Clássico de Claude Lévi-Strauss: crônica de viagem ao exótico
RAY CUNHA
BRASÍLIA, 3 DE JUNHO DE 2024 – O poeta Jorge Tufic e eu estávamos tomando a maravilhosa Antarctica manauara, naquela noite de 1976, refugiados no Nathalia, onde alguns membros do Clube da Madrugada costumavam beber.
– Só lemos para valer quando somos jovens – disse Tufic.
Ele tinha 46 anos e se dedicava, à noite, após a labuta diária, ao culto à Antarctica.
Na época, eu tinha 21 anos e trabalhava em A Notícia, ou em A Crítica, não lembro exatamente. Comecei a ler aos cinco anos de idade e na juventude traçava tudo o que ia aparecendo, de livros clássicos à bula de remédio e catálogo telefônico. Até dicionário eu lia. Lembrei-me disso, hoje, porque estive lendo Tristes Trópicos (Companhia das Letras, São Paulo, 2016, 454 páginas), de Claude Lévi-Strauss.
De certa forma, meu caro amigo Tufic – que agora frequenta o Quartinho da Casa Amarela, um bar frequentado por escritores que já partiram para o Astral – tinha razão. Há livros que só lemos na juventude, porque, na juventude, lemos tudo. Já dobrei o Cabo da Boa Esperança há muito tempo e recentemente comprei no sebo do Ed Book um livro que há muito queria ler, O Jogo da Amarelinha, de Júlio Cortázar. Acho que aos 21 anos eu o teria lido tranquilamente, mas, aos 69, li apenas algumas páginas, folheei o livro todo, li alguma coisa da crítica sobre ele e o larguei. Não aguentei aquela conversa interminável daqueles jovens em Paris. Não fazia sentido para mim. E depois não sou crítico literário, nem tenho mais que escrever resenhas para jornal. Ao passo que li os seis volumes da Série Millennium, três de Stieg Larsson e três de David Lagercrantz, ambos escritores suecos, com total de 3 mil páginas, um atrás do outro; ia relê-los, mas vi que tenho uma pilha de livros para ler com urgência e, para dar espaço na minha estante, dei a série ao Ed Book.
E há aqueles livros do qual fazemos leitura meia-boca. Como aconteceu com Tristes Trópicos, de Claude Lévi-Strauss, que nasceu em Bruxelas, Bélgica, em 28 de novembro de 1908, e morreu em Paris, França em 30 de outubro de 2009, judeu, antropólogo, professor, filósofo, sociólogo, membro da Academia Francesa. Tristes Trópicos foi publicado em 1955, pela Editora Plon, em Paris. O editor pediu a Lévi-Strauss um relato das suas viagens e ele o escreveu em quatro meses, baseado em uma viagem que fizera ao Brasil nos anos 1930. Lévi-Strauss trabalhava, na época, em um romance, e aproveitou o título para o novo livro: Tristes Trópicos.
Em 500 páginas, Lévi-Strauss coloca frente à frente o novo e o velho mundos, e as mudanças geopolíticas dos anos 1930/1940, com uma erudição espantosa, desconcertante, sem linearidade, pulando as épocas. Foi sucesso instantâneo.
Trata-se, de fato, de um livro de viagem, um diário, um olhar europeu sobre o Trópico. Um olhar sobre a primeira metade do século passado, de um jovem europeu estourando de erudição, de descobertas. O Trópico será sempre exótico para os europeus.
Hoje, às vésperas de completar 70 anos de idade, no trópico dos trópicos, o Brasil, que se esgueira sob a ameaça de censura, de ditadura, com a economia corroída, li, em Tristes Trópicos, notícias de um tempo antigo, que interessa certamente aos estudantes de antropologia. Fico até em dúvida. Os estudantes de antropologia lerão Tristes Trópicos, ou apenas ouvem resenhas curtas no YouTube?
Até onde li e folheei dá para sentir que Lévi-Strauss gostaria de salvar o Novo Mundo perdido, de salvar os selvagens. Tristes Trópicos é, de fato, uma crônica de viagem. Uma catedral ibérica no trópico. E mostra o sertão brasileiro com a clareza do sol. Nesse aspecto, é um livro atualíssimo.
Se Lule já estivesse na ativa no começo do século passado quem sabe salvaria os indígenas de Lévi-Strauss, como está fazendo atualmente com os Yanomami. Os índios querem saúde, escola, trabalho e a preservação de sua cultura. Mas isso nem a ralé dos brasileiros brancos (mestiços, na verdade) têm. Hoje, não são somente os Yanomami que estão sufocando.
Resta, em Tristes
Trópicos, aquela maravilha de erudição. Mas isso já é para críticos
literários, estudantes de antropologia e intelectuais. Os comunistas dirão que
os tristes trópicos são culpa do Bolsonaro.
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