domingo, 30 de junho de 2024

Eu só

Ray Cunha: pugilista amador para sedar fogo no coração.
Foto da amiga 
Márcia do Carmo, em Belém do Pará, 1996 

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 30 DE JUNHO DE 2024 – Nos anos 1960, em Macapá/AP, o poeta Rodrigues de Souza, o Galego, chegou a manter, durante certo tempo, a publicação de um livro mimeografado por semana. O compositor carioca Antonio Carlos Jobim comentou, certa vez, que sucesso, no Brasil, faz inimigos. Multiplique isso por mil, na Amazônia. Galego, que era visto pelo establishment de Macapá como uma aberração, passou a ter inimigos até entre seus amigos. E quando ele publicou Eu Gênio foi um escândalo. 

Bati longos papos com Galego. Ele bebia muito e sofria de fogo no coração, que é uma síndrome emocional caracterizada por grande inquietação. Seus pais, gente simples, queriam que ele fosse empresário do ramo de amassadeira de açaí e tudo o que ele queria era escrever. Como em Macapá, na época, não havia ambiente artístico, Galego sofria muito, discriminado pela sociedade e pelos próprios amigos. 

A Ditadura dos Generais explodiu em 31 de março de 1964 e durou até 1985. Como militar só sabe cuidar de arma, deixaram os comunistas à vontade. Aí os comunistas tomaram conta da mídia, das universidades e escolas, e dos artistas. Artista que não fosse comunista estava lascado na sua rodinha. Certa vez, eu bebia cerveja quando alguém comentou que eu virara burguês. 

Odilardo Lima, amigo meu de juventude, preso várias vezes pelos militares, sob acusação de seguir ideologia marxista, comentou certa vez que eu parecia um aristocrata falido. E era mesmo. Comecei a frequentar rodas de artistas em Macapá aos 14 anos, em 1968. Nessa idade, nossa mente é um deserto e qualquer ideologia que injetem na gente vai diretamente para o sangue, de modo que recebia na veia doses cavalares de Antonio Gramsci. Mas eu já tivera um insight. 

Minha salvação foi que três anos depois, aos 17 anos, peguei meus exemplares do livro de poemas XARDA MISTURADA, que publicara juntamente com José Edson dos Santos e José Montoril, e me mandei para o Rio de Janeiro. A partir daí, conheci muita gente e comecei a ler com mais método. O insight era de que havia um erro no marxismo. Hoje, sei, claramente, qual é o erro: o comunismo é uma máfia. A maior do mundo. Simples assim. 

Constatei, também, que estou só, no sentido de que, em última instância, só contamos com nós mesmos, que não devemos esperar coisa alguma de ninguém. Esse conhecimento é importante para compreendermos que não existe solidão, que, aonde quer que vamos estamos sempre com a gente mesmo, que somos um pouco dos nossos antepassados, um pouco da cultura que recebemos na casa dos nossos pais ou nos nossos primeiros anos de vida, somos um pouco das nossas raízes e também das experiência do nosso dia a dia. 

Desde a Revolução Russa de 1917 que os meios de comunicação do Brasil foram tomados por militantes comunistas. Hoje, a velha mídia não conta mais com jornalistas, mas com militantes. Também a academia está tomada por comunistas, e as escolas. Mas aí, outra revolução, tecnológica, mudou tudo. Hoje também, contamos com as redes sociais, muito mais eficientes do que os jornais impressos, a televisão e o rádio, de modo que eu, embora só, atinjo muito mais público do que na virada do século. 

Aparentemente, sou só, mas os que têm abertos o terceiro olho podem ver a legião que me acompanha.

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