Em A FESTA DO BODE Vargas Llosa consegue dissecar a mente do ditador. Seu objetivo e sofrimento é o poder absoluto, que não existe
RAY CUNHA
BRASÍLIA, 1 DE JUNHO
DE 2023 – A Festa do Bode (La Fiesta del Chivo, Alfaguara/Objetiva,
Rio de Janeiro, 450 páginas), do Nobel peruano Mario Vargas Llosa, reportagem sobre
a ditadura de Rafael Leónidas Trujillo Molina, o Bode, de 1930 a 1961, na República
Dominicana – país que divide com o Haiti uma das ilhas do Mar do Caribe,
Hispaniola, primeiro território americano a ser descoberto por Cristóvão
Colombo –, serve para ilustrar a ditadura do venezuelano Nicolás Maduro,
amicíssimo do candidato a ditador Lula Dilmo.
Há trechos do livro bem representativos de como funciona uma
ditadura. Isto acontece com um preso político: “Duas ou três semanas depois (da
prisão), em vez do habitual prato fedorento de farinha de milho, trouxeram para
o calabouço uma panela com pedaços de carne. Miguel Ángel Báez e Modesto quase
engasgaram, comendo com as mãos até se fartar. Pouco depois, o carcereiro voltou
a entrar. Olhou para Báez Díaz”.
– O general Ramfis Trujillo queria saber se não lhe dava
nojo comer o seu próprio filho.
Do chão, Miguel Ángel o insultou:
– Diga a esse filho da puta nojento que engula a língua e se
envenene.
O carcereiro riu. Foi e voltou, mostrando pela porta uma
cabeça juvenil que segurava pelos cabelos. Era do filho de Miguel Ángel Báez
Díaz, que morreu horas depois nos braços de Modesto, de ataque cardíaco.
Outro trecho com preso político: “Quando o castraram, o fim
estava próximo. Não cortaram os testículos com uma faca, mas com uma tesoura,
enquanto estava sentado no Trono. Ouvia risos hiperexcitados e comentários
obscenos, de uns sujeitos que eram apenas vozes e cheiros ácidos, de axilas e fumo
barato. Não lhes deu o prazer de ouvi-lo gritar. Eles lhe enfiaram os
testículos na boca, e ele os engoliu, desejando que tudo aquilo apressasse a
sua morte, coisa que nunca imaginou que pudesse desejar tanto”.
Llosa descreve como o Bode estuprou uma menina, filha de um
assessor seu: “Ele a segurou pelo braço e deitou-a ao seu lado. Com movimentos
de pernas e de cintura, montou sobre ela. Aquela massa de carne a esmagava,
afundando-a no colchão; o bafo de conhaque e a raiva lhe davam náuseas. Sentia
seus músculos e ossos sendo triturados, pulverizados. Mas nada disso impediu
que notasse a rudeza daquela mão, daqueles dedos que exploravam, escavavam e
entravam nela à força. Sentiu-se rachada, esfaqueada; um relâmpago percorreu
seu corpo do cérebro aos pés. Gemeu, sentindo que ia morrer”.
– Grite, sua cadelinha, vamos ver se você aprende – cuspiu a vozinha ferina e ofendida de Sua Excelência. – Agora, abra-se. Deixe eu ver se está furada mesmo, se você não está gritando só de farsante que é.
Ao longo do livro, A Festa do Bode disseca a mecânica da mente de um ditador, qualquer um deles.
Basicamente, perseguem o poder absoluto, poder que, paradoxalmente, será sempre
seu inferno pessoal, porque não existe. Ditadores, e os que gostariam de sê-lo,
têm em comum alguns traços: são, em potencial, populistas, nepotistas,
patrimonialistas, mentirosos, profundamente covardes, ladrões, perversos,
bestas crudelíssimas, torturadores, estupradores, assassinos, criaturas
diabólicas. Como se diz em psicologia: psicopatas. Chegam ao poder porque são
ousados, e maus, e porque se cercam de preguiçosos, ávidos por carniça, a quem
alimentam, para se cercarem de zumbis dispostos a empalar a própria mãe por
dinheiro.
A Festa do Bode
será sempre um alerta contra as ditaduras, como a de Hugo Chávez Nicolás Maduro,
que, juntamente com sua família e seus generais, já roubaram tudo dos
venezuelanos. Mas por que essas serpentes não caem? Porque, como a metástase,
contaminam quase todo o país, sobrevivendo do cadáver. Por isso é que não basta
apenas eliminá-los – é necessário recomeçar tudo. O povo cubano, por exemplo,
terá que enterrar os ossos de Fidel Castro e quadrilha e recomeçar. Ditaduras,
sejam de esquerda ou de direita, são uma só coisa: degradação humana.
Os Estados Unidos estão pagando 15 milhões de dólares por
informação que leve à prisão de Nicolás Maduro, acusado de narcotráfico e de
estuprar, torturar e assassinar presos políticos na Venezuela, mesmo assim o
presidente descondenado Lula Dilmo recebeu o ditador de braços abertos, domingo
28, em Brasília, para uma cúpula fantasiosa de presidentes sul-americanos, e afirmou
que o que dizem de Maduro é mentira e deu, mais uma vez, uma banana para os
Estados Unidos. Agora, está recebendo militares chineses.
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