terça-feira, 26 de novembro de 2024

A arte é feita de ilusão. Passado e futuro não existem e o presente é fluido como ectoplasma

Rinoceronte virtual ataca gladiador no Coliseu, em Roma

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 26 DE NOVEMBRO DE 2024 – Os arqueólogos recriam o passado por meio de ossos, cerâmica, ruínas etc. e, os historiadores, através de registros escritos. Com esses elementos, tentam recriar animais extintos, indumentárias, adereços, vasilhas, arquiteturas e cidades, e descrever costumes e culturas. Essas recriações atingiram a estratosfera da fantasia com a sétima arte, ao longo do século XX, e, já neste século XXI, com a informática. 

O exemplo mais emblemático que se pode dar é o de Jesus Cristo. Supondo que houve um Jesus histórico, ele teria olhos escuros, estatura média, pele morena e cabelos crespos. O de Hollywood tem olhos azuis, é alto e seus cabelos são longos, louros e bem cuidados. E acredito que 99 por cento dos ocidentais juram que ele era assim mesmo, igual astro de Hollywood. 

Acho que o diretor italiano Federico Fellini foi quem melhor utilizou a trucagem no cinema, e, agora, o inglês Ridley Scott, criador de Blade Runner, o Caçador de Androides; Alien, o Oitavo Passageiro; Napoleão; e Gladiador I e II. 

Napoleão deu o que falar, porque muitos, incluindo historiadores, não concordavam com o Napoleão Bonarparte apresentado por Scott. Foi aí que Scott pôs fim a essa discussão sobre se filmes históricos são documentários ou ficção. São ficção. 

O artista trabalha com licença poética, e até subverte a História. Ninguém o prenderá por isso. Quem quiser realidade precisa procurá-la na obra dos arqueólogos e historiadores. Ainda assim, é bom que tenha senso crítico. 

A sequência de Gladiador, lançada sexta-feira 22, deixou muita gente irritada com Scott e com Alexander Mariotti, consultor histórico da produção. Scott é um artista e não historiador. Assim, recria. Em 2023, o historiador Dan Snow apontou várias imprecisões no filme Napoleão; Scott aconselhou-o a “arranjar o que fazer”. 

Em Gladiador II, a arquitetura romana foi recriada e Scott criou até uma cafeteria em plena Roma clássica. Na época em que a trama se passa o Coliseu era conhecido como Anfiteatro Flaviano e os gladiadores não lutavam contra babuínos, rinoceronte e tubarões. Também quase a metade dos gladiadores eram pessoas livres e personagens como os imperadores gêmeos Caracalla e Geta realmente existiram, mas não do jeito como foram dramatizadas no filme. 

– O que Ridley faz não é diferente de Shakespeare ou Michelangelo. É usar a História para contar uma história e nos ensinar uma lição – esclarece Alexander Mariotti.

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