quarta-feira, 22 de março de 2023

Olivar Cunha: um dos maiores expressionistas brasileiros restaura imagens sacras no ES

Olivar Cunha e Santa Rita de Cássia, em Cachoeiro de Itapemirim/ES

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 22 DE MARÇO DE 2023 – Era 31 de março de 1952 quando João Raimundo Cunha comemorou o nascimento do seu filho, Olivar Cunha, naquele dia, plantando uma seringueira no quintal de sua casa, na Rua Iracema Carvão Nunes, esquina com a Rua Eliezer Levy, uma casa amarela, remanescente do antigo aeroporto, ao lado do Colégio Amapaense, em Macapá/AP. 

Em 1983, a casa amarela já não existia mais e João Raimundo Cunha falecera. Das árvores do quintal, só sobreviveu a seringueira, que agora interceptava o muro oeste do Colégio Amapaense, na Rua Eliezer Levy, e apresentava uma grande lesão no tronco. Debilitada, foi atacada por fungos e insetos. Estudantes pressionaram então a Prefeitura de Macapá e o Governo do Estado para que autorizassem abater a árvore, alegando risco de vida para quem por ali transitava. 

Após minuciosa inspeção, o engenheiro florestal Luiz Guilherme Dias Façanha, nascido em 18 de julho de 1952 e amigo de infância de Olivar Cunha, especialista em seringueira (Hevea brasiliensis) na extinta Superintendência da Borracha (Sudhevea), um dos órgãos federais absorvidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), verificou que a árvore estava se recuperando do ferimento, embora muito lentamente, e em razão disso posicionou-se contrário ao abate. 

Então, solicitou ao repórter Antônio de Pádua, da Rede Globo, que gravasse com ele uma matéria junto à seringueira para dar sua opinião sobre o caso. “É claro que pesou na minha decisão todo o histórico da nossa infância brincando em volta daquela árvore: Olivar, João, Chico e eu” – disse, referindo-se a Olivar Cunha e dois de seus irmãos, os gêmeos Francisco e João. Conclusão: a Rede Globo e Luiz Façanha salvaram a seringueira. 

Tombei-a a meu modo, no romance A CASA AMARELA, no qual ela se torna personagem e assume sentimentos humanos. Quando o protagonista do romance, Alexandre Picanço Cardoso, é assassinado nos porões da Fortaleza de São José de Macapá, a seringueira verte látex e suas folhas se agitam, mesmo sem vento. 

Mas a seringueira está à espera de um vereador que apresente um projeto de seu tombamento, pois está ligada à história de um dos maiores artistas do Amapá e vem sendo agredida, servindo, seu tronco, com o ferimento já sarado, de lixeira. Quanto a Olivar Cunha, tornou-se um dos maiores expressionistas do país. 

Capa da edição de A CASA AMARELA na amazon.com.br

Aluno do pintor Raimundo Peixe na Escola de Artes Cândido Portinari, de Macapá, em 1968, aos 16 anos de idade, Olivar Cunha expôs sua primeira individual, na sede da Associação Comercial do Amapá, então na Rua General Rondon com a Avenida FAB. Durante o tempo em que a exposição ficou aberta, o salão da Associação Comercial se transformou no ponto de encontro de artistas e intelectuais de Macapá, entre os quais Raimundo Peixe, o jornalista e cronista Alcy Araújo e o poeta e cronista Isnard Brandão Lima Filho. 

Eu não perdia uma noite e participava como ouvinte atento dos papos entre esses pesos-pesados da história artística de Macapá, pois tinha 14 anos, mas já me movimentava nos meios literários locais, dando os primeiros passos, ao lado de Fernando Canto, Alcinéa Maria Cavalcante, José Edson dos Santos, Binga, Rodrigues de Souza (Galego), e por aí vai. No meu romance JAMBU faço uma homenagem a estes dois gigantes: Olivar Cunha e Isnard Brandão Lima Filho. 

Fernando Canto é o maior colecionador de trabalhos de Olivar Cunha e já chegou inclusive a abrir sua casa para uma mostra do pintor. Poeta, contista, ensaísta, presidente da Academia Amapaense de Letras, é também o mais capacitado a escrever sobre a obra do gênio amapaense.

"Os 71 anos do pintor O. Cunha é um acontecimento que jamais deveria passar em branco, pelo menos em sua própria terra, pois ele representa a ponta criativa de uma geração de artistas dos quais poucos sobreviveram, ainda que deixassem um espólio significativo para as artes locais" – diz Fernando Canto.

"Olivar Cunha, como é conhecido pelos amigos, pinta a resistência de um povo e incorpora os problemas sócio-ambientais, transportando para a tela o inenarrável dilema das grandes metrópoles, ao lado da miséria das periferias das cidades amazônicas, de que foi testemunha ocular nas suas andanças observacionais.

"E com esse olhar aguçado retrata o mundo desconhecido da nossa região ao lidar com seus pincéis e tinta acrílica com animais em extinção e sentimentos impiedosos, denunciando, assim, o caos da destruição criado pelo não-sentimento e pela ganância do capital.

"O artista passou por diversas fases na sua trajetória vitoriosa. Escolheu (ou foi escolhido por Atena, a deusa grega das Artes) para representar com veemência, e por meio da escola expressionista, um universo temático tão perto de todos, mas perceptível apenas pelos artistas. Então sua vida é um mosaico de brilho intenso que envolve mistérios e enlua os apreciadores de sua arte. Por isso eu brindo com vinho do Porto à saúde do meu amigo Olivar Cunha. Feliz aniversário!" – brinda Fernando Canto.

Depois de Macapá, Olivar Cunha estudou no Rio de Janeiro, no Parque Lage, onde foi aluno de Charles Watson, e na Museu Nacional de Belas Artes, onde fez um curso de restauração. Mora, atualmente, em Conduru, distrito de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, onde vem restaurando pinturas e esculturas sacras em vários municípios do estado.

Tuiuiú Crucificado, de 1992: a Baía de Guanabara sob os miasmas do Rio de Janeiro antes dos aterros com o entulho do Morro do Castelo e sob descargas de dejetos. Ao fundo, os arcos da Lapa e o Pão de Açúcar


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