Na nova capa da edição de JAMBU do Clube de Autores sai a cuia de tacacá e entra a Fortaleza de São José de Macapá |
RAY CUNHA
BRASÍLIA, 28 DE NOVEMBRO DE 2023 – O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, é um dos maiores monumentos da literatura universal. Basicamente, mostra a loucura humana – a ignorância e o horror –, a luta insana pelo poder, o colonialismo, a escravidão, que desemboca, tudo isso, hoje, no comunismo, na exploração mais abjeta do amazônida, anestesiado pelo espilantol da propaganda comunista.
O Coração das Trevas é um pequeno romance, de pouco mais de 150 páginas, “o mais intenso de todos os relatos que a imaginação humana jamais concebeu”, disse o labiríntico Jorge Luís Borges. A ação se passa no Congo, África, no século 19, quando a Europa fez da África uma fazenda humana, uma terra de ninguém, o coração das trevas. Francis Ford Coppola transpôs essa joia literária para o cinema, situando a história em meados do século 20, para a guerra do Vietnã, no clássico dos clássicos dos filmes de guerra, Apocaypse Now.
O Coração das Trevas lembra a tragédia da Amazônia: o colonialismo. Os colonos portugueses a conquistaram com ferro, fogo, doenças e a Igreja, e a legaram aos brasileiros. Nestes tempos comunistas, os donos da Amazônia são políticos mafiosos, que, juntamente com facções criminosas, tornaram-se os novos colonos, e vêm fatiando a Hileia, vendendo-a e traficando-a, incluindo, aí, crianças para fins sexuais ou extração de órgãos, usando Ongs, para isso.
O butim é grande, pois a bacia amazônica é a última fronteira do mundo na superfície. A maior concentração de biodiversidade do planeta está na Amazônia, a maior concentração de água doce de superfície e de minerais. Todos os países hegemônicos a querem, e farão de tudo para tê-la.
A exploração dos cabocos – ribeirinhos, índios, quilombolas – é sempre brutal, como golpe de navalha seccionando tecido humano, como ataque de hienas, revelando a face obscura da Amazônia, o Inferno Verde, ora em chamas, o latejar da escuridão, espasmos da alma amazônida, a loucura e o malogro do comunismo.
O látego, o calor, os insetos, os répteis, o estupro, a pilhagem, o berro de dor são anestesiados com as eternas promessas dos políticos, porque eles sabem que o povo acredita em tudo o que lhe dizem.
De modo que o maior ícone da Amazônia é a Fortaleza de São José de Macapá. Em 1738, colonos portugueses instalaram na margem esquerda do estuário do Rio das Amazonas um destacamento militar, a Praça São Sebastião, depois Veiga Cabral, onde, em 4 de fevereiro de 1758, foi levantado o Pelourinho, símbolo do implacável poder lusitano, na presença do capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, fundando a Vila de São José de Macapá e selando o fim da nação que dominava aquela beirada de rio, o povo tucuju, do tupi tucumã, palmeira natural da Amazônia, de doces frutos oleosos, matéria-prima para suco, licor, mingau e sorvete.
Em 1764, Portugal deu uma demonstração do seu poderio na Amazônia iniciando a construção de projeto do engenheiro militar italiano sargento-major de Infantaria Enrico Antonio Galluzzi de Mantova, ou simplesmente Gallúcio: a Fortaleza de São José de Macapá.
Em 2 de janeiro daquele ano, o governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Fernando da Costa de Ataíde Teive, saiu de Belém e foi até a vila de São José de Macapá, juntamente com Gallúcio, para examinar o terreno, e, finalmente, aprovar a planta geral da nova fortaleza do império português, que teve sua pedra fundamental lançada naquele mesmo ano, na tarde de 29 de junho, sob a invocação de São Pedro, na presença do governador Fernando da Costa de Ataíde Teive; do comandante da Praça, coronel Nuno da Cunha Ataíde Varona; e de Gallúcio e demais autoridades civis e religiosas de Macapá.
As pedras da Fortaleza foram arrancadas da Cachoeira das Pedrinhas, no rio Pedreira, distante 32 quilômetros de Macapá; descidas para o rio numa rampa em torno de 10 metros de declive, eram transportadas em embarcações pelo Amazonas até Macapá. Cada jagunço tomava conta de quatro escravos, que, fracos pelo trabalho impossível, eram rasgados a chicotadas. Muitos morreram supliciados, famintos, sem energia, e alguns conseguiram fugir para o quilombo do Ambé.
Em 27 de outubro de 1769, Gallúcio morreu de malária e a direção dos trabalhos foi assumida pelo capitão Henrique Wilckens, até à chegada do sargento-mor engenheiro Gaspar João Geraldo de Gronfeld. Em 1777, morre o rei D. José, aos 27 anos, e o marquês de Pombal, então mentor do poderio português na Amazônia e protegido por D. José, é exonerado por D. Maria I (1777-1816), que afunilou os gastos com a Fortaleza, de modo que ela só foi inaugurada em 19 de março de 1782, dia do seu padroeiro, São José, 18 anos depois do início da sua construção.
