O Silêncio da Chuva, romance de estreia de Luiz Alfredo Garcia-Roza, apresentando o policial mais famoso do país: Espinosa, que mora no Bairro Peixoto, em Copacabana |
BRASÍLIA, 30 DE MARÇO DE 2024 – Conversando com amigos meus viajados até parece que também vivo batendo perna pelo mundo. A única vez que saí do Brasil foi para passar um mês em Buenos Aires, há meio século. A minha familiaridade com o planeta se dá por duas razões: desde criança sou leitor inveterado de literatura de primeira categoria; e gosto tanto de geografia que tenho até coleção de mapas.
Quanto ao Rio de Janeiro, sou apaixonado pela cidade desde que a conheci, em 1972. Além de viver durante algum tempo na Cidade Maravilhosa e de ir lá sempre que posso, sou leitor de alguns escritores que recriam a capital carioca nos seus livros, a começar por Machado de Assis, passando por Ruy Castro, Rubem Fonseca, Luiz Alfredo Garcia-Roza etc.
Era em Luiz Alfredo Garcia-Roza que queria chegar. Carioca de 1936, psicólogo, graduado também em filosofia, psicanalista, professor universitário, marido da também psicanalista e escritora Livia Garcia-Roza, Luiz Alfredo estreou como romancista, em 1996, aos 60 anos de idade, com O Silêncio da Chuva (Companhia das Letras, São Paulo, 262 páginas), Prêmio Jabuti e Prêmio Nestlé de Literatura, em 1977. Nas duas décadas e meia seguintes escreveu mais 11 romances, até morrer, em 16 de abril de 2020.
Li quase todos eles, mas só agora curti O Silêncio da Chuva. Um executivo é encontrado em seu carro, estacionado no edifício-garagem Menezes Cortes, no fim da tarde, morto com um tiro na cabeça. O inspetor Espinosa, da 1ª DP, na Praça Mauá, é destacado para investigar o caso. Dias depois, pessoas ligadas ao caso começam a morrer e a desaparecer.
Detalhe: as tramas dos romances policiais de Garcia-Roza se passam, basicamente, em Copacabana, inclusive no Bairro Peixoto, onde mora o delegado Espinosa, que trabalha na 12ª DP, na Rua Hilário de Gouveia 102. A última vez que estive no Rio, para a sessão de autógrafos do meu romance JAMBU, em 2 de março deste ano, hospedei-me próximo à 12ª DP e do Bairro Peixoto, com o propósito, mesmo, de conhecer Espinosa melhor.
Os livros de García-Roza são ambientados na Zona Sul e as personagens, cariocas de carne, osso e espírito. Espinoza entrou na polícia para ter um núcleo familiar. O núcleo não deu certo e aí ele não teve mais ânimo para mudar de ramo. Talvez preferisse ter uma livraria, ou um sebo. Culto, justo, honesto, é um sobrevivente dentro da corporação. Vive sozinho, come congelados aquecidos em um micro-ondas ou em restaurantes e cafeterias que existem realmente.
Espinoza é, antes de tudo, um filósofo, que analisa a fundo a alma dos suspeitos que cruzam seu caminho. Nunca abandona um caso, até, pelo menos, compreender o que aconteceu. É assim que o leitor não tem apenas tramas a serem desvendadas, mas faz um mergulho na alma das personagens. Se surge uma linda mulher na parada, aqui e ali sentimos respingos de sensualidade e ingressamos no labirinto feminino, sem nos perdermos, pois a volta está assegurada pela lupa do psicanalista.
Garcia-Roza é aquele tipo de escritor com poder de impregnar suas tramas com os cinco sentidos, possibilitando ao leitor se emocionar, a se sentir incomodado, mas também a sentir perfume de púbis. No fim, há sempre o prazer do desfecho. Pode acontecer de o assassino escapar, mas Espinoza, e o leitor, sabem o que aconteceu.
Em segundo plano, pulsa o Rio de Janeiro como ele é.
Copacabana, como linda mulher nua, cintila, dia e noite, faça 40 graus ou sopre
o Vento Sudoeste.
Acima, Luiz Alfredo Garcia-Roza: escritor, psicólogo e psicanalista. Abaixo, Ray Cunha visita a Praça Edmundo Bittencourt, no Bairro Peixoto, em Copacabana, onde mora o delegado Espinosa |
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