O Cristo Redentor e o Pão de Açúcar vigiam a boca da Baía
de Guanabara, onde resplandecem Rio de Janeiro e Niterói
RAY CUNHA
BRASÍLIA, 28 DE AGOSTO DE 2024 – Após nove anos de trabalho, o Metrô do Rio de Janeiro, MetrôRio, foi inaugurado em 5 de março de 1979, com extensão de 4,3 quilômetros, ligando as estações Praça Onze, Central, Presidente Vargas, Cinelândia e Glória. Hoje, são 41 estações e 57 quilômetros de extensão, em três linhas (1, 2 e 4), transportando 660 mil passageiros/dia.
Em 2011, o governo estadual anunciou a construção da Linha 3, ligando Rio, Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, mas a obra nunca saiu do papel. A Linha 3 partiria da Praça XV, centro histórico do Rio, até a Praça Arariboia, também centro histórico de Niterói, por debaixo da Baía de Guanabara.
A ideia de se ligar o Rio a Niterói sob a baía é antiga. Data do fim do século XIX, no reinado de dom Pedro II, quando foi desenvolvido o projeto Rio de Janeiro & Nitheroy Tubular Railway, para a construção de um túnel ferroviário de seis metros de diâmetro por cinco de altura, de ferro ou aço, em peças importadas da Inglaterra, revestido por tijolos ligados por asfalto, sob a Baía de Guanabara, ligando o Rio a Niterói.
Isso está documentado por duas plantas, um texto com especificações da obra e uma carta de Peter William Barlow, que hoje integram o acervo da Coleção Teresa Cristina Maria. O projeto foi apresentado, em 1876, pelo engenheiro irlandês Hamilton Lindsay-Bucknall, com aval técnico de dois engenheiros ingleses, os irmãos Peter William Barlow e William Henry Barlow, ao cafeicultor e empreendedor fluminense Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, o Conde de Nova Friburgo, que o levou ao imperador dom Pedro II, entusiasta da ideia.
Mas o túnel, por onde passageiros transitariam entre Rio e Niterói em uma viagem de quatro minutos, esbarrou em um problema: não havia dinheiro para financiá-lo.
Vinte anos depois, em 7 de junho de 1896, o jornalista Machado de Assis escreveu na Gazeta de Notícias: “Tudo pode acontecer. Um dia, quem sabe? Lançaremos uma ponte entre esta cidade e Niterói. Uma ponte política, entenda-se, nada impedindo que se faça uma ponte de ferro”. Em 1974, foi inaugurada a Ponte Rio-Niterói, a Presidente Costa e Silva.
Quanto ao túnel, cinejornal da Herbert Richers, em preto e branco, e em película de 16 mm, de 13 minutos, documenta, em 1956, uma cerimônia de início dos estudos para a construção do túnel submarino Rio-Niterói. O curta mostra o momento em que o então governador do Rio de Janeiro, Miguel Couto, lança, no meio da Baía de Guanabara, a ata que acabara de assinar, juntamente com o então prefeito do Distrito Federal, Negrão de Lima, determinando o início dos estudos para a realização das obras.
No fim do cinejornal, o narrador questiona: “Quando ficaremos livres das lanchas?” As imagens foram registradas pelo cinegrafista Esdras Baptista e fazem parte do acervo cinematográfico do Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (Lupa-UFF).
Em 1968, foi traçado o percurso da Linha 3 do Metrô. Em 2011, o custo da obra foi estimado em 1,2 bilhão de reais, e, dois anos depois, dobrou. A Linha 3 beneficiaria mais de 1,5 milhão de usuários por dia.
A ideia de túneis submarinos surgiu devido ao engarrafamento na superfície e também ao perigo de marés altas, tempestades e tufões em alguns estreitos. O primeiro túnel subaquático do planeta foi construído sob o rio Tâmisa, em Londres. No início do século XVIII, os portos de Londres estavam congestionados e as estradas que levavam a eles, engarrafadas de carroças e carruagens. Foi aí que uma nata de engenheiros começou a pensar em algo revolucionário: vias por debaixo de rios e do mar.
