, da primeira mulher que me guiou na sua própria eternidade, como rosas vermelhas, colombianas, nuas, ao sol.
Na verdade, nunca traí Macapá, porque ela não está nem aí para mim; eu é que a amo, eu é que carrego na memória da minha alma seu cheiro de jasmineiros chorando nas madrugadas ardentes, seus sons do Caribe e dos Beatles, a voz da Linda, bate-papo com Fernando Canto, cheiro de mar.
Não sei como será desta vez, pois
quando passamos tempo demais sem ver uma mulher ela nos esquece. Mesmo assim
aqui estou eu, pois a mim não importa o esquecimento; tudo o que importa é o terremoto
das emoções, eterno. De modo que basta eu chegar para que a intensidade seja
quase insuportável.
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