Com 84 mil metros quadrados, em formato de polígono quadrangular, muralhas de oito metros de altura, seu portão principal fica a oeste, com duas pontes sobre um fosso, de que restam os vestígios, e que, originalmente, seria inundado em todo o perímetro da construção. Pesquisa comprovou que na parte erguida sobre terreno alagado foram utilizadas estacas de acapu, o aço do reino vegetal.
Na primeira metade do século XX, a Fortaleza foi abandonada, e, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), classificada como fortificação de terceira classe. Em 1926, suas ruínas foram visitadas pelo presidente eleito Washington Luís. Em 1943, é criado o Território Federal do Amapá, e, em 1946, foi instalado na Fortaleza o Comando da Guarda Territorial, então a polícia do Território Federal.
Para isso, houve um trabalho de capina interna e externa, com a retirada dos arbustos que vicejavam nas muralhas, bem como a derrubada das árvores que cresciam nos terraplenos, e que acarretaram danos estruturais. Também foram reconstruídos os oito edifícios ao redor da praça, então completamente deteriorados, nos quais substituíram telhados, portas, janelas e portões em madeira, pisos, muretas e rampas de acesso, e foram desobstruídos os canais de drenagem de águas pluviais.
Em 8 de julho de 1950, uma comissão do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) tombou o símbolo maior dos macapaenses, incluindo 54 canhões. A Fortaleza serviu ainda de hospedaria a famílias de imigrantes; de cadeia aos presos da Justiça; abrigou a Imprensa Oficial, o pelotão do Vigésimo Sexto Tiro de Guerra, a União dos Negros do Amapá e o Museu Territorial; e virou palco das celebrações de datas cívicas, marcadas por salvas de tiros dos canhões, desfiles cívicos e bailes.
Com a Ditadura dos Generais (1964-1985), voltou a abrigar o comando da Guarda Territorial e passou a ser utilizada como presídio político, mas também como Clube Social do Círculo Militar, em prédio no entorno leste. Em 1975, a Guarda Territorial foi transformada em Polícia Militar e sediada em prédio próprio, após uma onda de terror na cidade, que, segundo se comenta até hoje, teria sido arquitetada pelas autoridades do Território Federal com o intuito de forçar a criação da Polícia Militar.
Em 1979, a Delegacia do Serviço do Patrimônio da União (DSPU) entregou a Fortaleza ao Governo do Território Federal do Amapá. Em 1988, a Constituinte transformou o Território Federal em Estado do Amapá. Em 1999, após anos de restauração, a Fortaleza é transformada em espaço de cultura e lazer para a população em geral.
Construída para resistir a uma força semelhante à da marinha inglesa do século XIX, nunca foi atacada, exceto por um dos flagelos da Amazônia, a malária, também conhecida como paludismo, impaludismo ou maleita, doença infecciosa transmitida pela fêmea infectada do mosquito Anopheles e provocada por protozoários do gênero Plasmodium, que, no sistema circulatório do hospedeiro, vai parar no fígado, onde se reproduzem, provocando febre, dor de cabeça e nas articulações, vômito, anemia, icterícia, hemoglobina na urina, lesão na retina e convulsões, em ataques paroxísticos, com sensação súbita de frio intenso, seguida por calafrios, febre e sudação, paralisia do olhar, epistótono, convulsão, que pode progredir para coma ou morte.
Tradicionalmente, os casos graves são tratados com quinino administrado por via intravenosa ou intramuscular. Não existe vacina contra a malária. As complicações a quem resiste à doença são estresse respiratório e desconforto psicológico.
Assim, a Fortaleza, maior ícone dos macapaenses, é a tradução perfeita de Macapá, uma cidade mergulhada em apagões, com escassa água encanada, sem saneamento básico, afogada em fumaça da mata pegando fogo, fustigada por facções criminosas, sob o domínio de narcotraficantes e sufocada pelos comunistas.
Construída por escravos, negros e índios, sob o obsessivo domínio português, a Fortaleza foi o cadinho no qual se forjou a etnia macapaense. Os portugueses cruzaram com os africanos e geraram mulatos, e fornicaram com os índios, formando uma população de mamelucos; os africanos fundaram o distrito de Curiaú e o bairro do Laguinho, misturaram-se com os índios e legaram cafuzos; e mulatos, cafuzos e mamelucos misturaram-se, fechando o círculo, numa diversidade étnica viva nas ruas de Macapá, nas nuanças de peles que vão do alabastro ao ébano, passando pelo bronze e jambo maduro, unidos pelo sotaque caboco: a fusão do português falado em Lisboa, doces palavras tupis, línguas africanas, patoá das Guianas, tudo triturado em corruptela.