Em 1818, um dos engenheiros mais brilhantes da Inglaterra, Marc Brunel, desenvolveu a técnica de escavar o leito do mar impedindo a infiltração de água ou lama utilizando parede de aço, tijolos e concreto com um metro de espessura. Assim, o Thames Tunnel, entre Wapping e Rotherhithe, foi escavado e vedado por operários. O projeto original previa três anos de obra, mas levou 18 anos para sua conclusão e utilização por carroças e depois trens, integrando a rede ferroviária Overground de Londres. À época, a obra ficou conhecida como a oitava maravilha do mundo.
Hoje, esses túneis são pré-fabricados. Mas o método mais seguro é por furadeira gigantesca, Tunnel Boring Machines (TBM), a toupeira, uma máquina com a capacidade de escavar rochas. Atualmente, há cerca de 200 túneis submarinos em todo o planeta, a maioria deles com estradas ou ferrovias.
Na construção do mais famoso túnel do mundo, o da Mancha, que liga a ilha do Reino Unido ao norte da França, foram utilizadas 11 Tunnel Boring Machines. O Eurotúnel, Channel Tunnel, ou Tunnel sous la Manche, com 50,45 quilômetros de extensão, com o trecho submerso de 37,9 quilômetros, a até 60 metros de profundidade abaixo do solo do mar, liga Folkestone, Kent, no Reino Unido, a Coquelles, em Pas-de-Calais, próximo a Calais, no norte da França, por debaixo do Estreito de Dover, no Canal da Mancha.
As primeiras ideias de construção do Eurotúnel surgiram em 1802, quando o engenheiro francês Albert Mathieu Favier apresentou seu projeto ligando a França à Inglaterra por debaixo do mar. Os passageiros utilizariam carruagens puxadas por cavalos, o túnel seria iluminado por lanternas de óleo e uma ilha a meio caminho forneceria ar fresco. Custo: um milhão de libras. Sessenta e quatro anos depois, em 1866, o engenheiro inglês Henry Marc Brunel estudou o fundo do estreito de Dover e chegou à conclusão de que havia viabilidade para a construção de um túnel subterrâneo.
Em 1876 são realizados vários estudos geológicos do leito do canal e, em 1880, a companhia South Eastern Railway faz perfurações experimentais no lado inglês, onde, em 1881, uma máquina de perfurações Beaumont escava um túnel de 820 metros. Em 1922, os ingleses constroem mais 128 metros de túnel.
Somente após a Segunda guerra Mundial, em 1957, é que os trabalhos recomeçaram para valer. Foi formado o Grupo de Estudo para o Túnel do Canal. Após três anos de estudos, em 1960, chegaram à conclusão de que deveriam ser construídos dois túneis ferroviários principais e um de serviço, e, em 1973, o projeto foi iniciado, mas foi interrompido, em 1975, após a construção de 250 metros de um túnel de teste, por falta de dinheiro.
Em 1987, foi ratificado um consórcio entre os governos britânico e francês e a inciativa privada para a construção do túnel, concluído após sete anos, empregando 15 mil trabalhadores de 15 empresas e com financiamento envolvendo cinco bancos de ambos os países.
O complexo de três túneis paralelos ligados por passagens transversais em intervalos regulares foi inaugurado em maio de 1994, pela rainha britânica Elisabeth II e pelo presidente francês François Mitterrand, ao custo de 4,650 bilhões de libras esterlinas, 80% a mais do que o orçamento inicial.
Hoje, 7 milhões de passageiros fazem a travessia, que dura apenas 35 minutos, todo ano. O Eurostar, um trem de passageiros de alta velocidade, conecta a estação londrina de Saint-Pancras à Gare du Nord, em Paris, em duas horas, e desta à estação Midi/Zuid, em Bruxelas, com paradas em Ashford, Calais e Lille. Entre Calais (França) e Folkestone (Inglaterra) são transportados carros, ônibus e vans.
Os frequentadores das famosas barcas Rio-Niterói ainda vão esperar bastante aparecer um prefeito do Rio que tenha visão para realizar quatro obras que os cariocas precisam, com urgência: a construção da linha do Metrô, Praça XV-Praça Arariboia, sob a Baía de Guanabara; despoluição da Baía de Guanabara; água tratada para toda a população do Rio; e um centro de inteligência capaz de orientar as forças policiais da Cidade Maravilhosa.
Isso só será possível sem corrupção. Então, aguardem
sentados; caso a barca não esteja superlotada.
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