domingo, 24 de novembro de 2024

Fluxo de consciência em A CASA AMARELA, que o portal UOL classificou como o romance que melhor representa o estado do Amapá

Esta seringueira continua de pé, ao lado do Colégio Amapaense, em Macapá. Em A CASA AMARELA (capa da edição da Amazon), ela tem sentimentos: agita-se sem vento algum e verte látex sem ferimento

Para o poeta e cronista Edevaldo Leal

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 24 DE NOVEMBRO DE 2024 – Fluxo de consciência é uma técnica literária criada pelo francês Édouard Dujardin, no livro Os Loureiros Estão Cortados, em 1888. Consiste em transcrever o pensamento de um personagem. Como se sabe, no pensamento não há tempo nem espaço, nem raciocínio, misturam-se emoções e sentimentos, consciente e inconsciente, realidade e lembranças, desejos e fatos. Um monólogo com o nada. Um quadro impressionista. 

Para o filósofo e psicólogo americano William James, o fluxo de consciência é um rio; o monólogo interior seria uma represa desse rio, que, adiante, volta ao seu fluxo. 

Marcel Proust, William Faulkner, James Joyce, Virginia Woolf, Samuel Beckett, John dos Passos, utilizaram essa técnica, bem como Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Benedicto Monteiro. 

Édouard Dujardin descreve o fluxo de consciência como: “Discurso sem interlocutor e não pronunciado através do qual um personagem exprime seus pensamentos mais íntimos, mais próximos do inconsciente, anteriores a qualquer organização lógica, isto é, no seu estado original, por meio de frases diretas reduzidas à sintaxe mínima, de maneira a dar a impressão de não terem sido elaborados”. 

Na Amazônia, temos Dalcídio Jurandir. No seu livro mais emblemático, Chove Nos Campos de Cachoeira, publicado em 1941, o menino Alfredo sonha sair do Marajó e morar em Belém/PA, sonho que ele reparte com um caroço de tucumã, que é um coquinho da Amazônia. Os pensamentos de Alfredo são como um rio fluindo, lento, amazônico. 

Em contraste com Alfredo, seu irmão, Eutanázio, de 40 anos, é destituído de sonhos; não tem sequer um objetivo, nem sentido na própria vida. Vive em um mundo absurdo. Para completar sua miséria, a jovem Irene o despreza. Eutanázio é como um fantasma, de ectoplasma. Seria essa a matéria dos fluxos de consciência. 

Dalcídio lembra Faulkner. Enquanto Faulkner recria o sul dos Estados Unidos, mergulhado em sangue coagulado, espirrado da negrura do preconceito, Dalcídio apresenta uma Amazônia suja de lama, cabocos com a alma amortecida por cachaça, da mesma forma que seu doce linguajar silencia no amortecimento da língua pelo espilantol, o princípio ativo do jambu, a emblemática erva do tacacá, que é uma comida de origem indígena. Assim, o espilantol seria oura substância do fluxo de consciência, como neutrinos. 

Faulkner usou a técnica do fluxo de consciência ad nausean. De certa forma, Faulkner se parecia comigo. Era baixinho, media 1,65 metro, um centímetro acima de mim, e foi recusado pelo serviço militar americano. Eu fui recusado em Niterói/RJ, por falta de peso e pele inflamada pela poluição da cidade, pois passara minha vida em Macapá e estava em Niterói há pouco tempo. 

Foi demitido de uma livraria em Nova York porque lia em serviço. De volta a Oxford, trabalhou como agente dos Correios. Em um curto período da minha vida fui ajudante de carteiro nos Correios, em Copacabana. Certo dia, o gerente da agência onde eu trabalhava me flagrou em uma biblioteca pública que ficava próxima à agência, em horário de trabalho, e me fez uma advertência por ler em serviço. 

A transcrição do fluxo de pensamento para o papel na obra de Faulkner é um rio grande como o Amazonas, provavelmente o Mississipi. São longos parágrafos, longos períodos, com pontuação irregular. Isso exige, no mínimo, cumplicidade do leitor, além de muita concentração e mais ainda interesse, se não o leitor não irá adiante, pois já basta o fluxo de consciência dele mesmo. 

Gosto do fluxo de consciência. E acho, mesmo, que todo mundo gosta. Acho também que usei o fluxo consciência no romance A CASA AMARELA, o zeitgeist de Macapá/AP, minha cidade natal, especialmente nos anos de 1960. Mas, nesse romance, o fluxo de consciência é mais material do que pensamento, porque, nele, é apenas um estado da matéria, neutrinos, ectoplasma, como em Pedro Páramo, de Juan Rulfo. Talvez nem haja fluxo de consciência algum, nele. Apenas impressão.

A CASA AMARELA foi selecionado pelo UOL como o romance mais emblemático do Amapá. Você pode adquiri-lo no Clube de Autores, na Amazon ou na amazon.com.br

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