sexta-feira, 6 de setembro de 2024

É tão calma a noite. A noite é de nós dois. Ninguém amou assim, nem há de amar depois

Tudo acaba, mas as coisas que acontecem no coração são para sempre

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 6 DE SETEMBRO DE 2024 – Certa noite de 1976, o poeta Jorge Tufic e eu bebíamos a inesquecível Antarctica manauara, enevoada, em taças, como era comum no bar Nathalia. 

– Só lemos tudo o que precisamos ler na juventude. Depois disso, não lemos mais – disse-me o poeta, que tinha, então, 46 anos de idade. 

De certa forma, o poeta tinha razão. No meu caso, aprendi a ler aos 5 anos e nunca mais parei. Era tão viciado que durante certo tempo da minha vida lia até dicionário, bula de remédio e catálogo telefônico. Comecei, aos 5 anos, lendo gibis e revistas ilustradas, do meu irmão mais velho, Paulo Cunha, e, pré-adolescente, passei para literatura pesada e livros técnicos, também do Paulo. Adolescente, já havia lido alguns clássicos, entre os quais Tender is the Night, Suave é a Noite, de um dos gigantes da literatura norte-americana, Francis Scott Fitzgerald. 

Quarto e último romance de Fitzgerald, lançado em 1934, Suave é a Noite é ambientado na Europa, especialmente na França, onde os americanos da geração perdida gastavam seus dólares. Conta a história de Richard Diver, psiquiatra que comete o erro de se apaixonar por uma paciente, Nicole Warren. 

E é isso. As mais de 300 páginas do romance marcam o contraste entre a velha Europa e o modo de pensar e de viver dos norte-americanos da Geração Perdida do pós-Primeira Guerra Mundial. 

Para um garoto macapaense, no fim dos anos 1960, tudo aquilo era um mundo novo que se abria. Aliás, tudo para mim era novidade. Vivi em Macapá até os 17 anos e quando saí de lá fui a Belém. Levei um choque. Ainda aos 17 anos fui para o Rio de Janeiro. Mais choque. 

Passei uma década vivendo para lá e para cá, até que comecei, em 1982, a fazer faculdade de Jornalismo na Universidade Federal do Pará, em Belém. E haja leitura. Sempre foi uma das coisas mais prazerosas da minha vida. Ler, para mim, é como viajar com um cartão de crédito ilimitado. 

Mas essa conversa toda é para dizer o seguinte: a imersão e compreensão de um livro são relativas à nossa experiência. Já não consigo mais ler alguns livros. Vejam o caso de O Jogo da Amarelinha, de Julio Cortázar. Passei a juventude ouvindo falar no romance e só o adquiri na velhice. Comecei a ler O Jogo com avidez, mas broxei rapidamente. Os longos diálogos entre os personagens já não significavam nada para mim. Na minha juventude, quando passava horas bebendo e batendo todo tipo de papo, teriam significado, mas, agora, não. 

Quando li Suave é a Noite fiquei encantado com a Côte D’azur, aquelas mulheres longilíneas, as bebidas sofisticadas, os hotéis, a psiquiatria, a paixão. Esta semana, voltei a ler Suave é a Noite e não conseguir mais. Aos 70 anos, tudo aquilo se foi. Comecei a me interessar mais por autores do nosso tempo, como John Grisan e Stieg Larsson, por física quântica e o espírito etc. 

A verdade é que os grandes escritores escrevem coisas do seu tempo, e quando são realmente grandes, escrevem coisas que servem para qualquer tempo. Assim é que alguns escritores envelhecem, como Fitzgerald em Suave é a Noite, ou Ernest Hemingway em Adeus às Armas, mas serão sempre os que melhor captaram seu tempo, de modo que se quisermos saber como eram as coisas em determinado lugar e tempo basta procurarmos grandes romances que se passam nesse lugar e tempo. 

Assim é com Machado de Assis. Se quisermos ter uma visão viva do que foi o Rio de Janeiro entre os séculos 19 e 20, Machado é um dos escritores capazes de nos mostrar a Cidade Maravilhosa como em um documentário dirigido por um grande cineasta. 

É claro que meu ponto de vista é limitado a mim. Cada pessoa é um universo e imerge em um romance com lentes subjetivas, de modo que, além de mim, Suave é a Noite terá sempre sabor de champagne e perfume de rosas, e Adeus às Armas, armistício pessoal. 

Além disso, alguns títulos são inesquecíveis de tão completos em si mesmos. Suave é a noite foi retirado do poema Ode a um Rouxinol, de John Keats. Em 1962, virou filme, Tender is the Night, dirigido por Henry King, e música, de Sammy Fain com letra de Paul Francis Webster, vertida para o português por Nazareno de Brito:


É tão calma a noite

A noite é de nós dois

Ninguém amou assim

Nem há de amar depois

 

Quando o amanhã nos separar

Em nossa lembrança hão de ficar

Beijos de verão

Ternuras de luar

A brisa a murmurar

Sua canção

 

Tudo tem suave encanto

Quando a noite vem

A noite é só nossa

No mundo não há mais ninguém

 

Beijos de verão

Ternuras de luar

A brisa a murmurar

Sua canção

 

Tudo tem suave encanto

Quando a noite vem

A noite é só nossa

No mundo não há mais ninguém

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