quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Culinária paraense, café de açaí, a Amazônia despida das bobagens que propagam sobre ela

JAMBU, na edição do Clube de Autores: Amazônia completamente nua

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 23 DE AGOSTO DE 2023 – Acho a culinária paraense a mais saborosa do planeta. Claro, cada qual puxa a sardinha para sua brasa. Sou caboco ribeirinho de Macapá. A cidade, em 1954, quando nasci, era um povoado à margem do maior rio do mundo, o Amazonas, e, até 1943, o Amapá era Pará, de modo que sou paraense de Macapá, e meus anos de formação foram principalmente em Macapá e Belém. 

A partir dos 21 anos, em 1975, trabalhei em todos os grandes jornais impressos da Amazônia, e sempre li a literatura científica sobre o Trópico Úmido, além de alguns escritores da Hileia, como os paraenses Dalcídio Jurandir e Benedicto Monteiro, o manauara Márcio Souza e os amapaenses Isnard Brandão Lima Filho e Fernando Canto. 

Importante: nesse meio tempo desenvolvi minhas antenas de escritor, atento ao que se passava não somente comigo, mas ao meu redor, também, lendo, ouvindo sons que vinham do Caribe, como merengue, vendo o trabalho de pintores como R. Peixe e Olivar Cunha, e exercitando minhas papilas gustativas com iguarias de deixar chef francês de joelhos. 

A base da culinária paraense é indígena, com grande colaboração africana e a sofisticação lusitana, e a matéria-prima é principalmente mandioca, peixes de primeiríssima categoria (há mais espécies de peixes na Bacia Amazônica do que no litoral brasileiro) e frutos do mar, jambu e açaí. 

A comida paraense está presente, hoje, nas três maiores praças gastronômicas do Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, por meio de restaurantes e casas especializadas em produtos da Amazônia. Além das comunidades dos diversos estados da Amazônia Clássica, os frequentadores desses restaurantes são os próprios paulistanos, cariocas e brasilienses, que, cada vez mais, apreciam o gosto do Trópico Úmido. 

Tacacá, maniçoba, camusquim, tamuatá e pato no tucupi, açaí com farinha de tapioca e mapará assado na brasa, filhote ao molho de castanha-do-pará, pescada ao molho de camarão pitu, caranguejo, unha de caranguejo. À noite, Cerpinha. 

Agora, surgiu um produto novo na Grande Floresta: café de açaí. Novo, não! Ao que se sabe, foi criado há três décadas. Trata-se de caroço de açaí moído e torrado, base de uma bebida com sabor semelhante ao de café, porém sem cafeína. Ao que se sabe, a bebida foi inventada pela agricultora Perina Rodrigues, moradora da Vila Paulo Fonteles, a 60 quilômetros da sede do município de Parauapebas, no interior do Pará, onde moram ela e seu marido, Roberto Carlos Cunha, ambos migrantes goianos. 

Um dia, faltou café em casa. “Sem dinheiro e nem meios para ir a Parauapebas, fiquei pensando, aí surgiu a ideia de torrar semente de bacaba (semelhante a açaí, porém mais clara e gordurosa) para tentar fazer café; a cor ficou igual do café, mas o sabor foi reprovado, porque amargava muito” – lembra Perina. 

Aí, Perina resolveu experimentar caroço de açaí. O cheiro ficou semelhante ao de café e o sabor também. A partir daí, sempre que faltava café, ela torrava açaí. A comunidade ficou sabendo da novidade e o produto foi se espalhando. Hoje, em Macapá, a Engenho Café de Açaí, criada em 2020, já está vendendo café de açaí para a Alemanha e Estados Unidos. A empresa produz quatro toneladas de café de açaí por mês. Matéria-prima é o que não falta. Só em Macapá e Santana, na Zona Metropolitana da capital amapaense, são jogadas fora 24 toneladas de caroços de açaí todos os meses. 

O café de açaí é rico em nutrientes, como vitamina A, que combate o envelhecimento, reforça a imunidade e protege a saúde dos olhos; vitamina D, que fortalece os ossos; vitamina E, benéfica para a pele e o cabelo; e vitamina K, que previne doenças cardiovasculares. Por conter muitas fibras, regula o intestino e reduz colesterol e glicose no sangue.

O meu romance ensaístico JAMBU é um mergulho na cozinha paraense. Sinopse: casal investiga um traficante de crianças e de grude de gurijuba durante o Festival Gastronômico do Pará e Amapá, no luxuoso Hotel Caranã, no bairro do Pacoval, em Macapá. Ensaístico porque mistura personagens de ficção com pessoas reais, vivas ou mortas, além de deixar a Amazônia inteiramente nua, desmitificando todas as bobagens que dizem sobre ela.

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