É neste cenário que a Fortaleza de São José de Macapá estava fadada a se tornar o mais emblemático cartão postal dos macapaenses, juntamente com dois marcos de grandeza planetária: a Linha Imaginária do Equador, que secciona a cidade, e o Canal do Norte do rio Amazonas, que a banha na margem esquerda.
É inquestionável, portanto, que a Fortaleza de São José de Macapá é também a tradução perfeita da Amazônia, a grande colônia ambicionada pelas nações hegemônicas, pelos políticos mafiosos, pelos empresários bandidos, pelos narcotraficantes, pelos escravocratas, e pela organização criminosa mais perigosa do planeta: o comunismo.
Resta-nos, a nós, amazônidas, outra ordem de anestesia: a do jambu (Acmella oleracea). Principalmente apreciado no tacacá, a iguaria mais representativa da Amazônia. Segundo o antropólogo Luís da Câmara Cascudo, deriva de um mingau indígena, mani poi, preparado com goma de tapioca temperada com tucupi, cebola, alho, cheiro-verde, jambu e camarão.
Há a teoria de que teria surgido em Itacoatiara/AM, conforme relata o médico e explorador alemão Robert Christian Barthold Avé-Lallemant, autor do livro No Rio Amazonas, e que esteve na Amazônia e visitou a Vila de Serpa, atual Itacoatiara, em 1859.
Classificou o tacacá como “a bebida nacional dos Mura”, uma das etnias que enfrentaram os portugueses e espanhóis com a mesma valentia e crueldade dos ibéricos. O etnólogo Kurt Nimuendaju escreveu: “De todas as tribos da Amazônia, a dos Mura foi a que mais extenso território ocupou, espalhando-se das fronteiras do Peru até o Rio Trombetas”, que limita o Amazonas com o Pará.
Os Mura habitavam as bacias do Médio Amazonas, Solimões e Madeira, desde cerca de 1.450 a. C., até o século XVIII, quando foram trucidados pelos ibéricos. Seus remanescentes, cerca de mil famílias, habitam os municípios de Autazes e Itacoatiara, no estado do Amazonas.
O padre jesuíta João Daniel registra no livro Tesouro Descoberto do Rio Amazonas, escrito entre 1757 e 1776, que os “índios do Rio Amazonas… tapuias do Amazonas… povoadores do Amazonas… usam da bebida tacacá… o tucupi é um sumo venenoso extraído da raiz da mandioca... cozido, perde o veneno, e então é servido como tempero de vários guisados e bebidas”.
A iguaria, tal como é servida, hoje, é composta de goma de mandioca, tucupi, camarão seco e salgado, jambu, sal, alho e pimenta de cheiro a gosto. É servido em cuias. Coloca-se primeiramente um pouco de tucupi e um pouco de caldo da pimenta-de-cheiro com tucupi, a gosto, acrescenta-se goma, arranjam-se ramos do jambu, colocam-se camarões e acrescenta-se mais tucupi.
Toma-se tacacá (não se diz beber) muito quente, na cuia, assentada em uma pequena cesta, para proteger as mãos. Utiliza-se um palito de madeira para fisgar o camarão e o jambu, este, o tempero por excelência da Amazônia, utilizado em pratos que vão de pizza até bebida como cachaça. Faz os lábios tremerem de prazer. É rico em cálcio, fósforo, ferro, vitaminas C, B1, B2 e B3.
Mascar jambu adormece o nervo trigêmeo e alivia dores de garganta e de dente. Em forma de chá ou macerado é diurético e ajuda a dissolver cálculos da vesícula biliar. A única contraindicação é para mulheres grávidas, pois provoca contrações do útero.
É originário do Brasil, Colômbia, Guianas e Venezuela, e é conhecido também como agrião-do-pará, agrião-do-norte, agrião-do-brasil e jambuaçu. Cresce na várzea, até 30 centímetros de altura, formando uma folhagem densa e bem verde. As flores são amarelas e hermafroditas. Em Macapá, cresce como mato nos quintais.
Jambu começou a ser plantado em outras regiões do Brasil, como nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, destinado à indústria cosmética. Cultiva-se jambu também em Madagascar, Índia e China.
O óleo essencial do jambu é rico em propriedades antioxidantes, diuréticas e anti-inflamatórias, utilizado nas indústrias farmacêutica, cosmética e de higiene pessoal. Seu princípio ativo mais importante, extraído das flores, folhas e caule, é o espilantol, responsável pelo sabor anestesiante do jambu e que atua no sistema nervoso.
Além do uso culinário, o espilantol tem propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e antimicrobianas, reduz a ansiedade e estimula a memória. Excelente, portanto, para acalmar o coração das trevas, principalmente no fim da tarde, quando, em Macapá, os alísios levam sons de mambo, que se misturam ao perfume dos jasmineiros e ao acalanto da alma.
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